AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 18 - AS RAZÕES DO DECLÍNIO
O jazz
não é
e jamais será uma arte musical estável.
A busca por
constantes novidades harmônicas, rítmicas e tonais, e a criatividade inata que
brota dos seus intérpretes e compositores sempre fizeram do jazz uma música
mutante.
Parece que os
artistas de jazz, admiradores confessos do passado, se mostram eternamente
insatisfeitos com o presente e a cada momento sempre estão procurando novas
fórmulas de expressão através das quais pretendem modificar o futuro.
Assim aconteceu
com a passagem do sincopado ragtime,
um “quase jazz”, para o stomp pesado
do estilo tradicional, que eles chamavam de “blues de New Orleans”,
e deste para o mais elaborado estilo dixieland-chicago. Assim foi também a transformação
do estilo chicago para o balançante swing,
promovendo a alteração do lineup dos
grupos com relação à quantidade dos músicos e ao tipo de instrumentos
utilizados, o que causou uma profunda mudança na sonoridade apresentada.
Assim também
aconteceu quando as orquestras se transformaram em pequenos combos (abreviação de “combination”, denominação dada a uma formação
de poucos músicos) para executar o bebop,
o que trouxe uma revolução tonal e harmônica que foi se transformando com o
passar do tempo. E assim continua, até hoje.
As mudanças na
música, especialmente no jazz, são inevitáveis e promovem alterações por vezes
sutis, por vezes profundas. Um estilo vai cedendo o seu espaço para outro de
forma gradual e sem muito alarde, e o caminho para o swing também foi pavimentado desta forma.
O swing se manteve soberano como a
principal música dos Estados Unidos por um período de vinte a trinta anos, a
partir do final da década de 1920 até o início dos anos 1950.
Antes do swing, as orquestras tocavam melodias
para dançar sem possuir o som e a pulsação característicos do jazz, e bandas
com um menor número de participantes tocavam músicas que remetiam ao estilo new orleans. Com o seu surgimento, o swing agiu nos dois sentidos, pois jazzificou
o som das orquestras de salão e modernizou o som das bandas de jazz
tradicional.
Apesar do curto
espaço de tempo de efetivo sucesso, o swing
se internacionalizou, levou a imagem e a cultura norte-americana para o mundo
todo, e exerceu uma considerável influência no comportamento e nos costumes das
pessoas.
Estas
mudanças ocorrem não porque as pessoas sejam volúveis e andem sempre à cata de
novidades. Elas decorrem da dificuldade que certos gênios inquietos –
inventores, artistas, pensadores, filósofos – têm em se acomodar às práticas
vigentes, e da necessidade da busca incessante pelo aprimoramento das coisas.
O
músico de jazz sempre teve por característica uma certa insatisfação em seguir partituras,
pois não se conformava em simplesmente reproduzir a música como ela havia sido
concebida pelo autor. Ele precisava colocar nela a sua marca pessoal e fazer
novos experimentos, quer num improviso arrojado, quer numa sequência harmônica
no limite do que havia sido composto ou até numa pausa mais prolongada.
Como
afirmava Ornette Coleman, um saxofonista pioneiro que às vésperas de 1960 fez
parte da criação do free-jazz, “o
executante de jazz não deve se prender àquilo que foi feito pelo compositor, mas sim criar a sua própria concepção sobre o
tema”.
Esta
pode ter sido uma declaração isolada e voltada para um tipo específico de jazz
– afinal, ele defendia uma tese sobre a interpretação do estilo free,
que propõe uma total liberdade na execução, alterando os intervalos, os tons e
a própria melodia de acordo com o feeling
do executante naquele momento – mas se observarmos atentamente, esta
preocupação com a liberdade de execução já existia desde que o jazz surgiu.
Trata-se de um enfoque filosófico que vem da consciência do músico de jazz,
esteja ele se referindo ao jazz tradicional, ao swing, aos estilos bop
ou aos sons mais contemporâneos.
Antes
de Ornette Coleman, músicos como Cecil Taylor e Albert Ayler já haviam feito
incursões atonais experimentais, que mais tarde seriam exacerbadas por cultores
do chamado happening, um jazz livre e
teatralizado que tem entre os seus principais executores o grupo Art Ensemble
of Chicago e a Arkestra de Sun Ra.
O
músico de jazz nunca teve como objetivo a expressão da música como arte pura;
ele busca novas formas de exprimir a música através do seu sentimento pessoal.
Além de compactuar
com a necessidade que os artistas tinham na busca de novas alternativas para
modernizar a interpretação da música, o jazz também enfrentava as mudanças
naturais surgidas com o desenvolvimento de novas tecnologias e de uma nova
mentalidade que tomava conta do cidadão americano e do mundo, e que ia se globalizando,
embora de uma forma bastante incipiente. Em resumo, as mudanças se processaram
com os avanços da tecnologia, com a necessidade de adaptação da sociedade às
novas regras de mercado – econômicas e sociais – e com a própria renovação das
ideias, dentro e fora do país.
Afinal, a geração
americana nascida no início do século vinte teve que enfrentar mais de vinte
anos absolutamente desiguais, pois após a década de apogeu dos anos 1920 –
embora incomodados pela Lei Seca – veio outra década que se iniciou com uma
profunda depressão, a dos anos 1930, o que modificou hábitos e filosofias de
vida, até se consolidar nos anos 1940, quando os Estados Unidos passaram efetivamente
a liderar o mundo livre.
O jazz, no caso
específico o swing, teve que conviver
com uma série de ajustes pelos quais a sociedade civil teve que passar.
A indústria
fonográfica, por exemplo, evoluiu tanto na qualidade de gravação quanto no que
dizia respeito ao artista no exercício da sua criatividade.
Quando esta
indústria tomou força, os discos, que eram reproduzidos na velocidade de 78 rotações
por minuto, não conseguiam acomodar músicas com pouco mais de três minutos de
duração, o que tolhia a liberdade e as possibilidades de criação do arranjador
e tornava quase impossível uma gravação de estúdio ter a mesma vibração que uma
apresentação ao vivo. Se a música não fosse “projetada” dentro desta limitação
de tempo ela não raro necessitava ser mutilada, o que muitas vezes comprometia
a qualidade e o brilhantismo do resultado final.