sexta-feira, 10 de julho de 2020





AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 3 - A MAGIA DO SWING
(continuação)

O swing é conhecido como a música das grandes orquestras, pois apesar de ser também interpretado por pequenos grupos – que costumavam destacar a seção rítmica (piano, contrabaixo e bateria) com o acréscimo de um ou dois outros instrumentos – na maioria das vezes apresentava uma formação robusta com dezesseis a dezoito instrumentos, incluindo um poderoso suporte dos naipes dos metais e das madeiras.
Os saxofones, musicalmente conhecidos como “reeds” ou madeiras, emprestavam uma grande importância ao som do swing pela variedade de timbre e pela diferente altura proporcionada pelos seus diversos tipos. Uma grande orquestra não podia prescindir do sax-alto, do sax-tenor e do sax-barítono.
Nas primeiras orquestras de swing o clarinete ocupava o lugar do sax-soprano, mas nas formações mais contemporâneas o sax-soprano conseguiu encontrar o seu lugar. A família dos saxofones foi a principal responsável pelo som vocalizado das orquestras porque o saxofone é o instrumento musical cujo timbre mais se aproxima da voz humana.
Os saxofones tinham a responsabilidade de destacar a parte harmônica da música, mas a força e o brilho da interpretação ficavam por conta dos trompetes e trombones, também conhecidos como “brass” ou metais.
Nos pequenos conjuntos o som era suavizado, mas a expressão, o andamento e o ritmo eram mantidos da mesma forma quente e vigorosa.
Entre os pequenos grupos, vale a pena ressaltar o trio, quarteto e quinteto do clarinetista Benny Goodman, o sexteto do contrabaixista John Kirby, o Gramercy Five conduzido pelo clarinetista Artie Shaw e o Louis Jordan & His Tympany Five, assim como os combos comandados por Duke Ellington, Buster Bailey, Barney Bigard, Bunny Berigan, Chu Berry, Bud Freeman, Count Basie, Teddy Wilson, Red Norvo, Stuff Smith, Lionel Hampton, e muitos outros.
Entre as grandes orquestras, podemos citar Luis Russell, Earl Hines, Ben Pollack, Jimmie Lunceford, Kay Kyser, Tommy & Jimmy Dorsey, Bob Crosby, Erskine Hawkins, Cab Calloway, Isham Jones, Harlan Leonard, Claude Hopkins, Chick Webb, Don Redman, a Jeter-Pillars Orchestra, a Sunshine Serenaders, as bandas de Kansas City (Bennie Moten, Andy Kirk e Jay McShann), a Mills Blue Rhythm Band de Lucky Millinder, as orquestras de Benny Carter, Bunny Berigan, Charlie Barnet, Harry James, Glenn Miller, Woody Herman, Artie Shaw, Lionel Hampton e a Casa Loma de Glen Gray. E é impossível não mencionar os grupos comandados por Fletcher Henderson, Duke Ellington, Count Basie e Benny Goodman.
Nunca é demais fazer menção à importância que o swing teve com respeito à miscigenação de músicos dentro de uma única orquestra. Apesar de não ser inteiramente comum, era perfeitamente possível a presença de negros e brancos tocando dentro de um mesmo grupo de swing, o que raramente acontecia com o dixieland e jamais acontecia com as ditas orquestras europeizadas. Mesmo quando não podiam se apresentar juntos em locais públicos por força dos contratos ou do regulamento das casas, negros e brancos constantemente se juntavam para eventuais jam-sessions ou ensaios.
Assim, pode-se dizer que o swing ajudou a democratizar o jazz.
Já o jazz tradicional, com poucas e honrosas exceções, era dominado pelas bandas compostas por músicos negros. É claro que existiam excelentes bandas de músicos brancos, e entre as melhores podemos mencionar as já citadas The Wolverine Orchestra, de Bix Beiderbecke, a New Orleans Rhythm Kings, de Paul Mares e Elmer Schoebel, e a Original Dixieland Jass Band, de Nick LaRocca, que realmente rivalizavam em qualidade com as bandas “negras”. Mesmo assim, o jazz tradicional ainda era, na sua essência, uma música negra tocada por músicos negros e voltada para um público negro, e não tinha muita aceitação dentro da juventude da classe média americana. Além disso, apesar de ter mudado de status ao subir o Mississipi, o jazz tradicional não deixava de ser um tipo de música de cabaré, mesmo quando tocado para plateias mais exigentes.
Com o surgimento do swing, o jazz virou música de salão – fato que inclusive contrariou muitos músicos negros – atingindo em cheio não apenas a classe média como também a antiga classe endinheirada que fizera dos anos 1920 o seu apogeu de festas e recepções.
Como foi mencionado no livro Jazz – das Raízes ao Pós Bop, de minha autoria, “o swing alargou os horizontes do jazz, provocando uma maciça participação da classe média, incrementou o mundo das gravadoras, multiplicou o número de shows e trouxe fama e dinheiro para muitos artistas de jazz”.     
Historicamente, o swing uniu o povo americano em torno de uma música, e esta música era o jazz. Mais do que isso, o swing uniu o povo americano em torno de uma ideéia, que tinha muito a ver com orgulho nacional. Mesmo rotulado de “jazz comercial” e criticado por utilizar partituras além do que o músico improvisador desejaria, o swing cresceu e dominou o panorama musical do país durante cerca de trinta anos – de 1920 a 1950 – ajudando a formatar o estilo americano de viver, o chamado “American way of life”.
Devido à sua natureza peculiar, o swing necessitava de três elementos essenciais para a sua existência e para o seu desenvolvimento.
O primeiro elemento era o maestro, chamado de bandleader, que preparava o repertório, conduzia as apresentações e era literalmente o dono da orquestra. Às vezes, o maestro se valia de um empresário para negociar contratos e apresentações, tratar da parte burocrática da orquestra e tomar para si a desagradável incumbência de demitir aqueles músicos que já não interessavam.
Em muitas orquestras, porém, era o próprio maestro quem cuidava desta parte, deixando para um gerente a supervisão logística do grupo, as providências a respeito da manutenção dos instrumentos, a preparação das viagens e estadas, e os detalhes referentes aos ensaios e apresentações. Às vezes este gerente era sócio do maestro no empreendimento, outras vezes ele era simplesmente uma pessoa contratada para a execução das tarefas.
O segundo elemento era o arranjador. O arranjador era muito importante, pois era ele o responsável pela produção do som que caracterizava a orquestra.
Às vezes o maestro era o próprio arranjador, mas geralmente ele se valia dos serviços de um especialista para aliviar a sua carga de trabalho e para traduzir nas partituras as idéias que ele – o maestro – tinha em mente.
Muitos arranjadores, mais cedo ou mais tarde se transformariam em donos de orquestra. A lista inclui Fletcher Henderson, Don Redman, Claude Hopkins, Benny Carter, Glenn Miller, Luis Russell, Mary Lou Williams, Sy Oliver, Ray Conniff, Jerry Gray e Billy May. Outros arranjadores, caso de Van Alexander, Andy Gibson, Ed Wilcox, Jimmy Mundy, Ernie Wilkins, Edgar Sampson, Nat Pierce, Neal Hefti e Billy Strayhorn preferiram se manter como grandes anônimos exercendo o seu nobre trabalho de parceiro nos arranjos e nas composições para maestros de renome e apenas excepcionalmente conduziram as suas próprias orquestras.
Billy Strayhorn, em especial, dedicou a Duke Ellington mais de vinte e cinco anos de sua carreira de arranjador e compositor, e sua cumplicidade era tamanha que às vezes ficava difícil separar o trabalho dele e o de Ellington.
O terceiro elemento importante de uma orquestra de swing era o solista principal. Toda orquestra possuía um instrumentista diferenciado que ditava o seu estilo e servia como referência para o público. Em certas orquestras – caso de Cab Calloway, Billy Eckstine, Bob Crosby, Lucky Millinder, Noble Sissle, Ray Noble e Rudy Vallée – o solista principal não era um instrumentista, mas um cantor, “coincidentemente” eles próprios, os comandantes do grupo.

quinta-feira, 9 de julho de 2020





ESTRANHO AMANHECER
(Republicado, extraído de A MACHADINHA)
Augusto Pellegrini

Ao badalar da meia-noite ele se mira no espelho quase apagado pela luz fraca de quarenta velas que vem da lâmpada incandescente pendurada no teto do quarto, e vê seus olhos fundos e cansados, o cabelo como sempre em desalinho e a barba geralmente por fazer, a cara mal lavada.
Ele caminha pelo cômodo à procura dos seus pertences, uma pequena maleta com alguns apetrechos esparsos atirada no canto da cama e um pequeno crucifixo de metal escurecido que jaz sobre a mesa ao lado de uma bacia com água.
Faz frio. Ele veste uma camisa de flanela xadrez por sobre a camiseta de um branco encardido e coloca por cima da camisa um casaco já bastante usado, enfia o boné na cabeça, apanha a maleta e sai pela porta escura de madeira envelhecida portando no rosto uma expressão dura e embrutecida e os olhos opacos dos desajustados. Tranca a porta com uma chave que traz presa a uma argola e a enfia no bolso lateral do casaco junto com o crucifixo.
A noite está terrivelmente feia, uma dessas noites propícias para crimes sem testemunhas.
Ele caminha lentamente pela rua como se procurasse algo, levanta a gola do casaco para suportar a navalha de vento que lhe rasga a nuca e vê a própria sombra na calçada, ora se alongando, ora dele se aproximando a cada poste alcançado, na sua luz amarela com jeito de lamparina.
O chão de pedras brilha umedecido pela neblina espessa e a sua mente é um torvelinho confuso, a mão apertando com força o crucifixo e a chave como se fossem dois talismãs.

-0-0-0-

Antes do alvorecer, ouvem-se passos descompassados como um coração em sobressalto. Os passos vêm das ruas mal calçadas do outro lado da cidade e a esta altura alcançam o chão pavimentado com pedras, onde algum dia as carruagens deixaram a sua marca tão forte que até hoje sente-se nos ouvidos o poc-potoc das patas dos cavalos.
Ele cambaleia levemente devido a algum passo em falso, se recompõe, passa pelo chafariz sem vida e olha para o alto onde uma janela teimosamente acesa começa a formar um quadro com o escuro do céu já não tão negro, emprestando devagar as cores do alvorecer. Depois, passa pelos becos onde latas de lixo se confundem com insetos e ratos que não dormem.
Penosamente o caminhante alcança o prédio onde mora, abre a porta pesada que geme nas dobradiças e sobe lentamente um lance de escadas cuja madeira range pelo peso do tempo.
Entra enfim no seu aposento singular, exausto como um sodado batendo em retirada, trêmulo como um assassino compulsivo, arfante como quem cumpriu penosamente com o seu dever.
Joga a valise e o boné num canto, tira o casaco e mostra uma camiseta encardida e manchada se sangue. Há um rasto escarlate também no seu rosto suado, tisnando a barba malfeita.
Senta-se pesadamente ao pé da cama e olha para o chão em direção às botinas enlameadas, depois ergue os olhos e se depara com a bacia de ferro esmaltado cheia de água onde vai lavar os seus pecados.
Está farto das madrugadas sombrias e do cheiro da morte.
Está farto de tanto sangue, do gemido surdo, da faca afiada, do rasgar de ventres e da machadinha a dilacerar ossos, está farto da sua sina.  
Ainda pela manhã ele vai ao escritório do frigorífico no qual trabalha para pedir demissão do serviço penoso que faz há anos como magarefe no matadouro da cidade, todas as noites decepando membros, sangrando e esfolando bois.


quarta-feira, 8 de julho de 2020





O FIO DA MEADA
(Augusto Pellegrini)

Fico pensando, em meu canto
Que o mundo não vale nada
Você fala, faz e acontece
Pra sair de uma enrascada
E vai levar a vida inteira
Pra achar o fio da meada

Fim, começo, tanto faz
Eu quero uma ponta-guia
Que me ajude na procura
De uma boa companhia
Que me traga encanto e paz
Vinho, amor e simpatia

Penso que achei, mas não acho
Pois a pista é sempre falsa
Parece que é uma ponta
Aquilo que a gente encontra
Mas é só uma parte solta
Bem no meio da enrolada

E tudo isso se sucede
Mesmo tomando cuidado
Os caminhos que aparecem
Desviam pra todo lado
E via de regra acontece
De apontar pro lado errado

Pra achar a ponta do fio
É preciso ter paciência
Mas na maioria das vezes
O acaso não tem clemência
E zomba da nossa lida
Com a maior indiferença

E, por procurar ao léu
Desisto desta empreitada
Pra recomeçar a vida
Busco um outro carretel
Que já tenha definido
O início da caminhada

Não se trata aqui, no caso
De achar o fio da meada,
Tentando reencontrar
Um pensamento perdido
Que terminou confundido
Por quem não entende nada

O que procuro é o início
De uma meada confusa
Não tem nada figurado
E quando for encontrado
Espero que me conduza
Ao caminho desejado

Isto não é só figurado
É realmente o começo
De uma busca extremada
Pra seguir a minha estrada
Fio da meada eu desprezo
Eu quero o fim da meada

2018





AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 3 – A MAGIA DO SWING

Mas afinal, qual a magia do swing e quais são as causas do seu sucesso?
Se analisado dentro do aspecto puramente social e antropomórfico, o swing tem como referência a Depressão nos Estados Unidos, do mesmo modo que o culto do jovem pela rebeldia trouxe à luz o rock and roll nos anos 1950 e 1960, a curtição inconseqüente e o niilismo motivariam a discoteque e a música dos anos 1970, o ressentimento social traria como conseqüência o heavy rock dos anos 1980 e o escapismo produziria o extreme metal (death, punk, stoner) do final do século vinte.
Mas a explicação para a existência do swing vai além disso.
Na verdade, é difícil definir o que venha a ser swing, mas morfologicamente, considerando que o próprio termo significa balanço ou pulsação, podemos chegar à conclusão de que se trata de um ritmo contagiante com base num compasso mais maleável e mais gingado do que aqueles observados no jazz tradicional ou na música de orquestra convencional, que eram as referências americanas da época. Este movimento dançante contínuo, conhecido como “jive”, se manifesta através de uma multiplicação de sons obtidos por meio das intervenções dos naipes de instrumentos vocalizados, conhecidas como “riffs”.
O swing foi o primeiro estilo musical que falou diretamente ao coração humano coletivo, fazendo a alma rir, e gerando no corpo uma necessidade incontrolável de se movimentar e de manifestar a sua emoção sem depender exclusivamente do ritmo ditado.
Alguns dirão que as danças folclóricas provocam a mesma reação, e que o próprio jazz tradicional também provoca uma ação cinestésica que se manifesta com palmas e com a marcação do ritmo com os pés. Mas, ao contrário destas referências, o swing convida os casais a dançarem livremente, como se quisessem voar, cada qual se expressando como convém à sua própria vontade.
O swing faz um enlace entre a emoção e uma sensação puramente material, pois ao invés de ser simplesmente um veículo que auxilia na dança de salão ou de apenas possuir um efeito contemplativo como outros estilos de jazz, ele provoca uma manifestação predominantemente física através dos acordes, do ritmo e do movimento.
O swing possui uma cadência terrivelmente excitante e sugere uma aceleração no ritmo – o que na verdade não acontece – contendo na sua essência todas as boas influências musicais descobertas pelos pioneiros da Louisiana, às quais foi acrescentado um brilho cintilante.
O swing é uma música que reúne o balanço sincopado do ragtime, a harmonia dolente do blues, a força percussiva do stomp e a melodiosidade das grandes orquestras, e tem o efeito de uma injeção de adrenalina na veia. O swing é uma fusão musical que abriga sob o mesmo manto a intuição do negro escravo, o misticismo da música religiosa, a interpretação irriquieta dos pianistas dos barrelhouses e dos cabarés mal afamados, a irreverência dos músicos de Nova Orleans, a organização das bandas militares e a suntuosidade das orquestrações europeias.
Além disso, o swing possui uma referência histórica, pois marca a introdução maciça dos vários tipos de saxofone na música de jazz de modo que todos eles pudessem ser soprados ao mesmo tempo. Com isso, houve uma mudança radical no line-up do jazz, já que as formações de dixieland geralmente utilizavam clarinete, trompete e trombone na linha de frente e via-de-regra ignoravam o saxofone. O swing não apenas adotou o saxofone, como adotou todos seus tipos de uma só vez!
O swing também concorreu para que o violão ou guitarra tivesse maior destaque em termos de harmonia, introduziu modulações nos arranjos orquestrais e tornou possível uma música de som mais aberto e generoso, e de timbre variado, sem jamais perder a característica do jazz como seu elemento base.
Assim como os pop-stars de hoje, muitos músicos de swing eram venerados tanto quanto os principais astros de Hollywood. Suas fotografias e algumas indiscrições sobre as suas vidas particulares eram estampadas nas páginas dos jornais e revistas, cuja leitura fazia a cabeça de muitos aspirantes que sonhavam com um futuro parecido, e levava ao delírio muitos fãs que acompanhavam as aventuras e as desventuras dos seus artistas preferidos.
Guardadas as devidas proporções, pode-se perfeitamente comparar o comportamento irrequieto das gerações que surgiram com o rock-a-billy até o evento Woodstock – e das subsequentes correntes de vanguarda – ao comportamento não conformista dos jovens americanos dos afamados anos 1920 e 1930, juventude conhecida como “flaming youth”, composta de swingers e bad boys, todos à procura de emoções fortes e de alguma futilidade, mas também de uma música excitante para descarregar a adrenalina concentrada há décadas por conta de uma educação rígida e patriarcal.
Adicionalmente, além de mexer com o comportamento social, o swing trouxe também uma alteração no comportamento das orquestras.
Com a sua chegada, o papel do líder do grupo mudou radicalmente. A postura de alguns maestros da escola antiga, como Paul Whiteman e Paul Ash, que se colocavam à frente da orquestra movimentando a baqueta como se estivessem regendo uma orquestra sinfônica, foi substituída paulatinamente por bandleaders que também tocavam instrumentos e, como tal, se limitavam a alguns gestos quando queriam indicar algum acidente musical, como alterações no andamento e na tonalidade da música, ou marcar a entrada dos naipes de instrumentos ou a alternância dos solistas. Bandleaders como Duke Ellington, Benny Goodman, Glenn Miller, Tommy Dorsey, Artie Shaw e Harry James variavam sucessivamente o seu papel entre orientar a orquestra e tocar os seus respectivos instrumentos.
Da mesma forma, músicos que simplesmente faziam parte do grupo nos tempos dos maestros de baqueta passaram a ter mais oportunidade de aparecer durante a apresentação, solando suas passagens e se tornando às vezes tão famosos quanto seus chefes, a ponto de também merecerem destaques nas páginas dos jornais e das revistas. Músicos como Gene Krupa, Cootie Williams, Coleman Hawkins, Lester Young, Roy Eldridge e muitos outros começaram as suas bem-sucedidas carreiras desta maneira.
As orquestras de swing eram bastante versáteis, pois ao mesmo tempo em que aqueciam a música, dando a ela um brilho e uma pulsação alegre e motivadora, elas também podiam acalmar o ambiente com baladas românticas e sentimentais, utilizando uma cadência relaxante que substituía com vantagem a valsa e outras músicas açucaradas de cunho exageradamente piegas. Se por um lado havia as eletrizantes “Opus One” (Sy Oliver e Sid Garris), “Flying Home” (Benny Goodman, Eddie DeLange e Lionel Hampton) e “Sing, Sing, Sing” (Louis Prima), do outro lado o público podia suspirar ao som de “Stardust” (Hoagy Carmichael e Mitchell Parish), “Serenade In Blue” (Mack Gordon e Harry Warren) ou “I’m Gettin’ Sentimental Over You” (Ned Washington e George Bassman) – e tudo isso podia seu ouvido todas as noites, seja nos ballrooms, nos hotéis ou nas emissoras de rádio.
Algumas orquestras – caso de Artie Shaw e posteriormente Dizzy Gillespie – foram mais além, adicionando ao molho alguns ingredientes latinos inspirados no mambo, ritmo cubano criado por Orestes López e Chachao López que invadiu Nova York em 1939 – sem, no entanto, abdicarem do jazz, presente no balanço, na sonoridade e nos riffs da música. Outras – como as do próprio Artie Shaw e também de Harry James – não abriram mão de naipes de violinos para ajudar no equilíbrio melódico e na harmonia refinada quando necessário.

segunda-feira, 6 de julho de 2020




AS CORES DO SWING
         (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 2 – O COMEÇO DE TUDO


No final da década de 1920, o jazz tradicional já havia deixado o seu berço na Louisiana e viajado em direção ao norte e centro-oeste dos Estados Unidos.
Essa viagem começara sem muito alarde cerca de vinte anos antes, com a subida dos alegres barcos a vapor ao longo do Rio Mississipi. Estas viagens fluviais eram animadas por bandas que tocavam o jazz original de Nova Orleans.
Músicos de reconhecida categoria, como King Oliver, Louis Armstrong, os irmãos Baby e Johnny Dodds, Zutty Singleton, Tommy Ladnier e Johnny St.Cyr chegaram a fazer parte das formações de um pianista de nome Fate Marable, que comandava uma das mais conhecidas orquestras fluviais, e ajudou a transportar a música do sul para outras paragens. Marable era contratado da companhia Strekfus Mississipi, responsável pelo serviço de navegação dos riverboats, que levava pessoas e mercadorias rio acima, de Nova Orleans para Saint Louis, e que mesmo sem ter tido a consciência histórica do seu trabalho, talvez tenha sido o maior divulgador do jazz no seu tempo.
Somente a partir de 1917, no entanto, com o fechamento da maioria das casas noturnas de Nova Orleans que se concentravam no bairro Storyville, por exigência da Marinha de Guerra, que considerava o clima dos cabarés lesivo à moral das tropas americanas, é que a migração do jazz em direção ao norte se consolidou como um verdadeiro êxodo.
É bem verdade que os bordéis de Storyville abrigavam na sua grande maioria apenas os pianistas de jazz, pois os músicos que tocavam instrumentos de sopro costumavam tocar em clubes ou nas ruas. Existe, portanto, um certo exagero na lenda de que o jazz se pôs na estrada exclusivamente em virtude da intervenção das Forças Armadas, embora há de se convir que historicamente foi a partir daí que a sua migração maciça realmente teve início.
É fato também que desde 1915 – ou seja, antes da propalada extinção de Storyville – muitos artistas de Nova Orleans já haviam começado a ir para o norte, notadamente Chicago, ou para a região da Califórnia. Nesse ano, a Original Dixieland Jass Band já estivera em Chicago, onde se apresentara usando o nome de Brown’s Dixieland Jass Band (o grupo iria depois para Nova York, em 1917, para tocar no famoso Reisenweber Restaurant, no Columbus Circle).
O pianista Eubie Blake já havia deixado Nova Orleans há algum tempo, e no início de 1917 o também pianista Fate Marable, aquele famoso pela sua banda de riverboats, estava praticamente radicado em Saint Louis.
Também o clarinetista Lawrence Duhé, um dos bem-sucedidos músicos da Louisiana, já havia partido para Chicago em 1916, para tocar ao lado da pianista Lil Hardin.
Assim, durante os anos 1915 a 1920, devido à chegada de tantos músicos do sul, Chicago se transformara na nova capital do jazz. Em 1920 lá se encontravam, entre outros, King Oliver, Johnny Dodds, Jimmie Noone, Honoré Dutrey, Natty Dominique, Minor “Ram” Hall e duas bandas brancas de dixieland muito conceituadas – a Original Dixieland Jass Band e a New Orleans Rhythm Kings.
Naquela época existia uma total falta de intercâmbio entre as diferentes correntes artísticas, o que fazia com que o país se dividisse em regiões musicais específicas.
O sul havia descoberto a forma revolucionária do jazz através da combinação do blues, do ragtime e da magia das bandas militares, enquanto o oeste cultivava um tipo de música voltada quase que exclusivamente para o estilo rural. O centro do país já experimentava desde as últimas décadas do século dezenove a música pianística do ragtime, cujos intérpretes utilizavam às vezes uma roupagem orquestral que incluía até o violino – ou a rabeca. O sudoeste recebia uma forte influência hispânica devido à proximidade com a fronteira mexicana (a República do Texas, que ficara independente do México em 1837, optou pela sua anexação aos Estados Unidos, o que ocorreu em 1845), e o norte-nordeste, mais elitizado, buscava uma espécie de supremacia cultural com a presença das grandes orquestras de salão com uma roupagem vinda diretamente da Europa.
Com a viagem do jazz tradicional para outros recantos, houve uma considerável troca de informações entre os diferentes estilos tocados no país. Pouco a pouco a música tocada nas mais variadas regiões do território americano foi absorvendo a alma da música proveniente do sul.
O jazz tradicional levava na sua bagagem um maravilhoso baú de novidades harmônicas que funcionaram como verdadeiros adereços festivos. Estes adereços foram aceitos e utilizados até pelos músicos mais ortodoxos, e prepararam o caminho definitivo da nova música norte-americana. O magnetismo desta nova corrente musical iria, em pouco tempo, transformar a música popular não apenas na América, mas em todo o mundo.
Todavia, esta viagem musical também fez com que as músicas cultivadas em Nova Orleans – o blues, o stomp, o new orleans style – também começassem a receber uma série de influências com respeito à sua forma de interpretação e ao seu desenvolvimento harmônico. Assim, o jazz tradicional, apesar de continuar evidenciando a essência mais pura do blues, começava a incorporar outros elementos musicais, o que tornava as fórmulas jazzísticas mais impuras, porém mais ricas e mais bem-elaboradas.
Em 1928, o pianista, compositor e cantor Jelly Roll Morton, que um ano antes havia revolucionado o stomp com uma sutileza harmônica até então desconhecida ao compor a música “The Pearls”, gravou com os seus Red Hot Peppers duas peças que começariam a modificar o aspecto orquestral da música originária da Louisiana, chamadas “Georgia Swing” e “Kansas City Stomp”.
Alguns pesquisadores atribuem a estas versões a própria origem do swing, talvez por causa do inter-relacionamento diferente entre os instrumentos, ou quem sabe pela simples menção da palavra “swing” na música alusiva à Georgia.
Morton, um dos pioneiros do jazz, havia percebido antes de muita gente a importância de um movimento inovador a partir do ragtime, e teve a coragem de mudar a estrutura da música, sendo um dos primeiros músicos conhecidos a experimentar o off-beat – uma inversão no acento percussivo – e a explorar as blue notes – notas diminuídas na linha melódica – dentro da interpretação jazzística do início do século vinte.
Ciente da sua importância, ele mandou confeccionar cartões de visita nos quais se intitulava “o inventor do jazz e da hot music”, título no qual ele realmente acreditava, embora pouca gente o tenha levado realmente a sério.
Quando Morton e outros músicos subiram o Rio Mississipi em direção a Saint Louis, e depois a Kansas City, o off-beat e as blue notes subiram junto com eles, e foram sendo espalhados pelo caminho como autênticas sementes do jazz.
Kansas City, Saint Louis e Sedalia eram cidades intensamente musicais, onde durante os primeiros anos do século vinte reinou o ragtime de Scott Joplin, James Scott e Tom Turpin.
A passagem do jazz por Kansas City, porém, modificou a estrutura do ragtime, dando lugar a uma música orquestrada que se diferenciava do som convencional existente, por introduzir um número maior de instrumentos e por produzir o som de um autêntico jazz de salão.
Devido a esta formação orquestral, alguns historiadores vêem em Kansas City o verdadeiro berço daquela música que alguns anos mais tarde se convencionaria chamar de swing.
Em 1929, Kansas City possuía algumas orquestras de primeira linha, como a do pianista Bennie Moten, a do saxofonista Andy Kirk e a chamada Blue Devils dirigida pelo contrabaixista Walter Page. Todas elas faziam um blues dançante que seria, na visão de muitos historiadores, o verdadeiro embrião do swing.
Alguns anos mais tarde, Kansas City apresentaria ao país a melhor orquestra de jazz nascida na região, comandada pelo pianista Count Basie, que tocava um swing com uma forte pegada de blues e bastante impregnado de negritude, ao contrário da maioria das orquestras do eixo Chicago-Nova York. O estilo de Basie se tornou tão marcante que acabou recebendo o nome específico de “jazz kansas city style”, ou simplesmente “kansas city”.
Outros críticos sustentam que a denominação “swing teria nascido em Nova York com a orquestra de Duke Ellington, a partir da sua música “It Don’t Mean A Thing (If It Ain’t Got That Swing)”, que era baseada em um extraordinário naipe de saxofones composto por Johnny Hodges, Barney Bigard, Harry Carney e Otto Hardwicke.
Mesmo sendo a palavra “swing” já utilizada por Jelly Roll Morton, foi Ellington quem lhe deu a exata conotação do estilo de música que então se forjava, daí estabelecendo uma espécie de marco inicial.
Ellington com certeza não tinha a intenção de criar um rótulo, mas “It Don’t Mean A Thing” fugia da linha “jazz sinfônico” ou do “jungle beat” típicos da sua orquestra, e se transformou num clássico dançante, emoldurando as noites do Cotton Club, no coração do Harlem. A música serviu na época para projetar a sua orquestra para além do convencional.
Ellington, no entanto, não se preocupava muito com isso. Na verdade, ele chegaria a declarar alguns anos depois, quando o swing se consolidava como uma música das multidões, que “jazz é música, swing é negócio”.
A febre do swing tomava conta de Nova York e se ramificava para Chicago, Detroit, Kansas City e outras cidades do país. Dezenas de orquestras foram surgindo, e outras já existentes começaram a adaptar o seu estilo dentro da nova característica. Os casais que participavam dos elegantes saraus dançantes exibindo seus passos de dança de uma forma comportada e vitoriana mudaram a sua postura e começaram a se esbaldar ao som mais quente da novidade.
Em 1934 a nova fórmula já estava totalmente consolidada, e o novo som orquestral mostrava a sua face através dos irmãos Tommy e Jimmy Dorsey, que entremeavam músicas românticas com o intrépido swing, contando com arranjos e adaptações de um jovem e talentoso trombonista chamado Glenn Miller. O swing adquiria consistência não apenas na sua forma dançante, mas também dentro de uma abordagem mais romântica e sentimental.
Paul Whiteman já havia desistido de jazzificar a sua música, e a Casa Loma havia mudado tantas vezes de maestro que já não fazia mais parte das paradas. No entanto, vários outros grupos continuavm firmes na estrada, como as orquestras de Fletcher Henderson, Don Redman, Cab Calloway, Chick Webb e Jimmie Lunceford.
Para a grande maioria dos biógrafos do swing, porém, a virada realmente começou a partir de 1935, quando o clarinetista Benny Goodman deu ao estilo a sua devida dimensão, alcançando uma abrangência de amplitude nacional e fazendo com que o país viesse literalmente a se curvar diante da força interpretativa da sua música.
O boom experimentado pelo swing, especialmente entre os adolescentes, teve a mesma força que o início da febre do rock and roll conferiu vinte anos depois.
Até meados dos anos 1950 o swing reinou absoluto, e mais orquestras pontificaram, lotando os salões nos quais se apresentavam, recheando com seus acordes musicais o trabalho de solistas e vocalistas de grande talento, para a borbulhante e colorida alegria de toda uma geração.