A ALIENAÇÃO DA MÚSICA
BRASILEIRA
(Augusto Pellegrini)
A mudança dos
conceitos de arte sempre foi um objeto de intensa discussão acadêmica.
Ela é responsável
pelo aparecimento de novas tendências e pela criação de novas escolas, embora possa,
como fonte de experimentos, ocasionar problemas de qualidade.
A história
mostra que os conservadores sempre se mantiveram de sobreaviso contra mudanças
consideradas agressivas, e que os vanguardistas sempre buscaram impor as suas
ideias de renovação. As duas correntes, mesmo conflitantes, têm sido
responsáveis pela evolução que a música apresentou ao longo dos séculos em todo
o mundo.
A renovação bem-sucedida,
no entanto, não nasce simplesmente do nada, pois mesmo nas novidades mais extremadas
de cada nova tendência, essa tendência é baseada em elementos que já existiam na
velha escola.
Esta mudança é
dinâmica, e vale para todas as artes.
O que vale
também para todas as artes são as conceituações sobre a sua qualidade (ou falta
de) e a velha e discutível máxima de que “gosto não se discute”.
As mudanças na
forma de expressar a arte se processam de forma cíclica e inevitável, mas a história
costuma fazer uma devida depuração, de modo que o próprio tempo se encarrega de
mandar para a lixeira muitas tentativas de conspurcação a fim de reestabelecer uma
mínima qualidade artística.
Infelizmente
com a música – estou falando da música brasileira – não é bem isso o que está
acontecendo. Parece que depuração está ficando mais lenta.
O grande
culpado por esta queda de qualidade é o aumento do consumo – leia-se dinheiro
envolvido – por conta da febre mercantilista que leva produtores de shows, programadores
de rádio e músicos ávidos pelo sucesso fácil, a investirem maciçamente neste
segmento, que é produzido especialmente para que muita gente ganhe fortunas com
isso.
Há que se
entender, antes de mais nada, que a verdadeira música pode ser expressa apenas
pela melodia, pela harmonia e pelo andamento, ou seja, ritmo e letra são meros complementos
de beleza.
O sucesso popular
de uma música atual, porém, vem via de regra quando a percussão assume um volume
insuportável e quando a letra contém apenas grunhidos, exclamações, gritos e
obscenidades.
A deterioração
da música brasileira começou nos anos 1990 e a cada década vai se acentuando,
num verdadeiro atentado contra a produção celestial de Jobim, Chico, Caetano,
Caymmi, Gil, Djavan e João Bosco, apenas para citar alguns, onde música e
poesia se completam de forma inequívoca.
A eletrônica e
a computação prestaram um grande auxílio à qualidade sonora e às facilidades
para gravação, mas os técnicos e produtores exacerbaram e deram a estes
recursos um valor acima do necessário.
Por outro lado,
a dança popular e a manifestação do público durante a realização de shows há
muito deixaram de ser coisa de gente civilizada, e as grandes festas são apenas
mais um motivo para a galera se enturmar e ouvir música em volume ensurdecedor,
não importa o tipo de música que estiver tocando. Ensandecidos pelo
emburrecimento, pelo álcool e pelas drogas o público está ficando com a mente
embotada de tanto ouvir coisa ruim.
Felizmente, como
as grandes orquestras sinfônicas, o jazz convencional, a música popular
autêntica e a preservação do folclore tradicional teimam em continuar existindo,
existe também a tênue esperança de dias melhores para aqueles que ainda lutam,
mesmo que aparentemente seja contra moinhos de vento.
Eu, por
exemplo, quando faço minhas tertúlias musicais jazzistas e bossanovistas procuro
sempre incluor no repertório “standards” americanos como “Autumn Leaves”, “Night
and Day”, “The Lady is a Tramp” ou “Unforgettable”, e alguns sambas-canções da
época de Dolores Duran, Dick Farney ou Johnny Alf. O resultado tem sido
compensador, pois além de satisfazer o ouvinte exigente estou conseguindo
recuperar alguns ouvintes.
Ah, eu também
gosto do velho e bom rock and roll, com seu volume alto, e sua informalidade organizada
levada no balanço distorcido do rhythm & blues, mas este é um outro
assunto, objeto de um outro artigo.