sexta-feira, 6 de maio de 2016



FAÇAM SUAS APOSTAS

Vem chegando o fim de semana, e com ele a decisão de diversos campeonatos regionais – com certeza de pelo menos os quatro mais importantes do país. Seriam cinco, mas no Paraná parece que a coisa não tem volta, com os 3x0 sapecados pelo Atlético contra o Coritiba logo na primeira partida. Mesmo enfrentando o rival no seu estádio Couto Pereira o rubro-negro pode até perder por dois gols, logo tem tudo para acabar com o jejum de títulos que já dura sete anos.
Nas demais decisões tudo é incerteza.
Em Minas, o Clássico das Multidões agita Belo Horizonte. Atlético e América já se enfrentaram em oito finais, desde 1948 até 2012, com quatro vitórias do Galo, duas do Coelho e dois empates. Por conta do regulamento, que foi se modificando com os anos, estas oito finais resultaram em cinco títulos, três para os atleticanos e dois para os americanos. No total, 43 campeonatos para o Atlético Mineiro – o maior campeão estadual – e apenas 15 para o América.
Desta vez o América entra em campo precisando de um empate, pois venceu o primeiro jogo por 2x1, mas sua tarefa é sem dúvida indigesta.
Não existe favorito, pois o Atlético apesar de se ter se mostrado um time altamente irregular neste início de temporada, tem como trunfos pesados os jogadores Robinho e Lucas Pratto.
O Rio Grande do Sul apresenta o “quase clássico” entre o Internacional e o Juventude. O Colorado saiu na frente, vencendo o primeiro jogo pela contagem mínima na casa do adversário e joga por um simples empate em Porto Alegre.
Esta é a terceira vez que que estes clubes disputam o título gaúcho. E a partida tem o sabor de desempate, pois em 1998 o Juventude deu a volta olímpica em pleno Beira-Rio, levando o troco em 2008 através de um sonoro 8x1.
Aqui, ao contrário de Belo Horizonte, o Internacional entra em campo com ares de favorito.
Na Vila Belmiro, tradicional reduto santista, a equipe da casa se verá às voltas com o surpreendente Audax Osasco, que já colocou água no chope de todos os outros grandes de São Paulo, dois deles – São Paulo e Corinthians – já na reta final do campeonato.
A postura do Audax dentro de campo é tão arrumada que o comentarista não ficaria surpreso se ele aprontasse mais uma, apesar do aparente favoritismo santista.
Nas últimas dez finais do Paulistão o Santos esteve presente em nove e ganhou o título em cinco ocasiões, podendo marcar a sexta conquista no próximo domingo, o que não deixa de ser uma marca expressiva, e confere ao Peixe o já citado favoritismo, com muita cautela e caldo de galinha.  
O grande lance fica registrado para o Maracanã, onde Vasco e Botafogo farão outro jogo de tirar o fôlego.
O clube da Cruz de Malta vem cumprindo este ano uma campanha irrepreensível, mantendo uma invencibilidade de 24 jogos. Sua última derrota aconteceu em novembro do ano passado, 1x0 para o Fluminense pelo Campeonato Brasileiro. A partir daí foram 18 vitórias e 6 empates.
Caso o clube empate ou vença domingo alcançará o título de forma invicta, a exemplo do que ocorreu em 1992.
A história do Campeonato Carioca reservou 23 títulos para o clube de São Januário (sendo o primeiro conquistado em 1923) contra 20 do Glorioso (a partir de 1907).
Nem sempre a disputa do título se deu a partir de uma determinada partida, mas por nove vezes vascaínos e botafoguenses chegaram ao título e ao vice-campeonato no mesmo ano. Seis das nove vezes o Botafogo se sagrou campeão, e o Vasco da Gama as outras três.
Finalmente o torcedor carioca poderá prestigiar novamente o seu Maracanã – que esteve fora de combate por algum tempo – e lotar outra vez o templo do futebol carioca a exemplo do que ocorreu domingo passado, com perspectivas de muita emoção.   

  




 (artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 06/05/2016)




domingo, 1 de maio de 2016





O FUTEBOL NA ERA VITORIANA


A Inglaterra foi o berço do futebol moderno. Foi lá que rolou a primeira bola e foi lá que foram criadas as primeiras regras que serviram de matriz para um jogo que acontece há mais de cento e cinquenta anos em todo o mundo.
Em termos de comportamento, a Europa ditava os costumes da época.
Assim, boa parte do mundo civilizado obedecia à linha inglesa de procedimentos seguidos na segunda metade do século 19, tendo como base as práticas impostas pelo reinado da Rainha Vitória, da Inglaterra e da Irlanda – e Imperatriz da Índia – que se caracterizavam pelo puritanismo e pela severidade com relação à intolerância e às questões de ordem moral.
Com o passar do tempo os conceitos de moral e comportamento foram sofrendo mudanças e a sociedade passou a ser mais tolerante, permitindo pequenas digressões em situações e locais especiais.
Ao contrário da ética, que permanece imutável através do tempo, a moral vai se adaptando às novas situações a circunstâncias e é normalmente aceita pela sociedade dentro do que convencionou ser a “regra do bem viver”.
Hoje em dia a mais recatada filha de família pode perfeitamente usar um traje de banho ousado se estiver na praia ou na piscina, e ninguém mais enrubesce ao ouvir palavrões, dependendo do lugar em que se encontra e do contexto do impropério emitido. O mesmo ocorre com a ocasional obscenidade que toma conta da malta na época dos carnavais, que atualmente são vários.
Não está em debate se isto é bom ou ruim, está em debate o risco de uma ditadura de costumes que venha a ser imposta nos estádios de futebol, onde tradicionalmente se pratica a irreverência e a descontração.
Os Ministérios Públicos de diversos estados brasileiros estão pregando nos últimos anos uma verdadeira cruzada visando catequizar o futebol, condenando a vibração popular à sisudez das salas de concertos.
Usando como pretexto a guerra entre torcidas organizadas houve-se por bem destinar os lugares da plateia de um clássico regional apenas para os torcedores do clube mandante. Isto evita a guerra declarada nos estádios, mas não inibe a violência fora deles, que é o local onde mais se agride. A primeira sugestão havia sido ainda mais draconiana: nos clássicos regionais, estádios vazios!
O torcedor que consegue a custo entrar no estádio depois de driblar os cambistas o os guardadores de veículos que agem normalmente sem que os mesmos Ministérios Públicos ajam de alguma forma e, uma vez dentro do estádio, têm que seguir regras de etiquetas impostas coercitivamente: não podem cantar hinos considerados provocativos, nem provocar os adversários com brincadeiras e chistes. Não podem portar faixas, bandeiras, nem dísticos que façam qualquer alusão a assuntos políticos da própria política nacional ou da política da esfera esportiva.
Está em curso uma medida que irá proibir definitivamente qualquer tipo de bebida alcoólica dentro dos estádios ou nas suas redondezas, incluindo aí a inocente cervejinha.
Jogadores não podem comemorar porque as autoridades convenceram os dirigentes esportivos que os gestos comemorativos podem ofender os adversários e originar tumulto mesmo para quem está assistindo o jogo pela televisão no bar próximo à sua casa. Possivelmente seja proibida também a venda de bebida alcoólica nesses bares que transmitem as partida ao vivo, nos moldes do que se faz, estupidamente, diga-se de passagem, nos dias de eleição.
Com o passar do tempo e o fortalecimento da Era Vitoriana, os torcedores terão que acompanhar uma partida de futebol como quem acompanha uma partida de xadrez, ou vibrar com o gol do seu time com a mesma emoção com que vibra na celebração da Santa Missa. Sem a mesma euforia, porém.
Nos anos 1970, o árbitro Armando Marques ameaçava de expulsão o jogador que proferisse palavrões durante o jogo. Sua Senhoria achava que o palavreado chulo atentava contra a elegância do esporte e era ofensivo mesmo àqueles a quem não eram dirigidos.
No que Gérson, o Canhotinha de Ouro, contestou com uma justificativa irrepreensível que todo boleiro conhece ao fazer um lançamento de quarenta metros para um companheiro desatento: “E aí, Seu Armando, de que maneira ou vou me dirigir ao Paraná?”
  
(artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 29/04/2016)