sábado, 6 de agosto de 2016





DOR DE COTOVELO

Aos 38 anos, e já com poucas perspectivas de ser algum dia chamado para defender a seleção brasileira principal, o goleiro Fernando Prass – ex-Grêmio, Coritiba e Vasco, e há três anos atuando pelo Palmeiras – exultou ao ser convocado para a seleção olímpica.
Aproveitando o regulamento que permite sejam incluídos no grupo de convocados até três atletas acima de 23 anos de idade, a CBF optou por trazer jogadores que além de adicionar experiência ao grupo sejam fundamentais em três setores nevrálgicos – o gol, a armação das jogadas e a lucidez e eficiência do ataque.
Para tanto vieram Prass, Renato Augusto, do Corinthians, e Neymar, do Barcelona.
O sonho e a responsabilidade de conquistar para o Brasil o único galardão que o país não possui – a medalha de ouro olímpica – deram a eles um alento especial, principalmente ao “veterano” Neymar, que chegou a abdicar da Copa América para poder fazer parte do grupo olímpico, que pode ser uma marca histórica na sua carreira e representa a possibilidade de restaurar o nome do Brasil dentro do seu território.
Estranhamente, Renato Augusto não foi titular no amistoso contra o Japão, mas Neymar mesmo sem brilhar mostrou a importância da sua presença não apenas se impondo como capitão do time como também pelo respeito que despertou na defesa adversária.
Fernando Prass não jogou. Pior: foi dispensado por motivo de contusão.
Uma fratura no cotovelo direito não apenas o tirou dos Jogos como também vai afastá-lo do Palmeiras presumivelmente até o final do ano.
É estranho que o goleiro não tenha feito um só treino com bola antes de acusar a contusão.
Se não houve jogo, queda ou choque do jogador com um companheiro da seleção, só resta uma alternativa: a contusão estava sob controle no seu clube e, embora se tratasse de algo sério, os preparadores físicos dosavam o tipo de exercício, sendo que na seleção pode ter havido algum esforço mais intenso nesta preparação.
Jogando pelo Palmeiras, Prass sabia como contornar o problema ao fazer as suas defesas, embora sempre acusasse um certo mal-estar no cotovelo fatídico.
Pelo bem ou pelo mal, a situação agora está resolvida, pois o goleiro já foi operado e aguardará o tempo necessário para voltar, infelizmente somente apenas a tempo de brilhar mais um ou dois anos antes de encerrar a carreira.
Para o seu lugar chegou Weverton, do Atlético Paranaense, 28 anos.
Muitas situações de corte às vésperas da estreia em Copas do Mundo fazem parte da história da seleção brasileira principal.
Em 1970, o atacante titular Rogério (Botafogo), contundido, cedeu seu lugar ao goleiro Leão (Palmeiras).
Em 1974, o goleiro Wendell (Botafogo) foi substituído por Waldir Peres (São Paulo), e Clodoaldo (Santos) saiu para a entrada do atacante Mirandinha (São Paulo) no grupo.
Em 1978, houve dois cortes por contusão pré-Copa: saíram Nunes (então jogando pelo Santa Cruz), para a convocação de Roberto Dinamite (Vasco), e Zé Maria (Corinthians), para a chamada de Nelinho (Cruzeiro).
Em 1982, o promissor Careca (Guarani) foi cortado e em seu lugar foi chamado Roberto Dinamite (Vasco).
Em 1986, Mozer (Flamengo) se machucou e Mauro Galvão (Inter) foi chamado. O volante Toninho Cerezo (Roma) também se contundiu e foi substituído por Valdo (Grêmio).
Em 1994 Mozer (desta vez jogando no Olympique) foi novamente dispensado, sendo chamado para o seu lugar Márcio Santos (Bordeaux). No mesmo ano, Ricardo Gomes (PSG) cedeu seu lugar ao zagueiro Ronaldo (São Paulo).
Em 1998 machucou-se Flávio Conceição (La Coruña) e foi substituído pelo lateral Zé Carlos (São Paulo); Márcio Santos (São Paulo) foi cortado para a chegada de André Cruz (Milan). Ainda em 1998, Romário foi cortado e substituído por Émerson (Grêmio).
Em 2002, o mesmo Émerson (agora jogando pela Roma) cedeu espaço para a chegada de Ricardinho (Corinthians).
Em 2006, o volante Edmilson (Barcelona) foi cortado na última hora e para o seu lugar foi chamado Mineiro (São Paulo).
Em 2010 e 2014 fez-se uma pausa no ciclo e não tivemos nenhum corte por contusão a dias da estreia na Copa.
Nos casos de 1970, 1994 e 2002, os jogadores cortados devem ter sentido uma certa dor de cotovelo ao ver seus substitutos ostentando a medalha de campeão do mundo, provavelmente ouvindo um samba-canção de Lupicínio. 

(Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 05/08/2016)



terça-feira, 2 de agosto de 2016







Crônica publicada no suplemento literário da Revista Poética Brasileira editada pelo jornalista, poeta, compositor e editor Mhario Lincoln e postada no site ACERVUM.COM.BR  


HISTÓRIAS DE PLÁGIOS

Augusto Pellegrini

Corria o ano de 1929. Era uma noite de fevereiro, e o compositor Noel Rosa estava muito zangado no seu quarto, pois sua mãe havia escondido toda a sua roupa para evitar que ele saísse para a boemia.
Para desabafar, o poeta compôs um samba, ao qual deu o título de “Com que roupa?” (“com que roupa que eu vou / pro samba que você me convidou?”), que viria a se transformar no maior sucesso daquele ano no Rio de Janeiro.
Dias depois, devidamente vestido, ele levou o samba para a apreciação do maestro Homero Dorneles, seu amigo.
Quando Noel começou a cantar – “Agora vou mudar minha conduta...” – o maestro, sentado ao piano, o interrompeu e falou:
“Noel, este samba não pode ser levado a público. Você acabou de compor o Hino Nacional!...”
De fato, a melodia e os acordes do samba eram exatamente aqueles que haviam sido feitos um século antes por Francisco Manuel da Silva.
Homero deu uma retocada na melodia e a música seguiu sua trajetória ilustre sem Noel correr o risco de ir parar nas masmorras de Getúlio Vargas.
Esta é uma das muitas histórias de plágio de música que se ouvem por aí.
Muitas vezes o plágio é inconsciente, pois o autor tem arquivado na sua memória alguma codificação musical que aflora à sua mente sem que ele se aperceba de que se trata de algo já existente. Ele pode até ter a impressão de que alguma coisa lhe soa familiar, mas tem a firme convicção de que se trata de uma criação sua. Deve ter acontecido com Noel.
Outras vezes o plágio é consciente.
Tom Jobim admite que os compassos iniciais do “Samba de Uma Nota só” (“Eis aqui este sambinha / feito de uma nota só / outras notas vão entrar / mas a base é uma só”) foram compostos tendo como base a introdução pouco conhecida de “Night and Day”, de Cole Porter (“Like the beat beat beat of the tom-tom / when the jungle shadows fall / like the tick tick tick of the stately clock / as it stands against the wall”).
Na verdade, Tom era um pesquisador musical, e buscava nas raízes da música, principalmente a brasileira, inspiração para seus temas ecológicos e campestres e nunca fugiu ao debate: ele afirmava que suas colocações incidentais não eram plágio, mas sim a prestação de uma homenagem.
Talvez seja esta a explicação pelo tema e para a divisão sincopada da música “Águas de Março” (“É pau, é pedra / é o fim do caminho / é um resto de toco / é um pouco sozinho”) que parece ter vindo  de “Água do Céu”, (“ É chuva de Deus / é chuva abençoada / é água divina / é alma lavada”, de J.B. de Carvalho, gravada em 1956 pela cantora Leny Eversong), que por sua vez fora adaptada de um ponto de macumba de 1933 – “É pau, é pedra / é seixo miúdo / roda baiana / por cima de tudo”.
O plágio, consciente ou não, acaba sendo alvo de processos judiciais que não raro terminam com o perdão do compositor que se diz lesado mediante o pagamento de polpuda multa e fica tudo por isso mesmo.
Não foi apenas Jobim que passou por essa saia justa, embora nunca tenha sido processado. A história relata diversos casos de plágios (comprovados ou não) que acabaram gerando grandes pendengas jurídicas.
Um dos casos mais famosos envolve dois roqueiros do primeiro mundo.
John Lennon teve que fazer um acordo extrajudicial com Chuck Berry (o teor do acordo permanece em segredo até hoje) por causa da melodia de “Come Together” (“Here come old flat top, he come / groovin’ up slowly / he got joo-joo eyeball / he one holly roller / he got hair down to his knee/ got to be a joker, he just do what he please”) muito semelhante à “You Can’t Catch Me”, de Berry (“I bought a brand-new air-mobile / it custom-made /   ‘twas a Flight De Ville / with a pow’ful motor / and some hideaway wings / push it on the button and you can hear her sing”).
Outro ex-beatle, George Harrison, também se viu denunciado ao compor “My Sweet Lord” (“My sweet Lord / hm my Lord / my sweet Lord / hm my Lord / I really want to see you / really want to be with you / really want to see you Lord / but it takes so long, my Lord”) , lançada em 1970, acusado de ter plagiado a música “He’s So Fine” (“He’s so fine / wish he were mine / that handsome boy over there / the one with the wavy hair / I don’t know how I’m gonna do it / but I’m gonna make him mine / the envy of all the girls / it’s just a matter of time”), gravada em 1962 por uma grupo feminino chamado The Chiffons.
Harrison jamais admitiu o plágio, mas mesmo assim teve que pagar ao autor de “He’s So Fine”, Ronald Mack, cerca de 400 mil euros de indenização para que o processo fosse arquivado.
O saxofonista Charlie Parker não tinha esses escrúpulos. Ele apanhava músicas consagradas do cancioneiro americano e as transformava fazendo releituras sofisticadas no estilo bebop, e assumia a paternidade simplesmente mudando o seu título. Mas fazia isto às claras, e nunca teve problemas com reclamantes na justiça.
Assim, “How High the Moon” (de Morgan Lewis) serviu como base para a sua “Ornithology”, “Indiana” (de James F.Hanley) inspirou “Donna Lee”, “Honeysuckle Rose “ (de Fats Domino) gerou “Scrapple from the Apple”, “Cherokee” (de Ray Noble) serviu de mote para “Ko-Ko” e “I Got Rhythm” (de George Gershwin) deu origem a “Confirmation”, entre outras.  
O máximo da homenagem, porém, parece ter sido aquela prestada pelos americanos George Forrest e Robert Wright com a canção “Stranger in Paradise” composta em 1953 para o filme “Kismet” (“Take my hand / I’m a stranger in Paradise / all lost in a wonderland / a stranger in Paradise / if I stand starry-eyed / that’s a danger in Paradise / for mortals who stand beside an angel like you ”), cuja melodia retratando esta primeira parte foi inteiramente copiada das “Polovtsian Dances” (“Gliding Dance of the Maidens”), da ópera “Prince Igor” composta pelo russo Alexander Borodin.
Muitos músicos estão envolvidos neste imbróglio, porque Borodin morreu em 1887 deixando a música inacabada, cabendo a Nikolai Rimsky-Korsakov e a Alexander Glazunov a sua finalização em 1890.
Como se vê, plágio também é cultura.