sexta-feira, 27 de dezembro de 2019





MEMÓRIAS
(Augusto Pellegrini)

Rebuscando o fundo da gaveta,
encontrei velhas fotografias.
O avô no campo, o primo muito sério,
a irmã sorrindo o riso de menina,
qual o retrato lá no cemitério.

Rebuscando o fundo da gaveta,
encontrei o álbum da família.
O tio Joaquim vestido de soldado,
a tia Alzira junto com as vizinhas,
o gato Anselmo sobre o almofadado.

Rebuscando o fundo da gaveta,
encontrei velhos recortes.
A guerra, o tango, a receita de torta,
a oração feita para Santo Onofre
que esteve fixa por detrás da porta.

Rebuscando o fundo da gaveta,
encontrei o meu passado.
O boletim, a promoção de curso,
o convite à missa de formatura
a pulseira de prata que pendia ao pulso.

Rebuscando o fundo da gaveta,
encontrei cupim e traças.
Papel rasgado em meio a mofo e entulho,
lápis sem ponta, caneta sem carga,
relógio envolto num papel de embrulho.

Rebuscando o fundo da gaveta,
encontrei o meu destino.
Rapaz idoso com a minha idade,
senhor moleque, louco ajuizado,
antigo e velho, mas com mocidade.

Rebuscando o fundo da gaveta,
encontrei o fundo da gaveta.
Nada mais óbvio, mais simples, mais rude
do que uma folha de madeira escura e plana,
cheirosa e fria, como um ataúde.

(Publicado no livro “À noite, todos os gatos” em 1998)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019






NOVOCABULÁRIO INGLÊS
(Copyright MacMillan)

(ver tradução após o texto)

HOMESHORING

First the business world talked about offshoring as employment bases were moved abroad. And now it seems the trend is to move back home again, as companies have seen the benefits of locating staff in cheaper rural areas or basing them at home. HOMESHORING is a cost-effective way of providing an improved level of service from local rather than overseas employees.

            “It’s not as cheap as offshoring… but companies bent on cutting costs also see home agents as a way to avoid some of the consumer complaints common to overseas call centers… During the two next years, one of every 10 U.S. call centers is likely to shift at least partly to home-based agents…Some dub it HOMESHORING.” (Seattle Post Intelligencer, 9th May 2005)
  

TRADUÇÃO

RETORNO ÀS BASES DOMÉSTICAS
Primeiro, o mundo dos negócios falava como era bom manter instalações fora do país. Agora, parece que a tendência é trazer as instalações de volta para casa, pois as empresas perceberam os benefícios de locar seus empregados em áreas rurais mais baratas ou mesmo mantê-los onde estavam antes. O RETORNO ÀS BASES DOMÉSTICAS é uma forma efetiva de reduzir custos, pois melhora o nível dos serviços utilizando empregados locais em vez de usar trabalhadores do exterior

 “Não é tão barato como manter instalações fora do país... mas as empresas preocupadas em cortar custos também veem as instalações locais como uma forma de evitar as reclamações comuns feitas a respeito daquelas localizadas no exterior... Durante os próximos dois anos, a tendência é de que uma em cada dez instalações localizadas no exterior voltem pelo menos parcialmente para o seu país de origem... Algumas pessoas chamam isto de RETORNO ÀS BASES DOMÉSTICAS.” (Seattle Post Intelligencer, 9 de maio de 2005)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019





A NOITE DA MARIOLA
(Excerto)

A orla estava quente e abafada e o céu era tinto de um negro profundo. Uma luz lá distante no meio do mar denunciava o barco pesqueiro à procura da sua presa.
A brisa não soprava, a lua estava apagada e o ar guardava um cheiro forte de frutos do mar em decomposição, bem apropriado para aquele recanto sem paredes, sustentado por caibros de madeira e ornado por mesas e cadeiras rústicas, um soturno e decadente bar de praia que se chamava “A Mariola”, um nome no mínimo estúpido se pretende fazer qualquer analogia ao mar, mas observando uma certa lógica se fizer apologia ao nome da dona, uma bruaca com cara de peixe amanhecido, que tanto demora a servir quanto troca os pedidos, tanto cozinha como serve mal, o que atesta o formidável arroto que Gilberto deixa escapar após deglutir sem digerir um pedaço de robalo com cerveja morna.
Enquanto mastigávamos o peixe com gosto de cartilagem e nos esforçávamos para engolir aquela cerveja com o sabor da noite, presenciamos a chegada de Mariazinha – o nome viemos saber depois.
Mariazinha era uma linda garota de cabelos dourados de ninfa e, acreditem ou não, filha da mocreia Mariola. Era o toque que faltava para transformar aquela choupana num palácio requintado.
Para quem como eu sobreviveu a doze garrafas e à presença insólita de Gilberto, a chegada de Mariazinha foi o bálsamo que faltava para aliviar os desatinos desta noite de São Valentim.
A brisa voltou a soprar e parece que o cheiro de peixe morto cedeu espaço para um delicado perfume francês.
-0-0-0-
Já é quase manhã e outras doze cervejas se foram, incrivelmente a uma temperatura mais apropriada. As garrafas mortas estavam enfileiradas debaixo da mesa e a espuma seca no alto dos copos combinava com os olhos agora opacos de Mariazinha, a paisagem fazendo lembrar uma estepe siberiana. Mariola desapareceu do quadro, mas dava para ouvir o ruído que fazia com as panelas atrás da parede do fundo.
A voz de Mariazinha, que nos faz companhia, já não tem o mesmo viço, e os olhos acesos de Gilberto parecem duas brasas, a voz pastosa como doce de abóbora.
O céu encarna o azulado da madrugada antes de assumir a cor de âmbar do nascer do sol e o mar agora repousa na sua maré baixa deixando à vista uma faixa de areia que forma uma praia tão vasta quanto deserta. Algumas aves de pernas longas e bico comprido fazem seu desjejum lá onde a vista alcança.
Mariola vem, fala alguma coisa e recolhe as garrafas e os pratos enquanto Mariazinha se vai, acenando a despedida com as mãos e some na linha do horizonte, com o vento fazendo colar o vestido de tecido fino por sobre o seu corpo delgado.
Foi uma noitada – soluço! – e tanto. Deveras.