PÁGINAS
ESCOLHIDAS
De um livro de contos ainda não publicado
(Augusto Pellegrini)
DO OUTRO LADO DO ESPELHO
Percorro com os olhos os quatro pontos cardeais que me cercam neste cubículo
onde habito há dias, ou anos, ou séculos, pelo que me diz o relógio da minha
semiconsciência.
Estou deprimido,
e o mundo que me cerca é este miserável quarto sem luz, de onde tento olhar por
uma fresta de janela fechada e vislumbrar um jardim florido e coberto pelo sol,
com borboletas coriscando aqui e acolá tendo como fundo um céu de azul sereno retocado
por algumas nuvens de algodão.
O que vejo, no
entanto, é um beco imundo sem saída e cheio de detritos, com a face amarga do
inverno se avolumando sombria e insetos mortos boiando em poças de água, tornando
a paisagem desalentadora como a minha vida.
O mundo fede, e o
mau cheiro penetra pela fresta da janela como um gás venenoso que me invade as
narinas.
Não encontro
ninguém para responder minhas perguntas nem para satisfazer meus
questionamentos.
Grito, e o meu
grito se perde no eco do local vazio e fechado, como o lamento de um moribundo dentro
de uma masmorra.
Há um homem no
parlatório na sala ao lado, separado de mim por uma parede de vidro tão espesso
que não consigo ouvir a sua voz.
Tenho a impressão
de que o conheço, seu rosto não me é estranho, mas meu torpor me impede de
concatenar ideias.
Ele me olha
fixamente nos olhos, e eu percebo que repete tudo o que eu digo, imita meus
gestos e, por incrível que pareça, guarda no rosto a mesma expressão desanimada
que estampo na cara macilenta de quem não dorme há duas semanas. Pelo menos é isto
que me parece, já que a minha noção de tempo está prejudicada pelos meus
desvarios.
Não sei ao certo
onde estou nem o que estou fazendo aqui, e a exaustão embota o meu raciocínio.