sábado, 29 de dezembro de 2018






A MINHA RUA
(Augusto Pellegrini)

Minha rua tem belezas que as outras ruas não têm
As pessoas que aqui moram se conhecem muito bem
O calçamento é de pedra, com seus vãos cheios de grama
Pois ela é vedada aos carros, preservando o panorama

Na rua, as crianças brincam de brincadeiras antigas
E os idosos se distraem com conversas sempre amigas
Lá vêm os entregadores de jornal, também os carteiros
E nas tardes de verão aparece o sorveteiro

A paz sempre está presente, tudo no mais fino trato
Vizinhos se cumprimentam e os cães brincam com os gatos
As borboletas coriscam, vovó chega do mercado
E passa pelo jardim coberto de alcatifado

Parece que nesta rua sempre brilha o sol, alegre
O céu está sempre azul, tisnado de nuvens breves
Arrulham os passarinhos e a brisa vem do leste
E o homem do realejo traz a sorte em seus bilhetes

Foi uma rua companheira, com seu ar franco e risonho
E retrata a minha infância – hoje não passa de um sonho
Os mais velhos já se foram, as casas foram vendidas
E um comércio muito intenso fez da rua uma avenida

O calçamento é moderno, coberto de macadame
O que era bom já passou, hoje é apenas triste e infame
Passarinhos, borboletas, vizinhos em paz com os outros
É uma imagem superada, agora é só desconforto

A rua tinha belezas que nenhuma outra tinha
Tinha o velho bilheteiro, tinha flores e andorinhas
Tinha crianças brincando, tinha a tia na janela
Hoje só nos traz lembrança de um passado em torno dela

A saudade dessa rua mora na minha consciência
Eu dela jamais me afasto, quer por amor ou prudência
Bons tempos foram aqueles, quando a vida era inocência
Bem diferente de hoje, com mau humor e inclemência

Dezembro 2018


terça-feira, 25 de dezembro de 2018






NOVOCABULÁRIO INGLÊS
(Copyright MacMillan)

(ver tradução após o texto)

IRRITAINMENT

We all know those TV programmes which we can’t quite resist tuning into each week, even if we know they are annoying. What about last night’s reality TV show? It was rubbish, but we were all talking about it at lunch today. These compulsive programmes are irritating but somehow they entertain us – that’s IRRITAINMENT.   

“IRRITAINMENT: entertainment and media spectacles that are annoying but you find yourself unable to stop watching them”.  
(Marshall Democrat News. 2nd June 2005)

TRADUÇÃO

Todos nós conhecemos esses programas de TV que nós não conseguimos deixar de assistir toda semana mesmo sabendo que eles são muito chatos, como por exemplo o “reality show” da noite passada. Foi uma porcaria, mas as pessoas estavam falando sobre ele hoje na hora do almoço. Estes programas compulsivos são irritantes, mas de alguma forma eles não deixam se ser um entretenimento (entertainment). Isto é “irritainment”.
  
“IRRITAINMENT: Espetáculos de entretenimento que são irritantes, mas que você não consegue deixar de ver”.

domingo, 23 de dezembro de 2018





UMA AVENTURA DE NATAL
(excerto)

Nem bem tinha fechado os olhos quando o relógio o despertou.
Dez e meia da noite.
O sono lhe fora pesado e curto.
Os dias de tensão, as noites de vigília, a semana inteira ordenando as ideias, cigarro após cigarro pensando na noite de Natal, na importância da noite de Natal, no presente de Papai Noel.
Pensou em ficar ainda mais um pouco deitado, dormitando, bem agora que o corpo havia encontrado a posição ideal, nenhum mosquito pra incomodar, aquela preguiça, aquela lassidão.
Mas não podia, queria mas não podia, o dever gritava nos seus ouvidos – hoje é noite de Papai Noel!
Ergueu-se como uma mola.
Se continuasse deitado iria dormir de novo, iria perder a hora e então, adeus sonho, adeus Papai Noel.
No canto, amarfanhada, a roupa vermelha e a ridícula barba branca.
Dentro da cabeça a expectativa crescendo, tremendo, fremindo, nesta noite de pura emoção. Outro cigarro aceso.
Lá fora, a grande noite, o céu estrelado, o vento brando, alguns foguetes espocando aqui e ali, prenúncio de uma grande noite de Natal.
Aqui, a túnica vermelha com alguns fios esgarçados pelo uso, os apliques brancos, a bota preta precisando de uma demão de graxa. No canto, dependurada num prego na parede, a barba branca continuava sorrindo aquele sorriso sem boca, aquele sorriso de Papai Noel.
Aos quarenta e dois anos, mais do que nunca, ele acreditava em Papai Noel. E nunca Papai Noel lhe fora tão importante, nunca marcara sua vida com tanta tinta como nesta noite de Natal, como uma pintura impressionista.
Olhou as horas e analisou o conteúdo do saco. Tudo certo.
Lá fora um cachorro late, e surge um som ruidoso de canções de Natal com harpa paraguaia, meio fora de moda, gosto duvidoso.
Onze e trinta e cinco. Está na hora de sair.
Puxa o saco não tão pesado para os ombros, levanta os olhos para o teto como se mirasse a abóboda da Capela Sistina, pedindo aos céus que esta noite fosse, de fato, a noite mais feliz da sua existência.
Aproxima-se da porta.
Então, o vendaval.
A porta se abre para dentro com um estrondo, o mundo desabando sobre a sua cabeça, as estrelas da Sistina dançando ao seu redor, homens gritando, armas, mãos para o alto, “quieto, se não quiser morrer!”
Papai Noel com as mãos na parede, somente agora ele notou que tinha se esquecido de calçar as luvas, os olhos esbugalhados, o suor escorrendo por dentro da barba, o rim doendo pela pancada da coronha bem manejada, no rosto o ríctus doloroso.
“Tá preso, assaltante safado!”
O plano havia sido descoberto.
No chão, o saco revirado mostra algumas ferramentas, algumas folhas de jornais velhos, uma pistola trinta e oito, dois rolos de esparadrapo, uma bomba caseira de má fabricação e seu amuleto da sorte, uma ferradura de verdade com uma fita vermelha amarrada num dos furos.
O cachorro ainda late, mas agora se ouve o Messias de Haendel.
Batem as badaladas da meia-noite na noite de Natal.
Na esquina, próxima ao edifício de um banco imponente, todo revestido de mármore preto, um rapaz está encostado ao poste. Ajeita o boné para frente e enfia a mão no bolso, nervosamente. Olha para os lados atentamente, como um gato.
A uns cem metros, ao lado de uma placa de estacionamento proibido, junto ao meio-fio pintado de amarelo, dentro de um carro escuro, dois homens se questionam – “não está na hora? – e fumam impacientes, a fumaça toldando o espelho retrovisor.
Em frente ao banco passa vagarosamente um outro rapaz, disfarçando alguma coisa, olhando para os lados, ansioso. Consulta o relógio sob a luz do poste, os sinos batendo e os ponteiros se encontrando.
Todos estão esperando por Papai Noel.
Ao longe, os sinos continuam repicando, se confundindo com o som da sirene que se aproxima.