AS BARATAS
Dizem
que as baratas e os ratos são bichos tão resistentes que sobreviveram,
sobrevivem e sobreviverão a qualquer catástrofe que atingiu ou possa atingir o
planeta. Principalmente as baratas.
Há
relatos que afirmam elas terem passado incólumes pela devastação causada pelo
meteoro que acabou com a espécie dos dinossauros, pelo Grande Dilúvio e pelas
explosões atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki no ocaso da Segunda
Guerra Mundial, e que provavelmente ainda saíram fortalecidas geneticamente com
alguns poderes típicos dos super-heróis, pela radiação absorvida através das
suas asas de carapaça e das suas antenas de extraterrestre.
Mas
mesmo tendo a sua presença espalhada pelos quatro cantos do mundo e mesmo com o
seu extermínio em massa aprimorado com a utilização de possantes inseticidas,
baraticidas e dedetizadores de ambiente, elas permanecem impávidas, pois a cada
baixa acusada elas parecem se multiplicar por quatro.
A
corrupção no esporte obedece ao mesmo critério. É claro, dirá o leitor, que
isto não acontece apenas no esporte, pois se espalha por todas as camadas
sociais do mundo, desde o pequeno comerciante até o industrial de base, desde
as organizações policiais até os grandes tribunais, desde o político iniciante
até a ratazana velha com cinquenta anos de mandato, desde uma liderança
sindical até o fazedor de opinião que se troca por dinheiro, desde uma simples
associação de bairro até o impoluto Banco do Vaticano.
Mas
como o nosso espaço no jornal se limita à área esportiva, é por aí que eu vou
discorrer.
Há
muita barata cascuda no esporte se escondendo nos desvãos das calçadas, no ralo
do banheiro e atrás do armário de mantimentos. Elas já foram vistas por todos,
todo mundo as conhece, mas a sobrevida da qual elas são dotadas permitem a elas
não apenas conviver em sociedade com o restante do mundo habitado como também
continuar emporcalhando o ambiente que frequentam.
De
acordo com o jornalista inglês Andrew Jennings, nascido na Escócia, a corrupção
institucionalizada no futebol internacional teria começado na gestão João
Havelange, que correspondeu a uma nova era em termos de uma concepção moderna, abrangente
e inclusiva do futebol.
No
discurso de abertura da sua cerimônia de integração de posse em maio deste ano,
o atual presidente Joseph Blatter defendeu o brasileiro e disse que “Havelange
pegou uma Fifa destruída por uma gestão que privilegiava os times ricos até
1974 e desde então incomodamos muita gente que não queria dividir a Copa do
Mundo com os pobres”. Trata-se de um discurso populista que procura justificar
os malfeitos das gestões posteriores – a de Havelange e a sua – com a inclusão
social oferecida pela participação de países terceiro-mundistas no futebol do
planeta em troca de muita propina, muita mutreta e muito jogo de favores.
Blatter,
que foi vice de Havelange até ser eleito em 1998, diz que até a época de Sir Stanley
Rous, que dirigiu a entidade de 1961 a 1974, “só europeus de olhos azuis podiam
participar, mas nós trouxemos o povo para dentro, os africanos, os asiáticos e
os caribenhos”, se esquecendo de que de 1930 a 1962 diversos países
considerados do Terceiro Mundo, incluindo africanos, asiáticos, sul-americanos
e caribenhos – Bolívia, Chile, Coréia do Sul, Cuba, Egito, Índias Orientais,
México, Paraguai, Peru e Turquia – haviam participado da fase final da
competição, sem contar os que ficaram fora nas Eliminatórias.
Blatter
joga farofa no ventilador ao denunciar a derrota da Hungria para a dona da casa
Alemanha Ocidental em 1954 “porque era um país socialista” e a conquista da
anfitriã Inglaterra (país de Stanley Rous) sobre a Alemanha em 1966 com um gol
onde a bola não teria entrado.
A
Fifa tenta tapar o sol com a peneira, pois os escândalos apurados contra ela
depois das gestões de Havelange e Blatter tomaram dimensões tão assombrosas que
uma dúzia de dirigentes foram presos e estão sendo processados.
Assim,
a Máfia dos resultados, a manipulação das arbitragens, as tabelas dirigidas e
os julgamentos equivocados dos Tribunais do esporte são meras formiguinhas se
comparadas às baratas cascudas que proliferam impunemente nos corredores da
Fifa e das organizações que gerenciam o futebol nos cinco continentes.
Na
história da humanidade, os corruptos são tão eternos quanto as baratas.
(Artigo
publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 17/07/2015)