sexta-feira, 12 de junho de 2020





A VIDA TE ESPERA 
(Samba de Augusto Pellegrini e Nelson Gengo)

Olha, que a vida te espera
Corra, que o tempo já vai
Veja que o mundo já era
Faça, que nada desfaz

Troque a dor por um sorriso
Fazendo desta vida um eterno carnaval
Cada momento um aviso
Que um dia esta festa pode acabar
Peça pra Deus um amigo
Desses que nada destrói
Tente manter este abrigo
Expulse a tristeza que dói
Canta o teu canto primeiro
Ouça o que diz tua voz
Lembra do amor verdadeiro
Esqueça essa dor de ser só

Olha, que a vida te espera
Corra, que o tempo já vai
Veja que o mundo já era
Agora chegou tua vez de cantar

1979

quinta-feira, 11 de junho de 2020







O SOPRO DIVINO
(Republicado, extraído de RETALHOS E REBOTALHOS)
Augusto Pellegrini

Chove granizo na minha sala de visitas.
Janela aberta, verão a pleno, tapete de juta. As pedrinhas saltam como pulgas de cristal e se desfazem magicamente, deixando sua marca molhada sobre as tranças do tapete.
Não é noite ainda, embora ela se aproxime lenta e silenciosamente como uma lagartixa.
O tilintar da chuva sobre o telhado e sobre o vidro superior da janela e sobre as coisas todas – plantas, banco de madeira e lata de lixo – parece uma sinfonia. Tento captar algum som que me lembre o jazz e o máximo que consigo é ouvir o rufar maluco de Buddy Rich nos pratos e no chimbal.
E eu tentando dormitar nesta cama que sequer é cama, uma dessas poltronas monta-desmonta comprada à prestação em alguma loja do ramo, como dizem a propaganda e os entendidos.
Na minha letargia, sinto uma mão invisível se aproximar do meu pescoço tão devagar como se fosse regulada por um parafuso milimétrico, demorada, mas inexorável, sabendo estarem meus olhos semicerrados e minhas mãos, braços e pernas atados aos lençóis pelas cordas do sono.
Alguém já sentiu isso? Essa horrível inércia, a gente parece que está acordado, mas está hipnotizado pelo sono, a gente tem vontade de gritar e se levantar, mas “a coisa” não deixa.
Esta mão me aterroriza, não por causa da sua cor verde-clorofila, nem pelas escamas furta-cor, mas pelo anel redondo de um descorado pálido que eu sei tratar-se de um botão a ser acionado fazendo esta coisa medonha saltar como uma rã e transformar minha garganta em fios dilacerados.
Não é nada agradável esta perspectiva, este calor e este frio, este sono agitado,nem esta mão sem corpo.
Então acordo como se estivesse saindo de um vórtice, a chuva ainda caindo, Buddy Rich em êxtase e os dedos verdes se desfazendo no ar, a garganta felizmente em ordem.
O vento entoa uma cascata de notas que me remetem a John Coltrane, e eu me sinto aliviado pelo sopro divino que me livra deste pesadelo.  


quarta-feira, 10 de junho de 2020




A humanidade está em crise. 
O relacionamento interpessoal mudou nos últimos 20 anos mais do que em todo o século 20, em virtude do surgimento das novas formas de contato - e-mail, redes sociais, skype, emojis, etc - acentuou-se nos últimos 5 anos em virtude do aprimoramento destas tecnologias e da disseminação dos equipamentos por todo o mundo e para todas as faixas etárias e recrudesceu nos primeiros meses do 2020 em função da pandemia.
O uso das máscaras tem um segnificado individualizador sem precedentes. Antes, nos supermercados (por exemplo), era comum as pessoas que não se conheciam trocar gentilezas ou pequenos diálogos (que a língua inglesa chama de "small Talk") e as pessoas que se conheciam ou se reencontravam trocarem afetuosos abraços e apertos de mão, mantendo um longo e amistoso papo. Hoje, por detrás das máscaras, dos bonés e dos cabelos desgrenhados por falta de barbeiro, as pessoas se fitam furtivamente, como inimigos avaliando o movimento do outro, denotando desconfiança e medo do perigo.

segunda-feira, 8 de junho de 2020


               


ROUPÃO DE BANHO

A turba caminhava unida, coesa, gritando palavras de ordem enquanto se dirigia lentamente ao local do encontro, onde os caminhantes receberiam novas instruções e dariam prosseguimento ao plano estratégico que havia sido eleborado pela direção do movimento.
Muitos portavam bandeiras, faixas e cartazes e apenas agitavam os braços num gesto ensaiado, mas a maioria seguia calada e alguns – poucos, é verdade – traziam consigo bastões  de madeira  e canos de ferro que seriam usados oportunamente, no calor do evento, para quebrar vitrines e fachadas de banco.
Era uma cena que estava se tornando comum em diversos países do mundo, independentemente dos mais diversos motivos e tipos de reivindicações.
Apesar dos rogos da mãe e do desespero do pai, Carluccio deu-lhes as costas e foi se juntar com a turma, carregando um taco de madeira de lei dentro da mochila.  
A casa ficou para trás junto com o choramingo dos velhos, e tudo o que ele tinha que fazer agora era cumprir com mais esta missão.
-0-0-0-
O movimento foi ficando quente, e quando começou a ferver, Carluccio tirou o taco da mochila e começou a se movimentar em direção ao seu objetivo quando teve sua frente barrada por uma mulher que gritava coisas que ele não entendia, mas que seguramente atrapalhava o seu trabalho. A mulher, usando um lenço para cobrir a cabeça e vestindo um ridículo roupão de banho totalmente inadequado para aquele cenário, pôs-se resolutamente à sua frente para impedi-lo de prosseguir.
Ele procurou se desembaraçar a todo custo, empurrando a mulher e tentando dela se desvencilhar, mas era tudo em vão.
No auge do nervosismo e de uma forma impensada, ele manejou o taco com força na cabeça da mulher e a deixou caída, livre para prosseguir o seu caminho. Minutos depois, milhares de pedacinhos de vidro de espalhavam pela calçada iluminada pelas luzes do saguão do banco e ele se sentiu satisfeito com o dever cumprido.
-0-0-0-
Horas depois, com o movimento arrefecido, a turba se dispersou e cada qual seguiu seu rumo.
Carluccio foi pra casa e ao se aproximar notou um movimento estranho no portão, gente se aglomerando e uma ambulância parada ao meio-fio.
Alarmado, perguntou para uma vizinha, primeira pessoa que achou pela frente – “o que está acontecendo na minha casa”?
A vizinha explicou que depois que ele saira, seu velho pai sentiu-se mal e desfaleceu. Um vizinho médico foi chamado às pressas, disse que o caso era grave e chamou uma ambulância, mas a ambulância demorou a chegar por causa de alguma confusão que estava acontecendo nas ruas do centro.
“Sua mãe ficou tão nervosa que colocou o primeiro agasalho que encontrou à mão – um roupão de banho – e foi à sua procura para que viesse ajudar com o problema do seu pai...”, prosseguiu ela.


domingo, 7 de junho de 2020







SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 26/01/2018
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís - Ma

BAIXADA - INSTRUMENTAL
MHARIO LINCOLN E CHIQUINHO FRANÇA

Com uma proposta que traz uma fusão de estilos dentro da linha do jazz contemporâneo, e trabalhando nas vertentes do blues e do pop sinfônico com profundas incursões na música erudita para desaguar nos tambores de São Luís, o poeta, escritor, jornalista, músico e compositor Mhario Lincoln apresenta algumas das suas obras em primeira mão - o CD "Baixada" que ainda não foi lançado no Maranhão, o que acontecerá este ano. Para a execução do projeto, o autor das músicas contou com a presença, os arranjos e a participação do guitarrista e compositor Chiquinho França, que dá à música de Mhario Lincoln uma sonoridade toda especial. O repertório conta com sete músicas inéditas de Mhario Lincoln e três de Chiquinho França que já haviam sido lançadas anteriormente. Entre as músicas, "Bisaflor", uma comovente homenagem de Lincoln à sua mãe, a conhecida colunista Flor de Lys, falecida em 2011, a expressiva "Baixada", música que dá seu nome ao CD, e a já consagrada "Fissura", de Chiquinho França.

 Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini
                                                                                                                                    






INCOERÊNCIA

Quando acordado finjo estar dormindo
Pois me enclausuro e fico desligado
Faço de conta que não vejo as coisas
Finjo de morto pra não ser notado

Evito desta forma desconfortos
Que infelizmente esta vida nos traz
Ficando alheio a tudo o que me cerca
Fechando os olhos pra encontrar a paz

Quando estou sóbrio só cometo asneiras
Tropeço ideias e sou inconveniente
Só quando o vinho esquenta as minhas veias
Eu me transformo em cidadão decente

Quando eu me irrito, me abro em sorrisos
Mas o desejo cresce lentamente
De por a mão no pescoço do outro
Para apertá-lo como um torniquete

Louco não sou, apenas transpareço
Viés que me foi dado um dia por direito
Para que eu me defendesse de outros loucos
Sobrevivendo do meu próprio jeito

Janeiro 2011