sexta-feira, 17 de julho de 2015





AS BARATAS  

Dizem que as baratas e os ratos são bichos tão resistentes que sobreviveram, sobrevivem e sobreviverão a qualquer catástrofe que atingiu ou possa atingir o planeta. Principalmente as baratas.
Há relatos que afirmam elas terem passado incólumes pela devastação causada pelo meteoro que acabou com a espécie dos dinossauros, pelo Grande Dilúvio e pelas explosões atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki no ocaso da Segunda Guerra Mundial, e que provavelmente ainda saíram fortalecidas geneticamente com alguns poderes típicos dos super-heróis, pela radiação absorvida através das suas asas de carapaça e das suas antenas de extraterrestre.
Mas mesmo tendo a sua presença espalhada pelos quatro cantos do mundo e mesmo com o seu extermínio em massa aprimorado com a utilização de possantes inseticidas, baraticidas e dedetizadores de ambiente, elas permanecem impávidas, pois a cada baixa acusada elas parecem se multiplicar por quatro.
A corrupção no esporte obedece ao mesmo critério. É claro, dirá o leitor, que isto não acontece apenas no esporte, pois se espalha por todas as camadas sociais do mundo, desde o pequeno comerciante até o industrial de base, desde as organizações policiais até os grandes tribunais, desde o político iniciante até a ratazana velha com cinquenta anos de mandato, desde uma liderança sindical até o fazedor de opinião que se troca por dinheiro, desde uma simples associação de bairro até o impoluto Banco do Vaticano.
Mas como o nosso espaço no jornal se limita à área esportiva, é por aí que eu vou discorrer.
Há muita barata cascuda no esporte se escondendo nos desvãos das calçadas, no ralo do banheiro e atrás do armário de mantimentos. Elas já foram vistas por todos, todo mundo as conhece, mas a sobrevida da qual elas são dotadas permitem a elas não apenas conviver em sociedade com o restante do mundo habitado como também continuar emporcalhando o ambiente que frequentam.
De acordo com o jornalista inglês Andrew Jennings, nascido na Escócia, a corrupção institucionalizada no futebol internacional teria começado na gestão João Havelange, que correspondeu a uma nova era em termos de uma concepção moderna, abrangente e inclusiva do futebol.
No discurso de abertura da sua cerimônia de integração de posse em maio deste ano, o atual presidente Joseph Blatter defendeu o brasileiro e disse que “Havelange pegou uma Fifa destruída por uma gestão que privilegiava os times ricos até 1974 e desde então incomodamos muita gente que não queria dividir a Copa do Mundo com os pobres”. Trata-se de um discurso populista que procura justificar os malfeitos das gestões posteriores – a de Havelange e a sua – com a inclusão social oferecida pela participação de países terceiro-mundistas no futebol do planeta em troca de muita propina, muita mutreta e muito jogo de favores.
Blatter, que foi vice de Havelange até ser eleito em 1998, diz que até a época de Sir Stanley Rous, que dirigiu a entidade de 1961 a 1974, “só europeus de olhos azuis podiam participar, mas nós trouxemos o povo para dentro, os africanos, os asiáticos e os caribenhos”, se esquecendo de que de 1930 a 1962 diversos países considerados do Terceiro Mundo, incluindo africanos, asiáticos, sul-americanos e caribenhos – Bolívia, Chile, Coréia do Sul, Cuba, Egito, Índias Orientais, México, Paraguai, Peru e Turquia – haviam participado da fase final da competição, sem contar os que ficaram fora nas Eliminatórias.
Blatter joga farofa no ventilador ao denunciar a derrota da Hungria para a dona da casa Alemanha Ocidental em 1954 “porque era um país socialista” e a conquista da anfitriã Inglaterra (país de Stanley Rous) sobre a Alemanha em 1966 com um gol onde a bola não teria entrado.
A Fifa tenta tapar o sol com a peneira, pois os escândalos apurados contra ela depois das gestões de Havelange e Blatter tomaram dimensões tão assombrosas que uma dúzia de dirigentes foram presos e estão sendo processados.
Assim, a Máfia dos resultados, a manipulação das arbitragens, as tabelas dirigidas e os julgamentos equivocados dos Tribunais do esporte são meras formiguinhas se comparadas às baratas cascudas que proliferam impunemente nos corredores da Fifa e das organizações que gerenciam o futebol nos cinco continentes.
Na história da humanidade, os corruptos são tão eternos quanto as baratas.

 

 

(Artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 17/07/2015)