A ALIENAÇÃO DA MÚSICA
BRASILEIRA
A mudança de conceitos
já estabelecidos, quando se fala em arte, sempre foi um objeto de intensa
discussão acadêmica.
Ela é responsável
pelo aparecimento de novas tendências e pela criação de novas escolas, embora possa,
como fonte de experimentos, ocasionar problemas de qualidade.
A história
mostra que os conservadores sempre se mantiveram de sobreaviso contra mudanças
consideradas agressivas, e que os vanguardistas sempre buscaram impor as suas
ideias de renovação, fossem elas boas ou simplesmente inaceitáveis do ponto de
vista do bom gosto. Mas as duas correntes, mesmo conflitantes, têm sido
responsáveis pela evolução que a música apresentou ao longo dos séculos em todo
o mundo.
A renovação bem-sucedida,
no entanto, não nasce simplesmente do nada, pois mesmo nas novidades mais extremadas
de cada nova tendência, essa tendência é baseada em elementos que já existiam na
velha escola.
Esta mudança é
dinâmica, e vale para todas as artes.
O que vale
também para todas as artes são as conceituações sobre a sua qualidade (ou falta
de) e a velha e discutível máxima de que “gosto não se discute”.
As mudanças na
forma de expressar a arte se processam de forma cíclica e inevitável, mas a história
costuma fazer a sua devida depuração, de modo que o próprio tempo se encarrega
de mandar para a lixeira muitas tentativas de conspurcação a fim de reestabelecer
uma mínima qualidade artística.
Infelizmente
com a música – estou falando da música brasileira – não é bem isso o que está
acontecendo. Parece que a depuração está ficando mais lenta.
O grande
culpado por esta queda de qualidade é o aumento do consumo – leia-se dinheiro
envolvido – por conta da febre mercantilista que leva produtores de shows, programadores
de rádio e músicos ávidos pelo sucesso fácil, a investirem maciçamente neste
segmento, que é produzido especialmente para que muita gente ganhe fortunas.
Há que se
entender, antes de mais nada, que a verdadeira música pode ser expressa apenas
pela melodia, pela harmonia e pelo andamento, ou seja, ritmo e letra são meros complementos
de beleza.
O sucesso popular
de uma música atual, porém, vem via de regra quando a percussão assume um volume
insuportável e quando a letra contém apenas grunhidos, exclamações, gritos e
obscenidades.
A deterioração
da música brasileira começou as poucos nos anos 1990 e a cada década vai se
acentuando, num verdadeiro atentado contra a produção celestial de Jobim,
Chico, Caetano, Caymmi, Gil, Djavan e João Bosco, apenas para citar alguns,
onde música e poesia se completam de forma inequívoca.
A eletrônica e
a computação prestaram um grande auxílio à qualidade sonora e às facilidades
para gravação, mas os técnicos e produtores exacerbaram e deram a estes
recursos um valor acima do necessário. Criou-se um monstro.
Por outro lado,
a dança popular e a manifestação do público durante a realização de shows há
muito deixaram de ser coisa de gente civilizada, e as grandes festas são apenas
mais um motivo para a galera se enturmar e ouvir música em volume ensurdecedor,
não importa o tipo de música que estiver tocando. Ensandecidos pelo
emburrecimento, pelo álcool e pelas drogas o público está ficando com a mente
embotada de tanto ouvir coisa ruim.
Felizmente, como
as grandes orquestras sinfônicas, o jazz convencional, a música popular
autêntica e a preservação do folclore tradicional teimam em continuar existindo,
existe também a tênue esperança de dias melhores para aqueles que ainda lutam,
mesmo que aparentemente seja contra moinhos de vento.
Eu, por
exemplo, quando faço minhas tertúlias musicais jazzistas e bossanovistas procuro
sempre incluir no repertório “standards” americanos como “Autumn Leaves”, “Night
and Day”, “Summertme” ou “Unforgettable”, e alguns sambas-canções da época de
Dolores Duran, Dick Farney ou Johnny Alf. O resultado tem sido compensador,
pois além de satisfazer as pessoas exigentes eu estou conseguindo recuperar
alguns ouvintes.
Ah, eu também
gosto do velho e bom rock and roll, com o seu volume alto e a sua informalidade
organizada levada no balanço distorcido do rhythm & blues, mas este é um
outro assunto, objeto de um outro artigo.
2018