O CAOS É AQUI
(ARTIGO PUBLICADO NO
CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 28/05/2014)
Faltam
duas semanas para a partida inaugural da Copa 2014. Em outros tempos os grandes
centros do país estariam respirando um clima total de festa e de euforia, mas
alguma coisa não está de acordo com o programa, e muitas nuvens cinzentas
cismam em embaçar a paisagem.
Pode-se
culpar de tudo um pouco, mas o que parece é que a Copa chegou por aqui num
momento de conjunção astral inadequado.
O
súbito desassossego social é sem dúvida o fator dominante do frisson negativo
que paira no ar, pois funciona como um vetor para que as sombras se avolumem e
cubram as cidades-sede de temor e incerteza.
Vamos
– ou pelo menos deveríamos – receber milhões de turistas que fizeram suas
reservas usando a Copa como pretexto para viver as delícias do Rio de Janeiro,
Salvador, Fortaleza ou Recife, fazendo de junho-julho um grande carnaval. Mas a
Embratur informa com muita apreensão que a lotação dos hotéis ainda está 40%
abaixo do esperado.
Muitos
empresários do ramo de hotelaria construíram novas unidades ou ampliaram as
existentes, contrataram pessoas e modernizaram as estruturas na esperança de um
mês de sonho, mas estão esbarrando na situação até pouco impensada de um caos
completo que vai aos poucos tomando conta do país, com manifestações, greves e
violência.
Existe
um verdadeiro levante popular contra tudo o que se conhece, vê e imagina de
errado – movimentos que reivindicam melhorias salariais, exigências por uma melhor
educação, saúde e segurança, inflação em alta, corrupção nos meios
governamentais – e a Copa acabou entrando a reboque, como se a sua realização
fosse a única responsável por este estado de coisas.
Ingênuos
são aqueles que são contra a Copa apenas porque “o futebol é o ópio do povo” e
outras patacoadas do gênero. A Copa do Mundo é, em si, um evento esportivo
admirável e reconhecido através dos tempos, e é sempre motivo de orgulho para o
país que a patrocina. A gritaria não deveria ser contra a Copa, mas sim contra
os oportunistas espúrios que estão se aproveitando da ocasião para transformar
o evento em uma feira de negócios – e aqui eu me reservo o direito de não
declinar nomes, até porque todos sabem quais são esses nomes.
Os
políticos fazem do ufanismo, por um lado, e do desgoverno, por outro, as suas
plataformas de campanha, e o povo, entre manifestantes pacíficos, vândalos a
serviço de quem quer ver o circo pegar fogo e a população prejudicada na sua
mobilidade e segurança, aguarda o desfecho desta maratona que deveria se ater
apenas ao futebol, mas que movimenta todo o país de forma negativa como se
estivéssemos à beira de uma guerra civil.
Com
certeza a falta de conforto nos aeroportos, a mobilidade prejudicada ao redor dos
estádios, a ausência de uma rede de comunicação confiável e a exploração
turística em todos os níveis são os menores dos problemas.
Os
maiores problemas são a atuação de um Estado inerte que não sabe tirar vantagem
de um evento que tinha tudo para ser favorável, a falta de rigor no controle
dos gastos e a aquiescência tímida a todos os mandos e desmandos da Fifa, que
literalmente governará o país por um mês, pelo menos nas cidades que abrigarão
os jogos.
Restarão
como herança alguns estádios de primeiro mundo erguidos em terras de ninguém, sem
perspectivas de manutenção e com uma deterioração prevista em curto prazo (igual
ao que acontece com o Engenhão, construído para os Jogos Pan-Americanos de 2007
e hoje entregue ao Deus dará).
A
situação chegou a tal ponto que até antigos parceiros e entusiastas, como é o
caso de Pelé e de Ronaldo Nazário já estão abandonando o barco e revendo os
seus discursos, enquanto a Fifa não para de alfinetar e tratar o Brasil como um
país menor.
A
propaganda do Brasil no exterior, nesta era de internet e de redes sociais está
sendo a pior possível, misturando a triste realidade de um país de extremos a
uma ficção assustadora que toma feições de verdade.