O JANTAR
(excerto)
Duas
lágrimas, uma de cada olho.
Só
aquilo me deu vontade de mandar o diabo para o diabo.
Duas
lágrimas são duas lágrimas, ainda mais com a mão servindo de anteparo para que
eu não veja os olhos vermelhos e o rosto convulso com vontade de morder.
E
as nossas mãos se apertando, em mudo desespero.
Ao
fundo, Nat “King” Cole está cantando aquelas melodias de alguns anos atrás, de
alguns séculos atrás, o que me faz sentir neste momento um pré-histórico da
pré-história, a mente funcionando sem funcionar, um remoinho de ideias – “Por
que? Por que?” – duas lágrimas, dois rios, um desabafo e as nossas mãos se
apertando em mudo desespero.
Além
do vidro da janela imensa, os edifícios frios, a paisagem fria e a noite fria.
Sobre a mesa, uma cerveja fria com copos mortos e a espuma seca, a música fria
e duas lágrimas quentes.
Até
as paredes sabem. As paredes sabem das lágrimas e das mãos, e agora o beijo,
furtivo e único.