sábado, 30 de maio de 2020





Acho que este confinamento não está me fazendo bem...

PATOLOGISTA APAIXONADO
(Augusto Pellegrini)

Que belas córneas tens, oh meu amor!
Com que delicadeza teus brônquios ventilam!
Teus dentes incisivos riem com frescor
Tua bile e bom humor a mim me desopilam

Tens na epiderme a queratina exata
E no teu caminhar os glúteos balançantes
Tuas fossas nasais são limpas, delicadas
E tuas cordas vocais emitem sons vibrantes

Teu ressonar me lembra cataratas
Mas catarata os teus olhos não têm
Teu globo ocular há tempos me arrebata
E teu respirar asmático também

Quando te vejo inteira, em raio-x
Sinto desejos de ver teu ilíaco
Tua ressonância só me faz feliz
És meu remédio, sou hipocondríaco  

30/maio/2020



quinta-feira, 28 de maio de 2020






MIRAGEM

Segui uma estrela-guia
Noite afora, noite adentro
Até o raiar do dia
E quando o dia clareou
Ela se mesclou de céu

E o arco-íris distante
Andei até o fim da trilha
E para o meu desencanto
Ao dobrar a última esquina
Ele se mesclou de chão

Uma cigana me disse
Para eu seguir tal caminho
Mas antes que eu percebesse
Que tal caminho era rua
Ele se mesclou de beco

O velho sábio falou
Palavras que eu nunca ouvi
E quando em mim despertou
O desejo de segui-lo
Ele se mesclou de vento

O mar ruge contra as pedras
No vai-e-vem da maré
Mas quando menos espero
Ele ficou calmo e quieto
E se mesclou de lago

Vejo teu sorriso franco
No retrato aqui a meu lado
Mas depois de um breve encanto
Por distração ou descuido
Ele se mesclou de nada

Então sigo procurando
Por outras coisas concretas
Elas vêm, mas vão embora
Se mesclando de miragem
Nas minhas horas incertas

Set 2017






EXERCICIO DE CRIATIVIDADE

Exercitar a mente e a criatividade nestes dias de recolhimento pode ser uma boa forma de espantar o tédio e testar as nossas próprias habilidades.
Estou escrevendo aqui um trecho de uma história de ficção e convido ao Faceamigo para escrever o seu próprio final:

“Ele chegou, carrancudo e lentamente, afastando com a mão esquerda as touceiras que atrapalhavam o caminho, enquanto a direita segurava um facão de grande estatura.
Parou diante da porta de uma espécie de celeiro, olhou para os lados meio desconfiado e finalmente chutou a porta com a ponta da botina, deixando-a escancarada e boquiaberta.
Um pequeno farfalhar foi produzido do lado de fora, atrás de si.
Girou o corpo num gesto de defesa quando soou o estampido, e o homem caiu para trás com a violência do tiro, com um buraco rubro na testa.

SEGUE...”   




TESTE DE COVID
(Augusto Pellegrini)

Não sou médico, cientista, infectologista, bacteriologista, microbiologista, intensivista, virologista ou qualquer profissional voltado à área de saúde, mas costumo ler atentamente tudo o que eles comentam, ensinam e orientam a respeito dos cuidados que devemos ter no combate à pandemia do coronavirus.
Chamaram-me a atenção, por exemplo as diversas opiniões e pronunciamentos sobre a aplicação dos testes para a detecção do covid. Muitos dizem, inclusive a OMS, autoridades sanitárias e diversos secretários de saúde, que o ideal seria testar “toda a população”, o que me aguçou o pensamento e me fez pensar. Se não, vejamos.
É sabido que se alguém faz o teste, qualquer que seja o resultado, ele deve ser refeito, pois o primeiro resultado não é 100% seguro. Se der Positivo, e depois Negativo, pode significar que o sujeito estava doente e se curou; se der Negativo, e depois Positivo, pode significar que ele estava são e que a doença se manifestou somente no segundo teste. Pode significar também que um dos dois resultados está errado – ou ambos.
Se der Negativo nas duas vezes, isto não significa que o sujeito não tem a doença, pois como o período incubatório é de duas semanas, ele pode ter se contaminado há apenas alguns dias e se encontra assintomático na data do teste. Ou o teste, que pelo visto não é confiável, não acusou.
Quem estava doente ontem pode estar curado amanhã, e quem estava curado ontem pode estar contaminado amanhã, com ou sem o teste, isto é, o resultado dos testes não leva a nada absolutamente conclusivo.
A grosso modo, o Brasil deveria testar cerca de 210 milhões de pessoas. Isto é impossível pela absoluta falta de condições e logística, além da dificuldade de contarmos com tal quantidade de testes, mas imaginemos que a aplicação pudesse alcançar 50% da população, ou seja 105 milhões de pessoas.
Como o preço do teste pode variar de totalmente grátis até R$400,00, imaginemos que o preço individual final chegue à casa de 30% dos R$400,00 e teremos um valor estimado de R$120,00.
Pois bem, R$120,00 x 105 milhões de testes é igual a cerca de R$13.000.000.000,00 (treze bilhões de reais) que seria o valor investido para não termos certeza se a pessoa está infectada ou não, conforme observado no início deste artigo.

domingo, 24 de maio de 2020






EU TIVE UM SONHO

Entre outros escritos, eu tenho pronto para entrar no forno (ou sair do forno) um livro chamado “As Cores do Swing” (279 páginas), já formatado e revisado – mas não publicado – pela Editora Resistência Cultural, aqui de São Luís.
O livro fala sobre as origens do swing – estilo musical jazzístico - e explora os seus principais nomes – orquestras, títulos, biografias – seguindo esta temática apresentada na página 8:

Esta é a história de um símbolo americano, que representa a manifestação mais alegre e descontraída do jazz. É também a história que mais e melhor abriga o sentimento musical cultivado pelo povo norte-americano durante as décadas que marcaram a construção dos Estados Unidos como um dos líderes do planeta.
A importância do swing não deve ser medida apenas em termos musicais, pois o seu advento teve implicações socioeconômicas e culturais profundas, funcionando como um marco histórico e uma força motriz que integrou diversos pontos geográficos do país e movimentou diversas partes da sociedade americana.
O swing nasceu da necessidade da modernização dos arranjos das grandes orquestras – com a utilização racional de diversos instrumentos musicais – e da inclusão de diferentes elementos jazzísticos na música orquestral, e foi causa e consequência diretas da miscigenação racial presente na música norte-americana a partir da segunda década do século vinte.
Antes da chegada do swing, a música tocada nos Estados Unidos era fragmentada. Boa parte da América cultuava uma variante tipicamente negra, nascida no sul e fortemente impregnada pela alma do escravo liberto. Outra parte vivenciava uma música originalmente branca e culturalmente europeia, espalhada por outros pontos do país – especialmente no norte e nordeste – e influenciada pelas orquestras de concerto. As grandes regiões do centro-oeste cultivavam uma música brejeira chamada western country, originária da Irlanda, que servia de referência aos vaqueiros e à sua cultura campestre desde o século dezoito.
Com o swing a música americana se democratizou, e todos, brancos e negros, ricos e pobres, jovens e adultos, homens e mulheres, começaram a falar – e a dançar – a mesma língua”.

Pois bem, eu tive um sonho:
Sonhei que depois de quase dez anos após ter terminado o livro eu finalmente conseguia publicá-lo.
Em 2004 eu publiquei o livro “Jazz – Das Raízes ao Pós-Bop”, pela extinta Editora Codex – SP com abrangência nacional (atualmente fora do catálogo), e muita gente pediu para que eu fizesse uma nova edição revisada e atualizada, mas em seu lugar surgiu “As Cores do Swing”, menos didático e mais abrangente, mostrando exatamente o que eu queria transmitir aos leitores e ouvintes do jazz, pois foi escrito de uma maneira direta, simples, esclarecedora, curiosa e divertida.
Pois é, eu tive um sonho...