sábado, 30 de novembro de 2019






UMA NOITE SINISTRA
(Excerto)

E como se não bastasse, ainda esta dor de dente!
Dor de dente, dor de parto, dor de angina, dor nos rins, todas parecem juntas agora, colocando o pélvis, o costado e o peito num só padecimento e se concentrando no lado esquerdo do alto da boca, a língua grossa como uma esponja de lavar louça amortecida por aquela pomada preta e milagrosa – Um Minuto – o nome escrito na caixinha de papelão antiga e rústica.
Uma Cafiaspirina engolida com um gole de água morna junto com uma Neosaldina, depois um Buscopan e uma careta, e sigo em frente tateando como um cego, luzes multicoloridas acendendo e apagando no fundo da retina, meio morto, meio tonto e meio torto, da cozinha para o corredor, do corredor ao banheiro para uma rápida inspeção no espelho e depois rumo ao quarto para pagar o resto dos meus pecados.
Vontade de socar a cabeça no balaústre da escada nem que tudo possa vir abaixo, balaustrada, escada, sacada, e os vinte e tantos ossos da caveira, parietal, frontal, occipital, hospital.
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Tudo começou com uma bebedeira vespertina e depois veio a noite interminável com a insônia e seus correlatos, vagando pelos aposentos silenciosos até que surge a porta da geladeira encerrando mil delícias para a madrugada.
Eis um pedaço de goiabada piscando para mim num convite quase obsceno – muito bom apara repor o açúcar perdido – e então vem a primeira dentada e a primeira mastigada, e aí o nervo exposto do pré-molar produz aquela pontada fina e aguda que me encheu de cores.
O medo atávico do dentista rapidamente se transformou em amor à primeira vista e me sobreveio uma intensa saudade do doutor Jacinto apesar do ruído da broca, do jato de água gelada e do sopro do ar quente comprimido.
Se eu telefonar para você a esta hora e desatar o nó das minhas desesperanças, caro Jacinto, é bem provável que você me convide para uma consulta rápida e sem volta, um curativo, uma extração e depois um tiro na boca para que eu nunca mais venha a incomodá-lo nas madrugadas.
Cheguei ao fundo do poço. Nada poderá piorar meu sofrimento físico.
-0-0-0-
Parece uma profecia: chutei o degrau da escada.
Não só chutei a peça de granito e cimento com gosto e sem chinelo como fui lançado para o primeiro lance, os óculos se me escapando da cara e se projetando para cima de um vaso com um arranjo de artemijas e a barriga embicando contra a quina do quarto ângulo – a testa no sexto.
Com o polegar do pé em chamas, saio rastejando como um ápode no encalço dos óculos cujas lentes já se encontram tão opacas que francamente não faz mais o menor sentido tê-los ou não tê-los.
Acho que estou entrando em um plano astral só conhecido pelos faquires e outros autoimoladores orientais, este sim é o verdadeiro nirvana, se eu sobreviver a esta experiência vou pregar a Verdade em praça pública, vou elaborar um tratado sobre o efeito da goiabada cascão sobre a salvação eterna, a mais açucarada forma de purificação.
Agora, não há frio nem calor, as dores se transformaram numa dormência cálida enquanto eu sinto meu corpo se fundir com as lajotas do piso e o adormecimento chega enfim em forma de desmaio.
Somente a haste dos óculos me incomoda um pouco, pressionando a área compreendida entre a orelha e a fronte como um torniquete movido por um parafuso milimétrico.
O resto é sombras.      


quinta-feira, 28 de novembro de 2019







NOVOCABULÁRIO INGLÊS
(Copyright MacMillan)

(ver tradução após o texto)

BUSTITUTION

You arrive at the station, exhausted after work, to discover that your train has been substituted by a bus. You get on the bus and join a group of unhappy, complaining people. You’re another victim of BUSTITUTION, and as the bus drives slowly down the road, you know that your journey will take at least twice as long as usual.    

            “Britain’s biggest rail union has condemned the decision to replace Wolverhampton-Walsall local rail services with a ‘fast coach service’ from next April. The move, the first BUSTITUTION under new powers created by the 200 Railways Act, was confirmed in the SRAs Route Utilisation Strategy for the West Midlands.” (RMT.org.uk, 26th July 2005)
  

TRADUÇÃO

SUBSTITUIÇÃO DE TRANSPORTE COLETIVO
(Tradução adaptada)
Você chega ao terminal de ônibus depois de um dia cansativo de trabalho e descobre que o seu ônibus costumeiro foi substituído por um circular. Você entra no circular e se junta a um grupo de infelizes que se queixam o tempo todo. Você á mais uma vítima da SUBSTITUIÇÃO DE TRANSPORTE COLETIVO e enquanto o circular segue vagarosamente pelas ruas da cidade você tem certeza que a sua viagem vai levar o dobro do tempo normal.     

 “O maior sindicato de transportes da Grã-Bretanha condenou a decisão de substituir o serviço da linha Wolverhampton-Walshall por uma linha de ônibus “rápida” a partir do mês de abril. A mudança, primeira SUBSTITUIÇÃO DE TRANSPORTE COLETIVO da nova política de transportes feita pela 200 Railway Act, foi confirmada pelas autoridades de acordo com as novas estratégias implantadas para a região de West Midlands.” (divulgado pelo site RMT.org.uk em 26 de julho de 2005)

quarta-feira, 27 de novembro de 2019






SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 27/04/2018
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís-MA

HARRY CONNICK JR.

Considerado um dos artistas americanos mais brilhantes dos últimos trinta anos, o cantor, pianista, ator e apresentador de televisão Harry Connick Jr. chegou a ser considerado o sucessor de Frank Sinatra na preferência do público. Um recordista de venda de discos e em turnês pelo mundo, Connick alia um excelente piano-jazz ao estilo mix entre Thelonious Monk e Errol Garner a uma voz feita para cantar standards, o que faz dele o "one-man show" que todos apreciam. A gravação deste álbum foi feita em 1992, e Harry Connick desfila alguns sucessos como "Stardust", "After You've Gone", "Tangerine" e "Caravan" transmitindo muita balada e muito jazz, com a participação especial do pianista Elis Marsalis, do cantor Johnny Adams, do baixista Ray Brown e saxofonista Ned Goold.

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini
                                                                                                                                    





domingo, 24 de novembro de 2019



INFINITO

Teu infinito é misterioso como a noite
Mas tua noite infelizmente é bem finita
Em vão eu tento decifrar os teus açoites
Que me machucam e trazem caos na minha vida

Então procuro compreender esse teu lado
Que afirma coisas que de fato não existem
Assim, percebo que estou sendo ludibriado
E enfeitiçado por fantasmas que me assistem   

Eu sinto a mente esvaziar quando te vejo
Como se fosse dissolvida em puro ácido
E me sufoco ensandecido em meu desejo
Prevendo a morte como meu próximo passo

Meu infinito infelizmente não se cruza
Com tua linha paralela e bem distante
Somos dois corpos a vagar, que ninguém ousa
Aproximar, pois se repelem num instante

Teu infinito é misterioso como a morte
E como a morte nosso futuro é insondável
Nosso infinito não tem foto, só recorte
Feito de papel velho, sujo e inusável

Novembro 2019