ACONTECEU EM BRABADINA
(Excerto II)
Face a face, Elijah e o estranho se
sentaram a uma mesa no fundo da taverna e pediram água, conhaque e algumas
nozes para comer. “Precisamos conversar” – tinha-lhe dito o homem.
O silêncio era pesado, então Elijah se
apresentou, mais a título de iniciar um assunto qualquer.
“Muito bem, aqui estamos. Eu me chamo
Elijah Matael” – disse ele ainda intrigado com a repentina abordagem do desconhecido.
“Eu sei...” – respondeu o segundo,
placidamente, e continuou depois de uma pausa – “...eu sei que tu te chamas Elijah
Matael, e sei também que moras no Beco da Travessa com tua mãe e duas irmãs
desprovidas de beleza, que trabalhas como escriturário junto ao notário e que
tens incontáveis dívidas a saldar” – completou ele, com toda a tranquilidade.
Elijah se sentiu vulnerável.
“Eu sei de tudo” – prosseguiu o estranho.
“Eu conheço o passado e o futuro, o bem e o mal, os defeitos e as virtudes, a
vida e a morte...”
“Mas... quem é você? De onde veio?”
O homem sorriu um sorriso de
superioridade e balançou levemente a cabeça como se fosse dar uma explicação
lógica para uma criança. Depois, ficou sério e olhou fixamente nos olhos de
Matael como a serpente o faz com o pássaro indefeso.
“Tu vais ficar surpreso, Elijah Matael,
e deverias ficar muito orgulhoso, pois entre muitos mortais tu foste escolhido
para me render os teus serviços”.
O estranho fez outra pausa histriônica e
então concluiu com uma voz soturna, enquanto acariciava a enorme pedra iridescente
que lhe adornava o dedo anular – “... eu sou o Diabo, Matael. Eu vim de lugar
nenhum e estou em qualquer lugar...”
Matael emudeceu, os olhos arregalados. A
mão trêmula, que segurava a taça, fez respingar um pouco de conhaque sobre a
toalha da mesa.
Um silencio sepulcral baixou sobre a
mesa, quebrado ao longe pelo barulho de pratos sendo lavados e pelas
imprecações do cozinheiro. Um aroma de alho temperado pairava no ar.
“Eu posso torná-lo, rico, se desejar...”
continuou o Diabo, sem maiores reticências.
“Fazer-me ficar rico? E você, o que
ganharia em troca?”
“Contentar-me-ei com a tua fidelidade...”
Elijah Matael arrepiou-se, horrorizado. “A
minha alma!!! Você quer a minha alma!!!
O estranho abriu a boca numa gargalhada
sonora e metálica.
“A tua alma!!! Essa é boa! O que eu iria
fazer com esse traste...?” e deu uma larga golada na taça de conhaque.
Ficou muito sério, agarrou o interlocutor
pele braço e olhou bem dentro dos seus olhos. “Eu quero a tua fidelidade, já
disse! A tua alma não vale coisa alguma, nem os ratos iriam querê-la”
Sua voz se tornou mais grave.
“Eu preciso da tua fidelidade, assim
como preciso da fidelidade de todos os homens e mulheres do mundo, pois somente
assim terei alimento para a minha existência”.
E sem esperar uma resposta, levantou-se
abruptamente e sentenciou – “Voltarei em breve para continuarmos a conversa”.
E desapareceu pela porta da taverna no
meio da noite.