sexta-feira, 3 de abril de 2020






COMO NASCEM AS CANÇÕES
(Augusto Pellegrini)

(Parte 3)


A bossa-nova, oficialmente lançada em 1958, congregou diversos compositores e intérpretes da Zona Sul carioca e criou bordões que exaltavam a beleza e o romantismo personificados como o sol, o mar e o azul do céu de Copacabana.
A bossa nova nasceu da necessidade de afastar o mau humor causado pelo samba-canção com suas letras sofridas que falavam de desamor, desilusão, traição e desencanto – que os progressistas chamavam de “fossa”.
Músicas como “Vingança”, de autoria de Lupicínio Rodrigues, numa gravação de Linda Batista de 1951 (“Eu gostei tanto, tanto quando me contaram / Que te encontraram chorando e bebendo / Na mesa de um bar / E que quando os amigos do peito por mim perguntaram / Um soluço cortou sua voz, não lhe deixou falar... / ... Mas enquanto houver força em meu peito eu não quero mais nada / Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar / Você há de rolar como as pedras que rolam na estrada / Sem ter nunca um cantinho de seu pra poder descansar”), ou “Ninguém Me Ama”, de Antônio Maria, gravado por Nora Ney em 1952 (“Ninguém me ama, ninguém me quer / Ninguém me chama de meu amor / A vida passa, e eu sem ninguém / E quem me abraça não me quer bem / Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso / E hoje, descrente de tudo, me resta o cansaço / Cansaço da vida, cansaço de mim / Velhice chegando e eu chegando ao fim”), ou ainda “Bar Da Noite”, de Haroldo Barbosa, gravado pela mesma Nora Ney em 1957 (”Garçom, apague essa luz que eu quero ficar sozinha / Garçom, me deixe comigo, que a mágoa que eu tenho é minha / Quantos estão pelas mesas bebendo tristezas / Querendo ocultar / O que se afoga no copo renasce na alma / Desponta no olhar / Garçom, se o telefone bater, e se for pra mim / Garçom, repita pra ele que eu sou mais feliz assim / Você sabe bem que é mentira, mentira noturna de bar / Bar, tristonho sindicato dos sócios da mesma dor / Bar, que é um refúgio barato / Dos fracassados do amor”).
Os que procuravam por uma saída menos trágica tiveram um alento quando surgiram as figuras mais amenas de Dick Farney, Lucio Alves, Johnny Alf e Sylvia Telles, mas eles procuravam mais do uma letra que se parecesse com a ensolarada realidade da Zona Sul. Eles também queriam uma harmonia que aproximasse a música brasileira da sonoridade de Barney Kessell, Jim Hall, Dave Brubeck, Chet Baker ou Bill Evans.
A questão começou a ser solucionada com um ex-pianista de boate chamado Antônio Carlos Jobim, conhecido como Tom, que a partir do início da década de 1950 já vinha prestando bons serviços à música brasileira compondo, fazendo arranjos e dirigindo gravações, e através de Johnny Alf, um cantor-pianista que propôs ao público uma harmonia diferente, utilizando-se de uma forma arrojada de interpretação.
E a cidade contribuiu com as suas belas praias, com a paisagem paradisíaca e com o Beco das Garrafas, como eram chamadas as boates Bottles’ Bar e Little Club, enfiadas na Rua Duvivier, no coração de Copacabana, palco das futuras apresentações de samba-jazz – Sergio Mendes, Os Cariocas, Durval Ferreira, Leny Andrade, Luiz Carlos Vinhas, e tantos outros.
Mas o Dia D da revolução tão esperada aconteceu com o aparecimento de um cantor-violonista chamado João Gilberto, que deu novos rumos à música brasileira em termos de tempo, contratempo e acordes inusitados e jamais pensados (só o aparecimento de João Gilberto na música brasileira mereceria pelo menos um capítulo inteiro, ou quem sabe um livro completo!).  
A partir de João Gilberto apareceram outros nomes de cantores e compositores, as gravações do novo estilo passaram a ser lançadas pelas gravadoras e a nova tendência do mar-amor-luar começou a tomar conta do Rio e se espalhar pelo eixo musical Rio-São Paulo – embora João, antigo crooner de conjunto vocal executasse boa parte do seu trabalho explorando compositores e sambistas antigos e dando a eles a sua roupagem toda particular.
Já no seu primeiro LP – “Chega De Saudade”, lançado em 1959 – João mesclou composições de Jobim, Vinícius, Lyra e Bôscoli com músicas mais antigas de Caymmi, Marino Pinto, Zé da Zilda e Ary Barroso.     
Da safra nova que começou a conquistar o mercado, a dupla Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli era uma das mais profícuas, com músicas de intensa poesia, como “Rio” (“Rio, que mora no mar / Sorrio pro meu Rio que tem no seu mar / Lindas flores que nascem morenas / Em jardins de sol / Rio, serras de veludo / Sorrio pro meu Rio que sorri de tudo / Que é dourado quase todo dia / E alegre como a luz”), “O Barquinho” (“Dia de luz, festa de sol / E um barquinho a deslizar / No macio azul do mar / Tudo é verão e o amor se faz / Num barquinho pelo mar / Que desliza sem parar / Sem intenção, nossa canção / Vai saindo desse mar / E o sol beija o barco e luz / Dias tão azuis”) e “Você” (“Você, manhã de tudo meu / Você, que cedo entardeceu / Você, de quem a vida eu sou / E sei mas eu serei / Você, um beijo bom de sol / Você, em cada tarde vã / Virá sorrindo de manhã ...”).
Alguns bossanovistas bissextos como os irmãos Marcos e Paulo Sergio Valle também compuseram músicas cheias de poesia que a moçada cantava na praia e nos apartamentos de Ipanema, como “Samba De Verão” (“Você viu só que amor? / Nunca vi coisa assim / E passou, nem parou / Mas olhou só pra mim / Se voltar vou atrás / Vou seguir, vou falar / Vou dizer que o amor / Foi feitinho pra dar / Olha, é como o verão / Quente o coração / Salta de repente / Para ver a menina que vem...”), e Sergio Ricardo, que mais tarde também engrossaria a turma do protesto, trazendo um viés noturno e soturno para a bossa nova, mesmo falando de mar e amar, como em “Poema Azul” (“O mar beijando a areia / O céu, a lua cheia / Que cai no mar / Que abraça a areia / Que mostra ao céu e à lua cheia / Que prateia os cabelos do meu bem...”).
O ápice do romantismo bossanovista veio com “Garota De Ipanema”, de Antônio Carlos Jobim, então já um músico consolidado, e Vinicius de Moraes, um diplomata em desencanto (“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça / É ela, menina, que vem e que passa / Num doce balanço, a caminho do mar / Moça do corpo dourado do sol de Ipanema / O seu balançado parece um poema /  É a coisa mais linda que eu já vi passar”) e com “Corcovado”, de Tom (“Um cantinho, um violão, esse amor, uma canção pra fazer feliz a quem se ama...), que impropriamente deu início ao jargão “um banquinho e um violão”, que fazia alusão às reuniões aos encontros dos músicos do novo sistema nos apartamentos da Zona Sul. 

SEGUE






COMO NASCEM AS CANÇÕES
(Augusto Pellegrini)

(Parte 2)


Igualmente antológica foi a briga musical entre Noel Rosa e Wilson Batista, que se arrastou por cerca de cinco anos desde o início da década de 1930. Tudo começou quando Batista se desentendeu com Noel e compôs um samba que física ou moralmente ameaçava o desafeto.
A música que iniciou a querela se chama “Lenço No Pescoço” (“Meu chapéu de lado, tamanco arrastado / Lenço no pescoço, navalha no bolso / Eu passo gingando, provoco e desafio / Eu tenho orgulho em ser tão vadio ... / ...Eu sou vadio porque tive inclinação / Eu me lembro, era criança, tirava samba-canção / Comigo não / Quero ver quem tem razão”).
Noel não gostou do recado e, encorajado pelo amigo e também compositor Orestes Barbosa, resolveu responder. A resposta veio com “Rapaz Folgado” (“Deixa de arrastar o teu tamanco / Pois tamanco nunca foi sandália / E tira do pescoço o lenço branco / Compra sapato e gravata / Joga fora essa navalha / Que te atrapalha... / ... Malandro é palavra derrotista / Que só serve pra tirar todo o valor do sambista / Proponho ao povo civilizado / Não te chamar de malandro / E sim de rapaz folgado”).
Alguns meses se passaram até que Wilson Batista desse a sua resposta, com “Mocinho Da Vila” (“Você, que é mocinho da Vila / Fala muito em violão, barracão, e outros fricotes mais / Se não quiser perder o nome / Cuide do seu microfone / E deixe quem é malandro em paz / Injusto é o seu comentário / Falar de malandro quem é otário / Mas malandro não se faz / Eu, de lenço no pescoço, desacato / E também tenho o meu cartaz”).
Noel então compôs “Feitiço Da Vila” (“Quem nasce lá na Vila / Nem sequer vacila / Ao abraçar o samba / Que faz dançar os galhos do arvoredo / E faz a lua nascer mais cedo”). O samba, que ficou conhecido pela sua poesia e pelo seu bom mocismo, não atacava diretamente o seu oponente, pois a princípio ele foi composto para elogiar Vila Isabel, bairro carioca onde ele, Noel, tinha nascido e sempre morou. No entanto, há no final da música uns versos não muito conhecidos nos quais Noel joga um pouco de pimenta no assunto (“Quem nasce pra sambar / Chora pra mamar / em ritmo de samba / Lá não tem cadeado no portão / Porque na Vila não tem ladrão”).
Wilson respondeu com “Conversa Fiada” (“É conversa fiada dizerem / Que o samba da Vila tem feitiço / Eu fui ver pra crer e não vi nada disso / A Vila é tranquila, porém eu vos digo – cuidado! / Antes de irem dormir deem duas voltas no cadeado”), para o qual Noel contra-atacou com “Palpite Infeliz” (“Quem é você, que não sabe o que diz? / Meu Deus do céu, que palpite infeliz / Salve Estácio, Salgueiro e Mangueira / Oswaldo Cruz e Matriz / Que sempre souberam muito bem / Que a Vila não quer abafar ninguém / Só quer mostrar que faz samba também... / ...Eu já chamei você pra ver / Você não viu porque não quis / Quem é você, que não sabe o que diz?... /... “Quem é você, que não sabe / aonde tem o seu nariz? / “Quem é você, que não sabe o que diz?”).
Wilson Batista perdeu a compostura e compôs “Frankenstein Da Vila” fazendo alusão a uma deformidade que Noel possuía no queixo (“Boa impressão nunca se tem / Quando se encontra com alguém / Que até parece o Frankenstein / Mas como diz o refrão / Por uma cara feia perde-se um bom coração... /... Entre os feios estás na primeira fila / Eu te batizo Fantasma da Vila / Esta indireta é contigo / E depois não vá dizer / Que eu não sei o que digo / Sou teu amigo”).
Noel ficou evidentemente chocado com tamanha descortesia, mas não respondeu.
Certo dia ambos se encontraram em um café no centro da cidade e Wilson Batista apresentou a Noel uma nova composição que voltava a explorar a velha polêmica. A música se chamava “Terra De Cego” (“Perde a mania de bamba / Todos sabem qual é / O teu diploma no samba / És o abafa da Vila, bem sei / Mas na terra de cego / Quem tem um olho é rei / Pra não terminar a discussão / Não deves apelar / Para um barulho na mão / Em versos podes bem desabafar / Pois não fica bonito um bacharel brigar”). Noel de pronto reescreveu a letra e mudou o título para “Deixa De Ser Convencida” (“Deixa de ser convencida / Todos sabem qual é / Teu velho modo de vida / És uma perfeita artista, eu bem sei / Também fui do trapézio / Até salto mortal no arame eu já dei / E no picadeiro desta vida / Serei o domador / Serás a fera abatida / Conheço muito bem acrobacia, por isso não faço fé / Em amor, em amor de parceria / Muita medalha eu ganhei”). Depois disso, nunca mais se viram. Noel, que já estava doente, morreu pouco depois, em 1937.
Com a morte de Noel, Wilson Batista se mostrou arrependido pelos seus versos deselegantes, e mais tarde compôs em parceria com Waldemar Gomes um samba no qual exaltava o rival; a música se chama “Quero Um Samba” (“Diga para o dono do baile / Que nós queremos sambar / A noite inteira sem tocar um samba / Nem parece que estamos no Rio / A terra de Sinhô e o berço de Noel”), e depois um outro, chamado “Terra Boa”, feito em parceria com Ataulfo Alves, no qual elogia alguns brasileiros famosos (“Terra de Santos Dumont / Carlos Gomes, Ruy Barbosa / Grande Duque de Caxias / Castro Alves, Noel Rosa”).
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Vale a pena também rever os registros de uma interessante a sequência de músicas de Ataulfo Alves nascidas em virtude do romance que a cantora Carmen Costa (por quem Ataulfo era apaixonado) mantinha com um compositor obscuro chamado Mirabeau Pinheiro.
As deliciosas provocações nunca passaram das noitadas de violão, embora chegassem a ser gravadas, inclusive pelos próprios Ataulfo e Carmem, num mesmo disco.
Entre as músicas, algumas preciosidades de Ataulfo como “Pois É”, onde ele ironiza uma briga de Mirabeau e Carmen (“Pois é, falaram tanto / Que desta vez a morena foi embora / Disseram que ela era a maioral / E eu é que não soube aproveitar / Endeusaram a morena tanto, tanto / Que ela resolveu me abandonar...”), respondida pela própria cantora com “A Morena Sou Eu”, de Mirabeau e Milton de Oliveira (“Aqui você rirá dizendo a todos / Pois é, pois é, pois é / Quem sabe a quentura da panela / É a colher, é a colher / Chega o que ela já sofreu / Quem de vocês já conhece / Que a morena sou eu...”), que foi respondido magistralmente por Ataulfo com “Sai Do Meu Caminho” (“Eu nada lhe perguntei / Não há razão pra você me responder / A carapuça na cabeça não lhe cabe / Meu caso é outro / Eu bem sei que você sabe / Sai do meu caminho / Não estrague os dias meus / Deixe-me em paz pelo amor do Santo Deus / Pois a morena que eu falava na minha canção / É diferente da sua insinuação”).
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As canções também podem nascer a partir de homenagens prestadas a músicos que partiram e fizeram falta, abrindo uma lacuna irreparável sentida por ouvintes, amigos e admiradores.                
Quando Francisco Alves morreu em 1952 num acidente automobilístico na Via Dutra, rodovia que liga Rio a São Paulo, houve uma comoção nacional. O cantor, verdadeiro ídolo da música popular brasileira estava no auge da fama, e acabou sendo objeto de inúmeras homenagens, como a prestada por Nássara e Wilson Batista com o samba “Chico Viola” (“Salve Estácio, Salgueiro e Mangueira / todo o Brasil emudeceu / chora o mundo inteiro / o Chico Viola morreu...”). Na segunda parte da música, Wilson Batista relembrou seu antigo desafeto Noel Rosa, quando coloca Francisco Alves no mesmo patamar dele (“Na voz do seu plangente violão / ele deixou seu coração / partiu, disse adeus, foi pro céu / foi fazer, foi fazer / companhia pro Noel”).
O mesmo Noel também recebeu um tributo através do samba-canção “Escuta Noel” composto e interpretado por Maysa em 1957 (“Onde estás, Noel, que não escutas / Os plágios das tuas músicas / Que se ouvem por aí / Frequentaste tanto tempo academia de melodia / O samba não se faz por amizade ou simpatia /  O samba agora criou outro estilo / Sambista só sabe sambar pra granfino / E a favela agora é ponto de turista, de soçaite, de artista / A poesia acabou / Vem Noel, vem fazer a serenata / Tua música faz falta e ninguém nunca igualou”).

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COMO NASCEM AS CANÇÕES
(Augusto Pellegrini)

(Parte 1)


Em teoria, a música se completa em si mesma apenas com a existência de três elementos: a melodia, a harmonia e o andamento.
A melodia é uma sucessão de sons e pausas que confeccionam e modelam o corpo da música, enquanto que a harmonia é uma sucessão de sonoridades e acordes que vestem o corpo da música. Já o andamento, também conhecido como ritmo – embora musicalmente existam sutis diferenças entre o significado dos termos – é o tempo em que os compassos da peça musical são desenvolvidos para marcar o caminhar da música.
Letra, percussão rítmica e arranjos são complementos que ajudam a compreensão e a integração da música no ambiente, mas apesar de muito importantes no resultado final apresentado podem até ser considerados dispensáveis, pois a música consegue existir, comover e provocar sensações mesmo na ausência deles.
Esta constatação não é lá muito agradável para quem, como o cronista, vive mais em função das palavras do que das notas musicais. Esta dissociação não impede, porém, que exista uma saudável cumplicidade entre o criador da melodia e o escritor da letra da música, que muitas vezes se fundem numa única pessoa.
Letristas e musicistas se completam e juntos transformam letras e notas musicais em verdadeiras obras de arte, criando sensações e efeitos inefáveis quando a força tônica das notas entra em comunhão com a acentuação e a força da poesia. 
Os compositores compõem as letras das suas músicas tendo como exercício de inspiração as mais diversas e improváveis situações.
Todo tipo de emoção humana pode fazer parte do processo para que o compositor consiga expor a sua arte: questões de amor, lembranças e saudades, modismos e ideias que expressam curiosidade, malícia, crítica, ironia, ufanismo, despeito, humor, protesto social, engajamento político, filosofia popular, homenagens – a pessoas e lugares – e até oração e religiosidade. 
Os musicistas e letristas na sua grande maioria compõem as suas obras por pura inspiração, embora alguns o façam por encomenda, desafios ou, em casos extremos, até para serem comercializadas; mesmo neste caso esta mercantilidade não apaga o sentido da poesia, da melodia e da harmonia se a música tiver como resultado final aquilo que se chama de “qualidade” (pela sua amplitude, o conceito de qualidade fica para ser discutido numa outra ocasião).
A história da música popular brasileira – e universal – está repleta de curiosidades no que diz respeito à origem de certas canções, o que mostra a inesgotável força criativa dos compositores.
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Herivelto Martins, por exemplo, compôs muitos sambas-canções tendo como tema a vida conjugal tumultuada que levava com a cantora Dalva de Oliveira. Havia entre eles um amor bandido – ele um boêmio irrecuperável, ela uma mulher ciumenta e cheia de caprichos.
Entre as composições de Herivelto dirigidas à Dalva, temos “Caminhemos” (“Não, eu não posso lembrar que te amei / Não, eu preciso esquecer que sofri / Faça de conta que o tempo passou / E que tudo entre nós terminou / E que a vida não continuou pra nós dois / Caminhemos, talvez nos vejamos depois”), gravada em 1947 por Francisco Alves, e “Cabelos Brancos” (“Não falem dessa mulher perto de mim / Não falem pra não lembrar minha dor / Já fui moço, já gozei a mocidade / Se me lembro dela me dá saudade / Por ela vivo aos trancos e barrancos / Respeitem ao menos meus cabelos brancos... / ... E agora, em homenagem ao meu fim / Não falem dessa mulher perto de mim”), gravada pelos Quatro Ases e um Coringa em 1949.
Foi em 1947 que Herivelto compôs “Segredo”, quando as brigas do casal eram muito intensas e tudo indicava que a separação já se tornara inevitável (“Teu mal é comentar o passado / Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois / O peixe é pro fundo da rede / Segredo é pra quatro paredes / Não deixe que males pequeninos / Venham transformar os nossos destinos... / ... Primeiro é preciso julgar pra depois condenar”), gravada pela própria Dalva.
A separação aconteceu em 1950, e depois dela Dalva recorreu a dois amigos compositores – J.Piedade e Osvaldo Martins – para gravar “Tudo Acabado” (“Tudo acabado entre nós, já não há mais nada / Tudo acabado entre nós hoje de madrugada / Você chorou, eu chorei / Você partiu, eu fiquei / Se você volta outra vez eu não sei / Nosso apartamento agora vive à meia-luz / Nosso apartamento agora já não me seduz / Todo o egoísmo veio de nós dois / Destruímos hoje o que podia ser depois”).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, ainda em 1950 ela voltou a desabafar com a gravação de “Errei Sim”, um samba “mea culpa” que Ataulfo Alves havia composto há alguns anos (“Errei sim, manchei o teu nome / Mas foste tu mesmo o culpado / Deixavas-me em casa me trocando pela orgia / Faltando sempre com a tua companhia / Lembro-te agora que não é só casa e comida / Que prende por toda a vida / O coração de uma mulher / As joias que me davas / Não tinham nenhum valor / Se o mais caro me negavas / Que era todo o seu amor / Mas se existe ainda quem queira me condenar / Que venha logo a primeira pedra me atirar”).

SEGUE

quinta-feira, 2 de abril de 2020




O SILÊNCIO
(Augusto Pellegrini)

Quando você me olha
E não fala nada
Eu sinto um vazio imenso
Dentro da alma

Quando você me olha
E permanece muda
Eu sinto vontade imensa
De pedir ajuda

Quando você me olha
E não diz uma palavra
Eu sinto espinhos rasgando
A minha alma escrava

Quando você me olha
Com seu olhar de censura
Eu sinto que a luz do dia
Fica lentamente escura

Quando você me olha
E mostra reprovação
Eu me sinto um marinheiro
No olho do furacão

Quando você me olha
Com aquele olhar intenso
Eu sinto que há mil palavras
Por detrás do seu silêncio

Quando você me olha
Com o seu olhar oblíquo
Eu me sinto incomodado
Com seu emudecer contínuo

Mas quando você me olha
Com um olhar malicioso
Sinto ganas de dizer
Mil palavras que não ouso

Jun 2017

 


segunda-feira, 30 de março de 2020






SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 09/03/2018
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís-MA

RON CARTER QUARTET & VITORIA MALDONADO – BRASIL L.I.K.E.

Ron Carter é um dos mais completos contrabaixistas de jazz e uma referência dentro do gênero, com trânsito também na música erudita, onde toca violoncelo. Ao longo de uma carreira colecionado sucessos, teve como parceiros Thelonious Monk, Wes Montgomery, George Benson e Cannonball Adderley, entre outros, e fez parte do segundo quinteto de Miles Davis ao lado de Herbie Hancock, Wayne Shorter e Tony Williams. Vitoria Maldonado é uma cantora paulista de voz marcante com uma vida dedicada à música. Estudou piano erudito e se especializou em jazz na Berklee School. De volta ao Brasil, começou a se apresentar com Marisa Monte ao mesmo tempo em que desenvolvia seu trabalho como arranjadora. Seu encontro com Ron Carter foi feito através do pianista Michel Freidenson, quando surgiu a ideia deste álbum. Trata-se de uma mistura de jazz e MPB, incluindo "Night And Day", "Georgia On My Mind", "All Of Me", "Se Todos Fossem Iguais A Você" e composições da própria cantora, com a participação de nomes importantes como Roberto Menescal, Randy Brecker, Toninho Ferraguti, Omar Izar, Nailor Proveta e Marcos Mincov.   

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini
                                                                                                                                    





SENSAÇÕES

Nossa percepção pode provocar as mais diferentes sensações de conforto ou inquietação. Por não existir qualquer embasamento lógico ou filosófico, algumas destas sensações podem soar familiares para alguns e absurdas para outros.
Estas sensações variam de acordo com cada indivíduo, o que prova que o sentimento pode ter mil faces independentemente do ato gerador da emoção.
A mim, me fazem bem as imagens das grandes cidades do final do século dezenove ou início do século vinte, muito embora eu seja sabedor que o bem-estar social fosse alarmante, que as doenças grassavam na população, e que a miséria, o lixo e a falta de cuidados médicos e sanitários fossem uma constante naquele dado momento histórico. Imaginem o esgoto correndo a céu aberto. Imaginem o excesso de roupa e a falta de banho. Imaginem uma consulta ao dentista ou a necessidade de uma cirurgia em pleno 1900!
Por outro lado, as imagens das duas guerras mundiais tanto podem ser heroicas como devastadoras, dependendo do ponto de vista e do lado para o qual a sua família torcia na época. Os “tommies” americanos pareciam jovens universitários bem-comportados, ao passo que os alemães em preto-e-branco passavam uma imagem sinistra e os japoneses preparando armadilhas no meio do pântano em nada faziam lembrar os simpáticos nerds de óculos que adornam hoje em dia as universidades de todo o mundo.
Do ponto de vista histórico, a segunda guerra mundial me parece fascinante, apesar de todas as monstruosidades que proporcionou e de ser a hecatombe que teve um impacto social bem maior do que as investidas mongóis na Europa ou as guerras napoleônicas.
Como um bicho criado em uma metrópole, eu aprecio mais um monumento histórico ou um marco da civilização do que a vista paradisíaca de cascatas e arvoredos. Eu não tive uma infância à beira do rio, tomando leite mugido e vivendo a realidade da vida da roça, então não me emocionam as narrativas campestres.  
Mas a natureza também canta ao meu ouvido. Amo o céu limpo, azul ou estrelado, a lua brilhante e o por do sol, embora me incomode a chuva que tolda os horizontes da minha visão e dificulta os meus movimentos. Adoro a revoada de pássaros, o cacarejar do galo e a presença ou a visão dos animais – domésticos ou selvagens – bem como a forma como eles se comunicam com a gente.
Os amigos dirão que há controvérsias.