IMPRESSÕES COLHIDAS NO
INFERNO
(excerto)
Dante
se aproximou da minha porta. Veio devagar, arrastado, sem vontade.
Veio
como se estivesse partindo.
A
rigor, Dante estava sempre partindo, e “ritornare” não era verbo do seu uso
diário, exceto quando se tratava da minha casa.
Dante
dava a impressão quitinosa de um besouro, feio, frio e indeciso.
Tinha
ele algum dia chegado a chegar? Tinha ele visto uma aurora sem chuva? Tinha ele
algum dia visto o sol, tinha ele algum dia saído do fundo do seu bolso junto
com o resto de fumo moído e o feltro esparso?
Tinha
ele algum dia visto a própria imagem refletida em um espelho ou era
simplesmente um espectro como muitos, um objeto sem consistência, um fluido?
Mais
uma vez Dante se aproximou da minha porta.
Mesmo
que eu não o visse, sentiria o odor forte de maresia e ouviria o ranger de suas
dobradiças mal lubrificadas.
Veio
devagar, arrastado, sem vontade. Veio como se estivesse partindo.
Dante
– a quem o cão fiel decepou uma das mãos numa mordida de satisfação, a quem eu
volto minha atenção com o hálito fortemente digestivo.
Saiu
pela cidade cavoucando bueiros entupidos por detritos negros onde Beatriz
poderia estar escondida, esticando o pescoço para dentro de bares suspeitos
onde Bestriz poderia estar escondida, mas jamais olhou para um espelho e nele
viu seus próprios olhos emaciados onde Beatriz estava realmente escondida
diafanamente nua, mergulhada na esclerótica, fantasiando a sua visão.