sábado, 11 de março de 2017




UMA PEQUENA HISTÓRIA BÍBLICA

Efraim era o criado favorito de um bem sucedido negociante chamado Salatiel, que morava numa aldeia próxima ao Monte Ebal, ao norte de Nablus, um dos centros principais do Reino de Jerusalém. Ele se tornara o criado favorito por ter sempre agido com ética e retidão, exercendo o seu trabalho com zelo e respeito, qualidades dedicadas às funções que lhe eram atribuídas.
Cumpria fielmente seus deveres de empregado, tanto ao cuidar do rebanho de cabras quanto ao zelar pelas videiras. 
Salatiel era um homem muito rico e muito justo, e buscava tratar todas as pessoas com as quais convivia – criados, parentes, clientes e outros comerciantes – com muito respeito e consideração.
Certo dia, Salatiel chamou Efraim e lhe confiou o seu cofre, pois iria se ausentar por algumas semanas e queria ter certeza de que seu patrimônio estaria bem cuidado.
Efraim garantiu ao patrão que zelaria pelo tesouro como se zelasse pela própria vida, e Salatiel partiu confiante em que faria bons negócios nas cidades para onde estava indo e que o seu dinheiro estava em boas mãos.
Na verdade, Salatiel havia escondido a maior parte da sua fortuna numa caverna onde só ele conhecia a localização. Deixara com Efraim apenas um cofre contendo 100 moedas de ouro e muitas pedras como lastro, e o que fazia de fato era apenas um teste de fidelidade, pois realmente não havia a menor necessidade de que um criado tivesse que guardar o seu tesouro.
Por ser o favorito do comerciante, Efraim era constante objeto da inveja do restante da criadagem, e assim que o patrão desapareceu no horizonte, Azarias, que mantinha uma certa liderança sobre os outros criados, maquinou uma história para deslustrar a imagem do favorito aos olhos de Salatiel e se colocar no lugar dele.
Mesmo sem saber o valor contido no cofre, ele resolveu denunciar ao patrão quando da sua volta que Efraim havia aberto o cofre e surrupiado algumas moedas.
Assim resolveu e assim o fez.
Quando Salatiel voltou, foi informado por Azarias e pelos outros criados que Efraim havia traído a sua confiança, aberto o cofre e roubado algumas moedas. E os outros criados foram além, dizendo ao chefe que da próxima vez em que ele se ausentasse, era em Azarias que Salatiel devia confiar, pois Efraim não se mostrara digno de tal confiança.
Desgostoso com o problema, pois depositava inteira confiança em Efraim, Salatiel decidiu averiguar. Primeiro, abriu o cofre e contou as moedas. Ficou satisfeito com o que viu e sentiu um grande alívio por saber que seu julgamento sobre Efraim era justo e correto. O cofre continha as exatas 100 moedas de ouro.
Ao mesmo tempo Salatiel ficou triste por saber que a sua casa abrigava víboras como Azarias e pensou na melhor maneira de puni-lo.
Como não era um homem violento e como, na verdade, seu patrimônio não havia sido lesado, Salatiel decidiu que faria apenas um breve discurso e levaria Azarias à execração junto à comunidade.
Reuniu a criadagem, relatou o fato e declarou que sob o seu teto só poderiam ficar aqueles que tivessem a alma pura e bons propósitos. Acusações infundadas e a disseminação da discórdia entre irmãos eram atos do demônio e isto não poderia ser tolerado.
Finalizou dizendo: “Quem inventa maldades a respeito do seu próximo, denunciando que ele esteja fazendo mal feitos, demonstra um caráter mesquinho. Quem espalha notícias sem comprovação da sua veracidade é porque tem na sua mente a mesma sujeira que perpetrou para incriminar um inocente. Nunca acreditei que Efraim fosse capaz de me trair ou de agir com improbidade, mas agora passo a acreditar que, no seu lugar Azarias teria agido sem retidão, pois sua cabeça é capaz de conceber tal vilania. Que este exemplo sirva de lição a todos os que, por motivo de inveja, procuram se elevar em detrimento de outros. Agindo com nobreza e dignidade, todos terão a sua vez, mas usando a língua viperina e atitudes escusas estarão se afastando da credibilidade e de Deus”.

31.12.2013

sexta-feira, 10 de março de 2017




LAMENTÁVEL


O futebol do Rio de Janeiro tenta sobreviver num estado onde as mazelas se acumulam, tornando cada dia mais difícil a vida dos cidadãos e das instituições.
Como diz o ditado popular, muito faz quem não atrapalha, mas este bom senso parece passar ao largo das considerações do Ministério Público Estadual, que aparentemente sem outras preocupações mais sérias resolveu interferir nos jogos finais da Taça Guanabara, “em nome da segurança”, no que, aliás, é imitado pelos seus congêneres de outros estados.
Eu me pergunto que segurança é essa que permite a existência de um estado criminoso paralelo que, entre outras coisas, se acha no direito de proibir pessoas de adentrar certas áreas e até de matá-las quando assim o decidem.
O Ministério Público e a Segurança Pública melhor fariam se se dedicassem ao problema da criminalidade que assola um estado já assolado por uma administração bandida que desvia o dinheiro público para a sua farra particular, deixando funcionários e instituições à mercê do Deus querer.
Mas o Ministério Público prefere “garantir a integridade do torcedor” ao exigir torcida única nos clássicos, ou pior ainda, ao exigir clássicos realizados com os portões fechados.
Esta implicância com o futebol é incompreensível numa terra onde a bandidagem corre solta lá no morro e aqui no asfalto, como diria um sambista das antigas.
Se o problema for apenas mostrar serviço, é muito mais fácil controlar 30 mil pessoas dentro ou nos arredores dos estádios num domingo à tarde do que milhões de pessoas espalhadas pelos diversos pontos da cidade em uma semana de Carnaval.
Uma briga de torcedores é prontamente divulgada pela televisão e será objeto de intenso noticiário nas páginas dos jornais dos dias seguintes, mas as centenas de ocorrências nos dias de folia passam batidas, o que deve levar o Ministério Público a tratar o futebol estrategicamente como uma guerra e deixar o Carnaval para o reino da fantasia.    
Estupidamente, eles fingem não entender que os clubes precisam dos torcedores para que o entretenimento esportivo seja um sucesso e para que os patrocinadores sintam que estão colocando o seu dinheiro numa mercadoria que vale a pena.
Os clubes têm que arcar com despesas altíssimas com a manutenção de um plantel cujos salários estão muito acima dos que são pagos em qualquer outro tipo de empresa, além dos custos com os centros de treinamento, departamento médico, viagens e concentrações.
A falta de um palco adequado para a realização dos jogos mais importantes já é um problema, porque o Estádio do Maracanã, uma espécie de herança sem dono, ainda não tem condições de abrigar jogos devido a irregularidades encontradas.
O único clube no Rio que tem um estádio à altura é o Botafogo, que herdou o Engenhão – hoje Estádio Nilton Santos – do espólio dos Jogos Pan-Americanos de 2007. O estádio pode abrigar cerca de 47 mil pessoas e fica relativamente perto do centro do Rio, algo como 13 km.
Com a impossibilidade de uso do Engenhão, que exige a autorização do Botafogo, resta encarar 125 km até Volta Redonda e jogar no Estádio Raulino de Oliveira onde cabem 18 mil. As eternas desavenças entre os clubes, em especial o Flamengo, com o Vasco da Gama impedem a utilização do vetusto Estádio de São Januário, construído em 1927, onde poderiam se acomodar mais de 20 mil torcedores.           
Mas não é só de Ministério Público que vive a insanidade do futebol brasileiro.
O técnico da seleção, Aldenor Norberto Bachi, que todos conhecem por Tite, tem por exigência profissional a tarefa de assistir a diversos jogos entre os grandes clubes do Brasil a fim de observar jogadores e manter um arquivo de selecionáveis.
O senhor Bachi foi flagrado assistindo ao jogo Corinthians x Santos na arena Corinthians, no camarote do Corinthians, festejando alegremente o gol corintiano como um torcedor comum.
Mas ele não é um torcedor comum e assim procedendo quebra um protocolo, rasga a liturgia e perde a credibilidade com os torcedores dos outros clubes.
Lamentável.
    


(Artigo publicado no caderno de esportes do jornal O Imparcial de 10/03/2017)


quinta-feira, 9 de março de 2017




IN VINO VERITAS


Em cada taça uma frase se esconde
Em cada copo um pensamento se cria
Em cada brinde o calor se expande
Em cada gesto a alegria se estende
Em cada gole a alma a Deus se rende
Enquanto a taça lentamente se esvazia

O vinho é vida – vino vita est
E toda existência está contida numa taça
O vinho é a verdade – in vino veritas
E toda sinceridade se despeja da garrafa

O vinho, seja rubro como a paixão
Rosado como a beleza
Branco como a pureza
Encorpado como o sangue
Delicado como um perfume
Divertido como uma pândega
Ou rascante como a força da vida
É sinônimo de prazer, elegância e companheirismo

Por isso ergamos nossas traças e nossos vivas
Num brinde à vida, à emoção e à alegria
E bebemos à nossa saúde




SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 03/06/2016
RADIO UNIVERSIDADE FM 106,9 Mhz
São Luís-MA

CHARLIE PARKER - THE BEST OF THE BIRD

Charlie Parker foi um dos principais músicos de jazz da história, criador de uma linguagem inovadora que colocou o sax-alto em lugar de destaque dentro do estilo. Até a sua chegada era o sax-tenor que reinava absoluto no sopro de Coleman Hawkins, Lester Young e Bud Freeman e, apesar de alguns grandes nomes que já executavam o alto, foi necessária a chegada de Parker para realmente revolucionar a presença do instrumento. Sua passagem pela música foi rápida - morreu aos 35 anos - mas definitiva para marcar o seu nome entre os maiores nomes do jazz de todos os tempos. A maioria das gravações de Parker são um produto oriundo de gravações originais analógicas, nas quais a qualidade sonora deixa às vezes a desejar, mas o seu sopro faz a diferença. No programa desta sexta serão apresentadas algumas gravações antológicas de Parker, como "Koko", "Cheryl" e "Be Bop", e outras mostrando o seu "lado B", como "Carvin' The Bird" e "The Gipsy", variando entre baladas românticas e um eletrizante bebop.     


Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

quarta-feira, 8 de março de 2017





SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 03/07/2015
RADIO UNIVERSIDADE FM 106,9 Mhz
São Luís-MA

KIRK WHALUM - THE GOSPEL ACCORDING TO JAZZ - CHAPTER IV

A música gospel é uma das raízes do jazz, fazendo parte de uma receita fantástica que inclui outros ingredientes como as canções de trabalho, as marchas militares, a música de salão europeia e o ragtime, tudo misturado com o forte tempero do blues. Esta iguaria tem uma nova versão, apresentada pelo "chef" Kirk Whalum, um reverenciado compositor e saxofonista de smooth jazz, pop e R&B que presta a sua homenagem ao jazz discorrendo por uma das suas variantes mais poderosas no campo da black music - o soul. O Sexta Jazz desta semana vai mostrar uma leitura do jazz através de uma ótica negra e religiosa, remontando a ideia dos alegres cultos gospel com a adição de elementos pop, incluindo desde clássicos da leitura bíblica como "Beauty in Strenght, Strenght in Weakness" e "This is the Day" até sucessos profanos como "Let 'em In", composta por Paul McCarney para exaltar a congregação de negros, convidando-os a entrar por uma porta especial.  Muito som e muito balanço.  
 

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

terça-feira, 7 de março de 2017




SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 03/04/2015
RADIO UNIVERSIDADE FM 106,9 Mhz
São Luís - MA

THE MODERN TOUCH - BENNY GOLSON SEXTET

No final dos anos 1950 o hard bop estava no seu melhor momento. Vindo na sequência do bebop, e portando guardando muitas das suas características, o hard bop é, apesar do nome, menos hard do que o bebop e caracterizou um tipo de jazz executado na Costa Leste dos Estados Unidos, sendo por isso também conhecido como East Coast Jazz, em contraposição ao jazz tocado na Califórnia, chamado West Coast Jazz, com o qual também guarda certas similitudes. O programa desta sexta mostra uma gravação de 1957 trazendo um  sexteto liderado pelo saxofonista Benny Golson que se cerca de alguns dos músicos mais representativos do movimento, ou seja, o trompetista Kenny Dorham, o trombonista J.J.Johnson, o pianista Wynton Kelly, o baixista Paul Chambers e o baterista Max Roach.


Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

segunda-feira, 6 de março de 2017




SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 02/09/2016
RADIO UNIVERSIDADE FM 106.9 Mhz
SÃO LUÍS - MA

LUIZ EÇA E TAMBA TRIO

No final dos anos 1950 o Brasil experimentou a chegada da bossa nova, que veio revolucionar o conceito de música popular, dando a ela um refinamento especial e uma harmonia absolutamente diferenciada. Isto fez com que surgissem no início dos anos 1960 alguns trios instrumentais - piano, baixo acústico e bateria - que tratavam a música brasileira com acordes e tempos jazzísticos, ao mesmo tempo em que inovavam nos arranjos. Um dos primeiros grupos que foram formados foi o Tamba Trio, com o pianista Luiz Eça, o contrabaixista e flautista Adalberto Castilho e o baterista Hélcio Milito. Os arranjos de Luiz Eça traziam uma vocalização inovadora e arrojada, além de uma seção de cordas que ajudavam no som jazzista etéreo produzido dentro de uma marcação do contrabaixo que fazia as vezes do surdo numa escola de samba. Nesta sexta o ouvinte do Sexta Jazz vai ter a oportunidade de conferir a sonoridade do trio, num programa que vai mostrar algumas das músicas que há cinquenta anos foram o "must" da bossa instrumental. 
  
Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini


domingo, 5 de março de 2017




O PORCO

“Mas então, o que a gente deve fazer para ganhar a questão?”
“O que tinha que ser feito já foi feito, Radamés. Entramos com a petição dentro do prazo, anexamos as certidões, fizemos a exposição de motivos, tudo como manda o figurino. A primeira audiência já foi realizada, já foram ouvidas as testemunhas, e o caso deve chegar agora ao seu final.”
“Mesmo assim, eu preciso ter certeza de que tudo vai dar certo, doutor...”
“Tudo está sendo encaminhado da maneira correta, Radamés. Estamos agindo de acordo com o bom senso e com as leis do Direito.”
“Mas o advogado do Vivaldo deve estar também fazendo a mesma coisa, assim a gente só tem cinqüenta por cento de chance de ganhar...”
“...nem tanto, Radamés, nem tanto...”
Radamés se pôs a pensar se este “nem tanto” se referia à capacidade do advogado do Vivaldo ou se (com uma crescente preocupação) ao percentual estimado para vencer a causa.
“Quem vai julgar o caso, dar a palavra final?”
“ O juiz já está indicado, Radamés, é o doutor Pompílio de Taques, um grande juiz, Radamés, um grande juiz!” – disse  o advogado enquanto cofiava a barba rala que se espalhava pela papada do queixo.
“É um daqueles sérios, da velha guarda?”
“Incorruptível, Radamés, incorruptível! Julga os casos com a máxima isenção e se assenta exclusivamente nos ditames do Direito Romano e na sua sapiência jurídica para tomar suas decisões, Radamés.”
Radamés não concordava com a verborragia desmedida do advogado.
“Ah, doutor, não existe ninguém incorruptível neste mundo, tudo depende do preço!”
“Você se engana, Radamés. Doutor Pompílio de Taques não se venderia nem por toda a fortuna da terra.”
“...e eu não tenho toda a fortuna da terra...” – replicou Radamés, desanimado, pensando nas taxas, autenticações e honorários cujo custo se estendia caudalosamente, como uma estrada sem fim.
“E mesmo que tivesse...” – insistiu o advogado, pensando que esta conversa não iria levar a lugar algum.    
“Mas doutor, às vezes... o senhor sabe, as pessoas acabam se deixando dobrar por outras gentilezas, pequenos presentes, alguns favorezinhos...”
“Não, meu caro Radamés, com o doutor Pompílio a coisa é outra.”
Radamés pensou um pouco e fez mais uma tentativa.
“Doutor Calixto, a gente precisa descobrir o que o juiz gosta de fazer, afinal todo mundo tem um passatempo...”
“Ah, Radamés, isso todo mundo sabe. Doutor Pompílio é doido pela vida do campo, adora um sítio que ele tem no interior, gosta de criar porquinhos e cuida deles como  se fossem animais de estimação.”
“Então, doutor, quem sabe se a gente desse um porquinho de presente pra ele...”
“Nem pensar, Radamés, nem pensar! Se dermos um porco para ele a título de presente, ele nos dará a causa como perdida sem sequer analisar o processo. O homem é incorruptível, Radamés, in-cor-rup-tí-vel!”
“Então... o jeito é esperar e torcer?”
“Esperar e torcer, Radamés, mas também apostar no nosso direito, na minha competência e no esplendor da verdade!” – disse doutor Calixto, meio agastado com a falta de confiança do seu cliente.
Acontece que Radamés não apostava um tostão furado nas razões e justificativas apresentadas no processo e tinha sérias dúvidas sobre a propalada competência do doutor, sem falar que “esplendor da verdade” mais parecia nome de fantasia carnavalesca.
Era preciso mais do que esperar e torcer. Era preciso agir, e agir rápido, senão o Vivaldo iria ganhar a causa e ainda rir na sua cara, isto sem contar as custas do processo, os honorários advocatícios, as despesas de cartório e toda a parafernália burocrática a que todos estamos sujeitos quando embalados ao sabor da lei.
Doutor Calixto fitava Radamés com uma expressão presunçosa, ainda cofiando a barba rala e pensando em como um imbecil desses, que nada entende de Direito, pode ficar questionando as sutilezas de um processo penal.
“Quer dizer, doutor, que não tem mesmo jeito de conversar com o homem?”
“Impossível, Radamés, impossível, “ – respondeu o advogado já com um tom de irritação na voz. “O jeito é aguardarmos a audiência na terça-feira para que o nosso arrazoado seja devidamente apreciado e declarado vencedor da questão” (E ponto final neste assunto! – sentenciou mudamente).
Radamés aparentemente se resignou, mas tinha dentro de si a convicção de que o arrazoado do doutor Calixto não passava de um amontoado de tolices. O velho gabola lhe havia sido indicado por um amigo como sendo um advogado com muita experiência que iria cobrar barato, em nome da amizade.”   
A justiça lhe parecia ao mesmo tempo fortuita e discriminatória, com os olhos vendados e a espada na mão, pronta para ceifar cabeças sem nenhum critério, pesando os prós e os contra de um julgamento na sua balança de dois pesos e duas medidas.
Radamés saiu do escritório do doutor Calixto extremamente preocupado com a próxima terça-feira.

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Não se falou mais no assunto até as nove da manhã da terça-feira, que oscilava entre promissora e fatídica.
No segundo andar do imponente edifício do Fórum, onde ficava a Sexta Vara, compareceram todos os implicados no intrincado imbróglio: Radamés, cheio de dúvidas, doutor Calixto, cheio de anéis, Vivaldo, cheio de certezas, e o seu advogado, cheio de arrogância e papéis.
O escrivão passou por eles sem dar a mínima importância e entrou na sala. Também passou por eles um oficial carregando documentos com a expressão grave de quem carrega uma câmara mortuária, dando passagem para o eminente e meritíssimo doutor Pompílio de Taques Abrunhosa, todo togado e com cara de poucos amigos, grunhindo um “m’dia” sem se dignar a olhar para o desprezível grupo que esperava impaciente diante da sala e também adentrou a sala de julgamento – “plam!” – batendo a porta deseducadamente.
Doutor Calixto finalmente se deu ares de mortal e começou a porejar, enxugando a testa e o queixo de barba rala com um lenço branco, como se dando um derradeiro adeus. Radamés e Vivaldo olhavam para o alto, contemplando o imponente lustre colonial a balançar timidamente, enquanto o advogado de Vivaldo olhava fixamente para o doutor Calixto com a expressão triunfante e um sorriso estranho estampado nos lábios, uma mistura assim como entre Monalisa e Vincent Price.
“Há alguma possibilidade de acordo?” – murmurou Calixto preocupado para o seu oponente.
“Não, excelência.” – retrucou secamente o outro advogado.
Doutor Calixto olhou bem dentro dos olhos do outro com um olhar de raiva, como se quisesse – e queria – atirá-lo escadaria abaixo em direção as Varas de Família onde um punhado de casais casava e outro punhado maior descasava.
“Então, vamos à luta!” – disse doutor Calixto com dignidade.
O outro não disse nada, apenas sorriu, estampando a sua superioridade.
O oficial abriu a porta e convidou todos a entrarem.
Do alto da sua importância, como um camerlengo num púlpito, o meritíssimo Pompílio de Taques leu as laudas, como de praxe, e ouviu as ponderações de ambas as partes como se estivesse ouvindo nada, com os ouvidos moucos ao palavrório e com o olhar distante para o fundo da sala para algum ponto que, dentro do ponto de vista de Radamés, sentado meio de lado, mostrava uma pintura a óleo de um cocho sob uma árvore frondosa, e alguns porquinhos se refestelando na lama.
Encerrada a fase das idas e vindas, das declarações e dos apartes, das acusações e das queixas, o meritíssimo voltou à vida, limpou a garganta com um pigarro monumental que se tornava imponente, dado o repentino silêncio reinante, e do alto do seu pedestal engoliu meio copo d’água e declarou seu veredicto.
“É decisão desta corte que o ganho de causa seja dado ao senhor Radamés Plutarco, aqui presente e representado pelo seu advogado doutor Calixto Fortes. As terras em litígio deverão ser imediatamente reintegradas ao patrimônio do senhor Radamés, ficando sem efeito o recurso impetrado pelo senhor Vivaldo Perequê, a quem caberão os custos do processo.”
Aguardou um momento e completou, alto e em bom som: “Declaro encerrada a sessão!”
Enquanto o juiz proferia a sentença, doutor Calixto cofiava a barba rala, com uma expressão radiante, olhando bem nos olhos do advogado da outra parte, que nada entendia, boquiaberto. Vivaldo também encarava o seu advogado com um olhar enfurecido, e Radamés observava candidamente os detalhes dos porquinhos a chafurdarem na lama.

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Doutor Calixto, envaidecido como um pavão, se dava ares de importância.
“Não disse a você, Radamés, não disse a você para confiar no meu trabalho?”
Enquanto Vivaldo Parequê descia as escadas desamparado, embora amparado pelo seu atônito advogado, Radamés retrucou:
“As coisas não acontecem naturalmente, doutor. A gente tem sempre que dar um empurrãozinho por fora...”
“Como assim, Radamés, empurrãozinho... como assim?”
“Bem doutor, não foi propriamente pelo seu trabalho que a gente ganhou a questão, mas pelo meu presente...”
“Presente?! Que presente, Radamés? Para quem o presente?”
“O porco, doutor Calixto, o porco...”
“O porco? Quer dizer que você deu um porco de presente, Radamés?”, argüiu ele, antecipando a resposta.
“Sim” – disse Radamés, dando os ombros com naturalidade – “de presente para o doutor Pompílio.”
“Não pode ser, Radamés, não vou acreditar que o doutor Pompílio iria se vender por um porco!”
“Eu também não iria acreditar, doutor, depois que o senhor me garantiu que ele era incorruptível...”
“E então?! Que diabo de história de presente é essa??!” – exasperou-se o advogado.
“É que eu mandei um porquinho todo cor-de-rosa pro juiz, com todo respeito, com um bilhetinho preso a uma fita amarrada no pescoço do bicho...”
“Mas...”
“...mas o bilhetinho dizia ao doutor Pompílio que o presente era da parte do Vivaldo, por recomendação do seu advogado...”