sexta-feira, 28 de junho de 2019









IMPRESSÕES COLHIDAS NO INFERNO
(Mais um domingo de Páscoa)
(excerto - II)

Tudo isto me é incompreensível como um criptograma, ilógico como um paradoxo, anômalo como um eunuco.
As tampas das panelas tremiam sobre o vapor bem cheirante, o domingo estava claro e cheio de sol, os pássaros voavam felizes fora das gaiolas, o gato se escondia sob uma cobertura de zinco e a luz filtrava pelos buracos dos pregos. As ervas balançavam e contrabalançavam ao sabor da brisa e os vizinhos gargalhavam com gosto de álcool numa libação pascoalina, uma festa sem respeito neste domingo santo.
Na sexta-feira todos cantavam tristezas atrás do andor e se persignavam diante do altar – mecanicamente, como um cuco na hora certa. Todos beijavam os pés de gesso de Senhor morto, assassinado por eles próprios, todos matavam novamente o Salvador com requintes de hipocrisia e farisaísmo, todos piedosos dentro das suas próprias conveniências, esmigalhariam homens e crianças como quem amassa um inseto, arrebentariam suas cabeças e cuspiriam nos cadáveres dilacerados, mas sempre com os olhos pios voltados para o sacrário e os lábios balbuciando preces que nunca entenderam, na certeza de que Ele lhes estende os braços e os chama para o Seu lado.
Tratantes!
No domingo há o morticínio geral. Facas e asfixias numa sucessão contínua – animais sendo abatidos aos milhões e a gula matando os homens na orgia das orgias, e aí então ninguém mais se lembrará dos sofrimentos que Ele sofreu, nem do sangue que Ele derramou aos borbotões, mas estão alegres porque Ele ressuscitou, embora não consigam entender que ressuscitar significa morrer primeiro – isto é ou não é um contrassenso?
Os piedosos sapateiam na lápide. O ruído eu ouço daqui.

quinta-feira, 27 de junho de 2019






BESTEIROL

Rebuscando meus pertences, entre achados e perdidos deparei-me com mais um escrito cuja origem desconheço. Trata-se de um script para teatro. Não sei quem o escreveu – acho que não fui eu – mas, sempre fascinado com absurdos e coisas sem sentido (que afinal sempre acabam deixando alguma mensagem), resolvi publicá-lo.

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CENÁRIO: Porta de um teatro, onde pessoas esperam na fila do guichê e outras passam pela calçada. Na calçada, segurando uma cesta de flores, está uma vendedora de flores. Ela caminha de lá para cá gritando compassadamente:

FLORISTA: “Flores! Flores!”

Um homem se aproxima, segura o braço da vendedora e diz:

HOMEM: “Sou eu!”
FLORISTA (olhando surpresa): “O que? O que você quer dizer com – ‘Sou eu’”?
HOMEM: Sou eu. Flores. Este é o meu nome!” – apresentando-se com vênia. “Sargento Jaime Flores, à sua disposição, senhorita. Você estava me chamando?”
FLORISTA: “Não senhor, estou só vendendo flores.”
HOMEM: “Oh, oh! Acho que cometi um engano”.
FLORISTA: “Com certeza, senhor”.
HOMEM: “Porque você não anuncia as flores pelo nome delas?”
FLORISTA: “Assim?” – e começa a gritar – “Margaridas! Violetas!, Rosas!”

Algumas pessoas que estão na fila se movimentam. Duas delas se aproximam e dizem:

MULHER 1: “Sim? Eu sou a Margarida!”
MULHER 2: “Você me chamou? Meu nome é Rosa!”
FLORISTA: “Oh não! Vai começar tudo de novo!?”








NONSENSE

Searching my belongings, between lost and found issues, I came across another writing whose origin I don’t know.  Apparently it’s a theater script. I don’t know who wrote it – I bet it was not me – but as I am always fascinated by absurdities and nonsense (things that always end up leaving some message) I decided to post it.
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SETTING: In front of a theater, where people wait in line at the ticket booth and others pass the sidewalk. On the sidewalk, holding a basket of flowers, is a flower seller. She walks back and forth, screaming rhythmically:

FLORIST: “Flowers! Flowers!”

A man approaches, holds the florist’s arm and says:

MAN : “That’s me!”
FLORIST (looking surprised): “What? What do you mean – ‘that’s me’?”
MAN: “That’s me, Flowers. That’s my name!” – presenting himself with a bow. “Sargent James Flowers, at your service, lady. Were you calling me?”
FLORIST: “No, sir. I’m just selling flowers”.
MAN: “Oh, oh! I think I made a mistake.”
FLORIST: “You sure did, mister.”
MAN: “Why don’t you call your flowers by their names?
FLORIST: “Like what?” – and starts yelling – “Daisies! Lilies!, Roses!?”

Some people in the queue move around. Two of them lean and say:

FIRST WOMAN: “Yes? I’m Daisy!”
SECOND WOMAN: “Have you called me? My name is Rose!”
FLORIST: “Oh no!” There it comes again!”



quarta-feira, 26 de junho de 2019







THE GRAMMAR BIBLE

ENGLISH IN DROPS
      Copyright Michael Strumpf & Auriel Douglas)

(ver tradução abaixo)


GRAMMAR AND THE COMMON COLD  
Question: “A teacher found this sentence in an educational journal and passed it on to us for perusal. “My dad asked me to walk the dog because he had a bad cough.”
Answer: Has the author of this sentence found a miraculous cure for the canine cough? Will a simple walk relieve this doggie of what ails him? I don’t think so. What we have here is a vague antecedent.  Because he had a bad cough” is an adverbial clause, modifying the verb “asked”. The problem lies with the subject of the clause, “he.” What is its antecedent? Is it “dog” or “dad”?  One assumes that the answer must be “dad” – sick dogs do not like to go on walks any more than sick dads do – but the reference is obscure. The sentence should read, “Because my dad has a bad cough, he asked me to walk the dog.”  


TRADUÇÃO

A GRAMÁTICA E O RESFRIADO COMUM

Pergunta: “Um professor encontrou esta sentença numa revista estudantil e nos enviou para análise. “Meu pai me pediu para levar o cachorro para passear porque ele estava com tosse”.

Resposta: Será que o autor desta sentença encontrou alguma cura milagrosa para a tosse canina? Será que uma simples caminhada vai livrar o cachorrinho do mal que o aflige? Eu acho que não. O que nós temos aqui é um problema de antecedente vago. “Porque ele estava com tosse” é uma oração adverbial que modifica o verbo “pediu”. O problema está no sujeito da oração, “ele”. Qual é o seu antecedente? É “meu pai” ou “o cachorro”? Eu presumo que a resposta deve ser “meu pai” porque cachorros com tosse não gostam de sair para passear (assim como pais com tosse também não gostam”, mas a referência é obscura. A sentença deveria ser escrita desta forma: “Meu pai estava com tosse, então ele me pediu para levar o cachorro para passear”.

segunda-feira, 24 de junho de 2019








SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 19/05/2017
RÁDIO UNIVERSIDADE FM 106.9 Mhz
São Luís-MA

MISCELLANEOUS JAZZ   

O jazz é um gênero musical plural, que pode ser ouvido nas suas diversas formas, tendências e estilos. Na sua roupagem ele pode, por exemplo, se apresentar vestido de jazz instrumental ou jazz cantado. Ambas as formas têm seu próprio modo de interpretação, que varia em termos de harmonia e improvisação, mas ambas mantêm o espírito do blues. Diversos estilos de jazz já foram criados e com certeza ainda há diversos outros a serem criados. O programa desta sexta vai apresentar um apanhado de estilos que flutua do tradicional ao mais contemporâneo, trazendo para os ouvintes a essência do jazz das raízes, com Louis Armstrong, a magnitude orquestral de Dizzy Gillespie, o jazz cheio de funk e rhythm & blues de George Benson, a modernidade de Diana Krall e a consagração de uma das músicas mais bonitas de toda a história do jazz - a imortal "Sophisticated Lady", de Ellington, Mills e Parish, na voz de Billie Holiday e também de Rosa Maria Colyn, esta última numa versão inusitada em português feita pelo tradutor e ensaísta Augusto de Campos.  

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini


A poesia “Licor de maçã”, publicada no dia 23 de junho, foi baseada num conto chamado “Contranexo” que narra a história de um sujeito que se apaixona por uma mulher que apareceu morta na praia, cujo retrato fora publicado numa página de jornal. Ele se embriaga num bar bebendo licor de maçã, e ao voltar para casa tem alucinações. Aqui, um trecho do conto.
Augusto Pellegrini




CONTRANEXO
(Excerto)

À noite todos os gatos são pardos, menos aquele ali, branco como a palidez de Rebeca, todo enroscado sobre o assento da cadeira de palha trançada, ele que me fita e me analisa e me inquire e me acompanha com o olhar de filósofo que só os gatos sabem ter, os olhos verde-cinza enigmáticos diferentes dos olhos negros pragmáticos de Rebeca, captando meu pensamento ou pelo menos fingindo que me entende, o que seria no mínimo estranho, pois nem eu mesmo me entendo.
Do lado de fora desta bodega de aspecto rústico que lembra uma velha estalagem balança uma placa de madeira esculpida a mão e presa por duas correntes e uma haste de metal, rangendo como uma ponte levadiça, com os dizeres “Restaurante do Dante – Comida Caseira”, um nome bem a calhar pelas perspectivas da noite e para o meu momento histórico – “lasciate ogni speranza voi ch’entrate”.
Enquanto trespasso o limiar da porta sem maiores rebuços, na sua soleira de mármore gasta pelos pés do tempo, o gato me acompanha com o olhar, o pescoço girando quinze graus de preguiça e uma orelha – vejam só, apenas uma orelha, a direita – se ergue como se sintonizasse  ao longe o resquício de um ruído de algum passo abafado ou como se ouvisse o barulho infernal fabricado pela minha mente, um silvo profundamente agudo que flete e reflete dentro da minha caixa craniana como uma bola de bilhar no rebordo da mesa, como um eco numa caverna, como um grito de náufrago. 
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Talvez o vulto fosse mesmo Rebeca, com sua cara de desvario, com seu sorriso obsceno, com seus braços de serpente, com sua língua de mel, talvez fosse a expressão do seu rosto de morta, meio enforcada e meio afogada.
Dante me acompanha até a soleira de mármore para ter certeza de que vou mesmo embora, dou um derradeiro adeus para o gato e já não vejo o fantasma de Rebeca a seu lado.
O gato se espreguiça como um ponto de interrogação quando o ruído da porta de enrolar atravessa a noite como uma facada. Ele me olha com o olhar de boa noite que só os gatos sabem ter.

domingo, 23 de junho de 2019






Recordando...                

   LICOR DE MAÇÃ

À noite, bebo a tua imagem distorcida
A  ninfo-bela imagem espectro gestual
O cálice rubro e multifacetado
Guarda o licor com sabor de guardado
De maçã argentina, marca popular

Então tu me acompanhas, na mente explodida
Na mente explosiva, na lembrança torta
O cálice vítreo e multirrefletido
Guarda o licor com a cor do teu vestido
A cor da tua nudez, sem frente ou costa

Retiro-me a este canto do quarto vazio
Vou vago e sonolento tropeçando em passos
No espelho oval, de fundo descascado
Tento me ver de frente, embora veja o lado
Da colcha rendada, que lembra os teus cachos

Já é madrugada, e por mais que me afagues
Extravasando vens, de luz e som
Bijuterias, perfumes, badulaques
Colcha amassada, teus pés, tuas mãos
Chuvisco na tela da televisão

Olhos fechados, cortina de rubro
Calor me inflama, agora me descubro
Vendo no espelho o teu corpo curvado
Luzes se acendem, lâmpadas apagam
E eu me virando em brasas, em busca do teu lado

Relógio digital apita, repete e cricrila
Ainda é madrugada ou já é de manhã?
Só, no meu quarto, procuro por teu tato
Guardo vontades, coçando as axilas
Amarga a boca, licor de maçã

É madrugada, e por mais que me faltes
Pastosa a língua e pegajosas mãos
Ainda que me afagues sigo como morto
Como anjo torto de alucinação
Teu corpo suado, licor de maçã

 (1993)