sexta-feira, 17 de agosto de 2018






ESSE TAL DE ROCK AND ROLL

A música que tomou conta do Brasil e do mundo

Esse tal de rock and roll sempre exerceu sobre mim o mais profundo fascínio, talvez pelo seu parentesco com o jazz – ambos vieram das raízes do blues – ou talvez porque o seu surgimento tenha se dado durante a minha adolescência, pois as coisas que acontecem nessa época marcam intensamente a vida da gente.
Com o término da Segunda Guerra Mundial em 1945, o mundo começou a viver uma nova ordem econômica e social e isto afetou sobremaneira o comportamento da juventude e também a indústria da música. 
A América, como os europeus chamavam os Estados Unidos, detinha uma forte liderança política e cultural que fora iniciada com a invasão do jazz ainda no início do século 20 e consolidada com o fim da guerra. No início da década de 1950, em plena vigência deste domínio, a América começou a exportar outro tipo de música, mais ao gosto da nova geração.
Nesta nova música, as grandes orquestras foram substituídas por pequenos conjuntos, e os metais, embora presentes em grande escala no rhythm & blues, foram trocados por violões, guitarras e guitarras-baixo.
O piano, que impunha uma marcação importada do boogie-woogie, também se fazia presente em algumas formações, principalmente quando o líder e cantor era o próprio pianista, mas com rigorosas exceções estas formações também não abdicavam da guitarra, que tinha um papel preponderante nos solos e praticamente ditava o clima da música.
Assim, além da guitarra, que naquele tempo ainda não usava os pedais, o rock trouxe na sua origem o som do piano, da bateria, do contrabaixo acústico e até do sax-tenor – line-up utilizado pela banda Bill Haley and The Comets (nome que o líder e vocalista William John Clifton Haley colocou no seu grupo, fazendo menção ao cometa de Halley, que havia assustado o mundo em 1910 e iria passar novamente em 1986, desta vez sem muito alarde).
A formação da banda incluía um acordeão (!), e entre os seus grandes sucessos estão “Rock Around The Clock” (Max C.Freedman e James E.Myers), “See You Later Alligator” (Robert C.Guidry) e “Shake, Rattle and Roll” (Big Joe Turner), músicas que podiam ser ouvidas em disco e em programas de radio, e vistas nos primeiros anos de televisão no Brasil e nos filmes de cinema especialmente feitos para promover o estilo.
Este “pré-rock and roll” teve outros expoentes, como a banda de rhythm & blues de Louis Jordan chamada Timpany Five, com as músicas “Caldonia” (B.B.King e Lowell Fulsom), “Saturday Night Fish Fry” (Louis Jordan) e “Let The Good Times Roll” (Fleecie Moore e Sam Theard); ou Fats Domino, mais voltado para o blues – “The Fat Man” (Fats Domino e Dave Bartholomew), “Ain’t That A Shame” (Fats Domino e Dave Bartholomew) e “Blueberry Hill” (Vincent Rose, Larry Stock e Al Lewis); Bo Diddley, antes de cair de cabeça no blues – “Hey, Bo Diddley” (Bo Diddley), “Before You Accuse Me” (Bo Diddley) e “I’m A Man” (Bo Diddley); ou ainda Ray Charles, cantando e tocando uma pegada mais forte de soul – “What’d I Say” (Ray Charles), “I’ve Got A Woman” (Ray Charles e Renald Richard) e “Hallelujah I Love Her So” (Ray Charles); e também Ike Turner and His Kings Of Rhythm – “Splish Splash” (Bobby Darin e Jean Murray), que seria um futuro sucesso brasileiro na versão de Roberto Carlos.
Junto com o rock nasceram o rock-balada e um tipo de música que recebeu no Brasil o nome carinhoso de “roquinho”, outra marca registrada da metade do século 20 e que foi devidamente explorada pelo movimento “Jovem Guarda”.
O movimento e a marca foram criados pela agência de publicidade Magaldi, Maia & Prosperi para a TV Record em 1965 e estrelados por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, que faziam o show das tardes de domingo recebendo outros astros do movimento – Antonio Marcos, Deny & Dino, Ed Wilson, Eduardo & Silvinha Araujo, Evinha, Jerry Adriani, Leno & Lilian, Martinha, Paulo Sérgio, Ronnie Von, Sérgio Murilo, Vanusa, Waldirene, Wanderley Cardoso e os conjuntos Os Golden Boys, Os Incríveis, Os Vips, Renato e seus Blue Caps, e The Fevers – até o início de 1970.
O rock-balada e o “roquinho” não tinham o mesmo compromisso com a forma, com o drive e – por que não dizer? – com a seriedade do verdadeiro rock and roll e sua missão era tornar a juventude mais feliz nos bailes e festinhas caseiras.
No cardápio internacional, cantores como Paul Anka – “You Are My Destiny” (Paul Anka), “Puppy Love” (Paul Anka) e “Diana” (Paul Anka), e Neil Sedaka – “Another Sleepless Night” (Neil Sedaka), “Oh Carol” (Neil Sedaka e Howard Greenfield) e “I Go Ape” (Neil Sedaka e Howard Greenfield), que misturavam as duas coisas.
Pode-se afirmar com uma certa precisão que o rock-balada começou com o grupo The Ink Spots – uma espécie de antecessores dos The Platters – com a música “If I Didn’t Care” (Jack Lawrence) gravada em 1939.
Depois, eles gravaram “We’ll Meet Again” (Ross Parker e Hugh Charles), e “Always” (Irving Berlin), dentro do mesmo estilo.
Mais tarde surgiram, além do próprio grupo The Platters – “The Great Pretender” (Buck Ram), “Only You” (Buck Ram) e “My Prayer” (Georges Boulanger e Jimmy Kennedy), também o cantor Pat Boone – “Bernardine” (Johnny Mercer), “Don’t Forbid Me” (Charles Singleton) e “Love Letters In The Sand” (Charles Kenny, Nick Kenny e John Frederick Coots), e a revelação Brenda Lee – “I’m Sorry” (Dub Allbritten e Ronnie Self), “Sweet Nothin’s” (Ronnie Self) e “That’s All You Gotta Do” (Jerry Reed).
A música tocada por estes grupos e cantores, apesar de não ser propriamente rock and roll, foi uma das preferências musicais da juventude daqueles anos e tinha uma estrutura construída entre a balada tradicional e o rhythm & blues, servindo inclusive como base para alguns arranjos utilizados por Elvis Presley nas suas primeiras gravações.



quarta-feira, 15 de agosto de 2018





POR TRÁS DO VIDRO

Olhando pro vidro eu vejo
A imitação de mim mesmo
Traz o mesmo olhar sem pejo
A mesma pele e o mesmo pelo

Meus gestos são repetidos
Ele faz tudo o que eu faço
Por deboche ou amoralismo
Desfaçatez ou descaso

O boné de cor incerta
E a tatuagem no braço
São modismos de estação
Como a pulseira de aço

Faço careta, ele imita
Tudo bem sincronizado
Faço gestos esquisitos
Tentando ser engraçado

Isto é muita coincidência
Ou está bem ensaiado
Tudo que eu penso ele pensa
Ele faz tudo o que eu faço

Franzo a testa, cerro o cenho
Fecho os olhos, mostro a língua
Faço todos os trejeitos
De quem caçoa ou se vinga

Mas de repente percebo
E finalmente me acho
Que além de bancar o cego
Faço papel de palhaço

Pois o ator que me faz chiste
Sou eu mesmo, feio e velho
E o vidro no qual me fito
Não é mais que um grande espelho











ESSE TAL DE ROCK AND ROLL
(Um abraço no Gilberto Mineiro)

Durante um curto período São Luís movimentou uma casa de espetáculos chamada Equator, que era na verdade um imenso picadeiro com arquibancadas de cimento, mais parecendo um ginásio esportivo. A casa era rústica, tinha problemas de acústica, não oferecia conforto nem um bom serviço de bar e não teve, portanto, vida longa.
Em pouco tempo o prédio foi demolido e o espaço acabou se transformando num grande estacionamento aberto, no que se revelou muito mais adequado, pois assim permanece até hoje.
Quando surgiu o Equator, veio com ele a esperança da abertura de um espaço que pudesse congregar as tribos de garotos roqueiros que sobreviviam esparsos pela cidade, pois naquele tempo era difícil encontrar um palco para mandar um rock ou um blues de responsabilidade. 
Os proprietários de bares e casas noturnas tinham um grande preconceito contra o rock, que eles consideravam uma “música de alto volume que não atraía o público consumidor, interpretada por músicos que assustavam as pessoas com aquele som ameaçador”.
Para a tristeza do rock, o Equator deixou de ser uma esperança para os roqueiros e acabou se transformando, no seu curto período de existência, em uma casa de reggae, o ritmo jamaicano que na época havia tomado conta da ilha com suas radiolas e seus dreadlocks, fazendo com que muitos apreciadores criassem o hábito oticamente pouco saudável de se colocar bem ao lado das potentes caixas de som, e com que muitos casais voltassem a dançar agarradinhos, longe da febre das disco houses.
O rock caminhava com dificuldade, embora conseguisse ser exibido em alguns lugares com o pequeno sucesso que a sua pouca aceitação na cidade permitia, como as ruas do Projeto Reviver, o Bagdá Café, o Créole Bar, o Restaurante Peixe na Telha, apostando no talento de meninos como Adriano Correa, Aldreder, Alexander Carvalho, Elvis, Glad Azevedo, Paulo Pellegrini e outros. 
Estávamos no início dos anos 1990.
Era sábado, e neste dia, graças às artimanhas do diligente produtor, estava sendo realizado no Equator não uma festa de reggae, como seria de se supor, mas um festival de rock como a gente sonhava, com diversas bandas locais se apresentando, algumas mais ativas e experientes e outras ainda com o rótulo de garage bands, contando com a presença de um público jovem bastante participativo.
As garage bands eram formadas por jovens adolescentes que se reuniam nas suas casas depois das aulas e não tinham um grande conhecimento musical teórico nem qualquer ambição profissional, embora alguns deles tivessem seguido a carreira da música, mesmo se paralela a alguma outra atividade acadêmica.
Menos participativos do que o público jovem, alguns homens e mulheres maduros que assistiam ao festival davam a impressão de que lá estavam apenas por conta dos seus pimpolhos que soltavam provavelmente seus primeiros gorjeios em público, mostrando aos presentes aquela guitarra e aquele baixo recém-adquiridos, sem as marcas ou os riscos causados pelo uso. 
Aparentemente os meninos se divertiam mais enquanto acertavam o som das guitarras e falavam “um-dois-sssommmm” ao microfone do que quando se punham realmente a tocar.
As apresentações haviam começado às quatro da tarde misturando alguns trabalhos autorais esforçados com alguns covers bem ensaiados, e a expectativa era a de que mais gente chegasse durante o transcorrer dos shows, sendo previsto o seu gran finale apenas lá para as dez da noite.
O Equator Rock Festival foi mais um evento produzido por Gilberto Mineiro, radialista e produtor musical com uma vida dedicada ao rock, que tinha a seu encargo um programa semanal de rádio que mantém até hoje, embora com outro nome e em outra emissora. Mais tarde ele passaria também a trabalhar com música alternativa, drum & bass, som do mangue, acid jazz, world music, nova MPB e outras coisas do gênero.
Gilberto Mineiro é o que se pode chamar de uma cabeça pensante, inteligente e provocador seja na música ou fora dela, embora geralmente procure canalizar as suas discussões para o campo da qualidade musical, sendo implacável com aquilo que ele considera de baixo nível. Com ele, sempre temos a garantia se uma boa conversa.
Como apreciador do velho e bom rock and roll eu também lá estava, totalmente envolvido por aquele recital de guitarra, baixo e bateria no meio de jovens cabeludos, a maioria trajando preto, alguns portando correntes e outros adereços punk, outros dançando as suas gingas e cabeçadas, mas tudo dentro de muita alegria e – pasmem! – muita paz e ordem, ao contrário do que certamente temiam os pais e acompanhantes, e os donos de bar mal avisados.
Aquilo foi o início de uma nova era.
Hoje em dia, o rock saiu da toca e se apresenta em diversos bares, pubs, restaurantes e casas noturnas, praias e praças, puro ou na forma de blues, e ao contrário de que temiam os proprietários dos locais, a distorção das guitarras e o frenesi da bateria seguem atraindo público de todos os matizes.
Graças à teimosia de bandas pioneiras como Digital 4, Daphne, Alcmena e Paul Time, e mais tarde Página 57, The Mads, Pandha S.A. e tantas outras, e graças ao trabalho de produção e divulgação de Gilberto, o rock passou a ser participante da cena musical da cidade.
Enquanto eu acompanhava o entusiasmado balanço de uma das bandas do Equator Rock Festival, um jovem de não mais do que quatorze anos me observava, curioso.
Trajando roupas sem qualquer espalhafato e sem nenhuma parafernália que denunciasse sua apreciação pelo que estava acontecendo no local, ele tomou coragem e fez a pergunta que o estava intrigando, dada a minha idade avançada para aquelas estripulias: “Mas, tio, você gosta mesmo disso?!...”
Eu respondi com toda a sinceridade histórica que o momento merecia: “Meu filho, quando ‘isso’ começou a acontecer, eu tinha mais ou menos a sua idade. E nunca mais parei de ouvir e de gostar...”

segunda-feira, 13 de agosto de 2018




A PONTA GUIA

Eu procuro um complemento
Para adoçar os meus dias
Já cansei de viver só
Pois tenho a alma vazia
De projetos e momentos

Fazendo uma analogia
Com uma bússola de alma
Tento achar minha metade
E estou em busca da calma
Que traga paz e alegria

Devia ter iniciado
Nos tempos de mocidade
Antes de amadurecer
Mas procurar nunca é tarde
Mesmo no outono avançado

Fim, começo, tanto faz
Eu quero uma ponta guia
Que me oriente na procura
De uma boa companhia
Que o tempo custa, mas traz

Sigo em busca da bonança
Da laranja a outra parte
Para refazer os planos
Recheados de amor e arte
Com alegria de criança

E assim, transformar a vida
Numa trilha benfazeja
Cada momento uma prenda
É o que a gente sempre almeja
Quando a esperança é perdida

2018











SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 09/06/2017
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís-MA

THE HUNGARIAN JAZZ - ANTHOLOGY 1991
   
Quando o jazz chegou à Europa no início do século 20, ele encontrou um continente culturalmente e musicalmente dividido. Aos poucos, porém, os países e as regiões foram se rendendo à novidade trazida da América e, embora patrulhado por diferentes regimes políticos, ele floresceu e hoje é uma das suas marcas musicais mais importantes. É interessante notar que os países europeus possuem características jazzistas  diferentes, pois cada um impôs de alguma forma a sua personalidade nessa música universal. O jazz praticado na Hungria pode ser analisado de uma maneira superficial nesta coletânea que apresenta uma seleção de artistas e estilos de quase trinta anos atrás. Hoje a sua sonoridade está mais moderna, mas a característica de um jazz rápido e forte continua mantida. A Hungria é um pouco menor do que o estado de Santa Catarina  e a sua população é menor do que a da cidade de são Paulo, mas a quantidade grupos de jazz é maior do que em todo o Brasil, com um jazz de qualidade que pode ser conferido no programa desta semana.
  
Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

                                                                                                                                     

domingo, 12 de agosto de 2018





O ENCONTRO
(excerto)

Logo agora, todos ao sinais ficam vermelhos e todos os volantes de fim-de-semana resolveram sair para dar a sua voltinha.
Logo agora, todos os cachorros e todos os homens cruzam vagarosamente a rua em frente desta carcaça automotiva, como se nada mais existisse na sua frente ou na sua retaguarda – “sempre alerta!” – e até os escoteiros cismam em acompanhar todas as velhinhas ao longo de todas as avenidas – e eu disse ao longo, não ao transverso.
Pior do que ser escoteiro é ter um pai escoteiro.
Devo ter ouvido isso em algum lugar, pois isto é brilhante e eu não sou brilhante assim.
Este motorista palerma de bigode mal aparado não passa de vinte por hora para não tocar o auto em cima dessa gente toda, incluindo os insetos que se escondem nas fendas.
Afinal, os tanques de guerra fazem exatamente isso e ninguém protesta nem reclama – rádio, jornais e noticiosos de televisão apenas comentam à guisa de uma curiosidade mórbida.
Mas contra os tanques existem os lança-chamas e para mim já basta o calor deste dia e desta ardente espera.
E o calor desta dúvida – valeu mesmo a pena apanhar o táxi?