sexta-feira, 2 de outubro de 2015






COM JEITO VAI 

“Vai com jeito, vai, senão um dia a casa cai...” – já dizia uma marchinha carnavalesca de Braguinha, também conhecido por João de Barro, gravada por Emilinha Borba em 1956.
A letra da marchinha dizia respeito a uma garota sapeca que aceitava convites festivos de namorados também sapecas, e acabou servindo de alerta aos desavisados para que cuidassem do seu comportamento profano porque quando menos se espera a casa que pensávamos ter erigido sobre uma rocha foi construída em terreno arenoso, e cai (Mateus 7.24.27).
Ir das delícias da opulência para o amargor do inferno é apenas uma questão de tempo.
José Maria Marin partiu direto de um dos melhores hotéis de Zurich para  uma das melhores prisões da Suiça – Dielsdorf, Limmattal, Pfäffikon, Meilen, Winthertur, não se sabe ao certo – porque foi pego com a boca na botija com outros sete dirigentes ligados à Fifa, num processo movido pela justiça dos Estados Unidos. Na agenda, irregularidades e corrupção na escolha das sedes das Copas do Mundo de 2018 e 2022 e contratos de exclusividade para a transmissão dos jogos.
O atual presidente da CBF Marco Polo Del Nero teve que declinar de um convite para se reunir com outros presidentes de confederações também na Suíça para discutir sobre a reforma da entidade e sobre as novas eleições para substituir o atual presidente Blatter, porque se ele sair do Brasil poderá ter o mesmo destino do seu antecessor. Os americanos denunciam que Del Nero dividiu propina com Marin e Ricardo Teixeira, e a desistência da viagem é a maior prova que algum crime foi cometido.
Na semana passada foi a vez do poderoso Jérôme Valcke, afastado de suas funções de super-secretário geral da entidade por suspeita de ter participado de um esquema de venda ilegal de ingressos para a Copa 2014. Possivelmente a sua ida para a cadeia seja apenas uma questão de tempo.
No olho do furacão se encontra atualmente o presidente Joseph Blatter que tem a sua possível participação na bandalheira investigada, com fortes indícios de negociações espúrias com a Concacaf.
Esta semana foi a vez de dois outros ilustres caírem na malha da investigação: o ex-craque Michel Platini, atual presidente da UEFA – União das Federações Europeias de Futebol e virtual candidato a substituir Blatter na presidência da Fifa, e o atual craque Neymar junto com a sua sagrada família.
Platini está sendo acusado de ter recebido 2 milhões de dólares de Blatter de forma irregular – um fato curioso, pois pelo que se sabe ambos são inimigos cordiais, pois o francês sempre que possível dá as suas alfinetadas no presidente da Fifa, tendo inclusive sugerido a sua renúncia ou destituição.
Já Neymar, juntamente com seu pai, seu agente, o Santos e o Barcelona, está sendo investigado por apropriação indébita e crimes fiscais, além de corrupção e fraude em fundos de investimentos, e isto poderá dar muito pano pra manga.
O jogador já acusou o golpe, pois após ter recebido a notícia teve uma atuação apagada contra os alemães do Leverkusen pela fase de grupos da Liga dos Campeões.
Do lado de cá do Atlântico, emanam de Curitiba mandados de prisão a torto e a direito, punindo cidadãos aparentemente acima de qualquer suspeita – políticos, empresários, administradores públicos – por terem ultrapassado a linha da decência, da ética e da moralidade.
Na verdade, este tipo de infração, em maior ou menor escala, sempre existiu. No futebol, o jornalista britânico Andrew Jennings há muito denuncia a corrupção na Fifa, e em outros campos de atividades sempre houve suspeita de falta de lisura em contratos, transações e movimentações financeiras.
Nada parecido, no entanto, com as descobertas acontecidas no século 21, o século da lavagem da roupa suja.
Os desavisados perderam o medo e a compostura, e agora começam a pagar pelos seus pecados.
Assim, as casas vão caindo, e não foi por falta de aviso.

 

(artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 02/10/2015)

 

 

 

quinta-feira, 1 de outubro de 2015







 ECOS DO 7º LENÇÓIS JAZZ & BLUES FESTIVAL

São Luís não tem o hábito de comentar espetáculos artísticos depois que o evento termina. É como se as emoções também fizessem as malas e partissem junto com os artistas que fizeram a cena.
Se por um lado isto pode evitar o constrangimento do redator quando ele precisa comentar os às vezes inevitáveis equívocos ocorridos, por outro lado deixa de manter viva a chama que aqueceu o público por algumas horas e que corre o risco de jamais ser acendida novamente.
Assim, é necessário que se faça um registro para a posteridade.
O 7º Lençóis Jazz & Blues Festival realizado em São Luís foi sem dúvida um dos pontos altos da qualidade musical levada aos palcos da cidade em 2015, posto que reuniu em dois dias, no mesmo local, seis atrações que a cidade terá dificuldade em rever, tal a importância dos músicos e das suas agendas lotadas. Não vou comentar a etapa Barreirinhas, igualmente vitoriosa – que contou com astros internacionais, nacionais e locais – porque não estive lá presente. Deixo a tarefa para um comentarista que possa resumir em palavras o encanto das noites de jazz naquele paraíso.
Mas de Barreirinhas me restou uma conversa descontraída com o pianista Darrell Lavigne, que lá havia se apresentado na semana anterior e veio para São Luís para ministrar um workshop sobre Creole Music e dar algumas pinceladas sobre a música e a cultura de New Orleans, uma prova do amadurecimento do Festival, cujos organizadores merecem o meu aplauso.   
Em São Luís a produção foi também muito feliz não apenas na escolha dos convidados, mas também na sequência que foi estabelecida em ambas as noites do festival, sempre iniciando com uma apresentação jazzística moderna para aquecer as turbinas do bom gosto, passando pela brasilidade da bossa nova para convidar o público a cantar com os artistas e terminando com um mexe-remexe frenético que incluiu elementos do jazz & blues na música mágica dos Beatles e no mais puro black & soul music que convidou o público a deixar as cadeiras de lado e cair na dança.
Tudo começou na noite de sexta-feira, 25 de setembro.
No palco, a primeira atração – o André Marques Sexteto – um grupo que decolou numa viagem maravilhosa e inovadora, misturando sons nordestinos como o baião e pitadas do bumba-meu-boi com o que há de mais progressivo no jazz contemporâneo. André é um gigante de pouco mais de um metro e meio de altura, mas a sua tímida simpatia o faz crescer ainda mais. 
A sonoridade forte dos metais – trombone e trompete – em contraponto com a singeleza das notas do piano e uma criativa inversão entre melodia e harmonia deu a tônica da apresentação do grupo.
O tempo recuou mais de cinquenta anos para dar passagem à bossa cheia de estilo de Roberto Menescal e Wanda Sá, fazendo o público navegar ao som de O Barquinho, Rio e outras composições do par perfeito Menescal & Boscoli e outros compositores que também foram premiados com o passar do tempo.
Menescal é como o vinho, e um vinho muito especial, cujo sabor se encorpa nos nossos ouvidos a cada taça tomada, a cada música executada.
A alegria e o companheirismo mostrados pelos Blues Beatles ainda nos camarins se transferiu para o palco, misturando irreverência e descontração, e revelando uma boa dose de blues com fortes citações dos elementos sonoros da banda de Liverpool.
Donos de uma forte presença de palco e liderados por um vocalista que irradia energia, a banda encerrou a noite num clima de alto astral, deixando antever mais curtição da boa para a noite de sábado.
Sábado chegou, e quem foi à Praça Maria Aragão não se arrependeu.
Começando com o pianista Gadi Lehavi, um menino de dezenove anos nascido em Israel e residente do mundo, que encantou com uma técnica apurada e uma simplicidade emocionante. Seu parceiro, o veterano e competente baixista brasileiro Paulo Russo valorizou in extremis a sua performance musical.
Entre canções jazzísticas interpretadas com rara inspiração, Gadi tocou Pixinguinha e Cartola e também tocou os corações de quem estava presente, num momento de puro encanto, fazendo o público delirar.
Na sequência tivemos a categoria e o carisma de Daniel Jobim, neto de Tom, que levou para o palco a imagem, a voz e os acordes do avô, num momento belo e introspectivo, pois se resumiu exatamente a isso – piano, voz, e uma imagem que lembrava o velho Tom de terno preto e chapéu Panamá, como era do seu feito. “Passarim quis voar”, e desta vez voou para o alto do Corcovado. Sua modéstia cativou a todos, na plateia, no palco e nos camarins.
Faltou o charuto, mas deixa pra lá.
A noite chegou ao seu clímax com os Serial Funkers que abusaram do estilo black não apenas nas músicas como também no look. Comandados pelo cantor Regis Paulino, os Funkers também botaram o pessoal para dançar, esbanjando vitalidade, criatividade nos arranjos, competência e, sobretudo negritude, qualidade essencial para quem deságua na leitura soul, black e funk.
O festival chegou ao fim com aquele gosto de “quero mais”.
Quem perdeu, perdeu.