sábado, 9 de novembro de 2013




A reunião do conselho

A reunião fora marcada para as 13 horas do dia 13, num sinal de respeito à numerologia, dado o tema nefasto proposto em pauta. Na extensa mesa se cumprimentavam e se sorriam uma dezena de cavalheiros já no outono da idade, todos protocolarmente vestidos de paletó e gravata, tendo à sua frente os inevitáveis copos com água, enquanto à cabeceira o Presidente do Conselho aguardava pacientemente que terminasse o arrulhar dos participantes para então pigarrear e dar início à sessão.
-  Bem, senhores, vamos começar a nossa sessão extraordinária para avaliarmos os estragos que estão sendo realizados nos diversos setores da sociedade. Conselheiro da Administração faça, por favor, uma explanação sobre a atual política de preços.
-  Senhor presidente, temos conseguido manter tudo fora do controle, conforme planejado. Atendendo à sua solicitação, estamos providenciando uma média de dez aumentos por mês nos preços dos combustíveis, assim tanto pagam aqueles que possuem veículos como os transportadores de carga e as donas de casa que não têm nada a ver com isso. Ah! Ia esquecendo – também majoramos as tarifas de telefone, água, correios e energia, para o mal estar geral, assim os comerciantes têm excelentes motivos para até triplicar o valor das mercadorias. Com relação aos impostos, faz-se necessário uma reunião especial com o Conselheiro da Fazenda, aqui ausente, para estabelecermos percentuais inalcançáveis e assim estimular ainda mais a sonegação.
-  Muito bem. E a inflação, como vai?
-  Está ótima. Pretendemos com a ajuda dos empresários alcançar a marca recorde de 400% ainda este mês. Com isso talvez consigamos atingir patamares sequer imaginados lá pra março do ano que vem.
-  E V.Exa. Conselheiro Político, o que tem a dizer?
-  Está tudo correndo como previsto, senhor Presidente. Teremos um fator complicador de grande impacto que deverá comprometer o resultado das próximas eleições. Conseguimos, através da imprensa e das bases partidárias, direcionar as intenções de voto para um terrível candidato da extrema direita – desses fascistas que prometem coisas impossíveis, apelam para a aparência pessoal e dão demonstrações ridículas da sua força física – e para um primata analfabeto de extrema esquerda com propostas cretinas e ultrapassadas e um grande projeto proletário para aparelhar o Estado, o que irá levar toda a sociedade, tanto vença um como o outro, a um caos completo e total, com um desgoverno que irá recompensar todo o esforço que já foi feito nesse sentido.
-  E como está o seu setor, Conselheiro da Saúde?
-  Estávamos preocupados com a queda da mortalidade infantil, senhor Presidente, mas já tomamos as devidas providências quanto a isso. Reduzimos em quase 90% a quantidade de vacinas e fechamos os postos de saúde mais requisitados, assim esperamos aumentar drasticamente a mortalidade para o próximo ano. Estamos também empenhados juntos à Medicina Social para que as condições dos hospitais públicos piorem consideravelmente, tanto no atendimento como no tratamento médico-hospitalar. Ah! Ia esquecendo: estamos trabalhando no sentido de ampliar os focos de cólera e dengue a aumentar as áreas de risco, estimulando a construção de palafitas junto à zona ribeirinha e o despejo de dejetos in natura.
-  Excelente. E o Conselheiro do Trabalho?
-  Estamos empenhados em fomentar mais greves nos setores essenciais, assim poderemos chegar muito em breve ao nosso objetivo, que é a paralisação total do país em todos os setores. Temos um acordo firmado com o Conselheiro da Justiça para que a intervenção policial seja a mais violenta possível, assim teremos bastante mortos e feridos e quem sabe até alguns atentados.
-  E quanto ao Conselheiro do Planejamento?
-  Já temos em andamento um plano nacional de desestabilização que inclui o colapso total de energia elétrica e distribuição de água em todas as grandes cidades. Estamos também enviando ao Conselheiro da Justiça um projeto que, se bem aplicado, conseguirá aumentar em 120% a taxa de criminalidade em todo o país, o que sem dúvida trará mais insegurança e desconforto a cada cidadão. Além do mais, mantivemos contatos com a cúpula dos maiores cartéis do mundo a fim de nos assegurarmos de que não faltarão drogas para o consumo e a deterioração da nossa juventude.
-  Muito bem. Alguém mais gostaria de fazer algum comentário?
-  Sim, Excelência – diz o Conselheiro do Interior – Com base nas expectativas do Conselheiro do Planejamento, acabamos de decretar um novo horário, que será diferente nas diversas regiões do país, que obrigará todas as pessoas a acordarem de duas a quatro horas mais cedo sem o menor sentido ou benefício, de modo a saírem por aí se espreguiçando, totalmente mal-humoradas e improdutivas, e provocando acidentes de carro ou de trabalho, para a nossa satisfação. Aumentamos também sistematicamente a quantidade de feriados, assim as empresas têm um prejuízo maior, o produto interno bruto cai e a vagabundagem desenfreada, que era um atributo de apenas uma parcela da população, vai se espalhar e ficar totalmente sem freios.
-  Senhor Presidente, gostaria de ter a palavra.
-  Pois não, senhor Conselheiro das Relações Exteriores.
-  Gostaria de cumprimentar os demais Conselheiros pelo esforço extraordinário que está sendo envidado para que a nossa crise seja cada vez maior, desejando que a desonra, o desrespeito e a impunidade estejam cada vez mais presentes no seio de cada família. Gostaria também de complementar informando que estamos mantendo contatos de alto nível com as forças do sobrenatural, de forma a trazer para cá as maravilhosas tragédias que assolam outros países e que por aqui, incompreensivelmente, quase não acontecem. Queremos terremotos, vulcões em atividade, tufões, tsunamis! Por que São Francisco e não a nossa capital? Por que o interior da China e não a região central do nosso planalto?  Porque as ilhas Salomão e não o nosso litoral? Só assim alcançaremos, após intensa luta, a nossa infelicidade total!  
Isto posto, o Presidente declara encerrada a sessão e todos se levantam e se retiram, uns torcendo pela queda da bolsa, outros pela escalada dos sequestros, outros pela escassez de alimentos, outros pelo aumento do desemprego, outros...

 

 

 

 

 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013


 
 
AS BIOGRAFIAS E A CENSURA FELIPENSE
 

Vou discorrer sobre dois assuntos diferentes, embora de certa forma correlatos, pois ambos tratam de uma distorção do comportamento humano. Ambos estão na pauta do dia e fazem parte das discussões de programas televisivos, das redes sociais e das mesas de bar.
Especialistas, jornalistas e cidadãos de outras diversas categorias concordam e/ou discordam, e todos têm seus argumentos para dar suporte às suas opiniões. Para mim, porém, os dois assuntos mostram que estamos vivendo uma época de profunda indigência moral.
Primeiro: antigos ícones se levantam contra o direito de historiadores e biógrafos cumprirem com o seu dever para com a humanidade, fazendo o registro histórico de fatos referentes às vidas das pessoas que fazem a História.
Esta indigência, que se baseia na defesa da privacidade, encontrou um paralelo no futebol – o segundo assunto – quando um jogador praticamente desconhecido no Brasil decidiu jogar por outro país, e teve o seu direito de escolha duramente criticado por um sujeito que procedeu exatamente da mesma forma há exatos dez anos.
Vou explicar melhor.
O primeiro parágrafo cita Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, ativistas culturais que levantaram a bandeira contra a censura e pela liberdade de expressão durante a época da ditadura militar. Não menciono Roberto Carlos neste pacote porque este sempre foi um alienado oportunista.
Estes senhores acompanharam o parecer do Rei da Juventude e buscam proibir na justiça qualquer biografia que não tenha a autorização do biografado.
De acordo com o biógrafo e cronista Ruy Castro, biografias autorizadas, se consideradas em conjunto, mascaram a verdade, adulteram o espírito real de uma época e transformam história em mentira literária.
O que conhecemos da história do mundo, do ser humano e das suas idiossincrasias sociais muito se deve ao que conhecemos dos personagens que fizeram a história – artistas, políticos, filósofos, conquistadores - cujas biografias não autorizadas nos dão a dimensão exata da sua participação na evolução do mundo.
Se Alexandre, Napoleão, Hitler, Einstein ou Charlie Chaplin tivessem escrito suas próprias histórias nós conheceríamos apenas uma parte das suas vidas.
O segundo parágrafo deste artigo fala sobre Luiz Felipe Scolari, técnico da nossa seleção. Este senhor é o mesmo que pediu dispensa da seleção brasileira após a conquista da Copa de 2002 para treinar Portugal em 2003. Lembre-se que Portugal poderia vir a ser adversário do Brasil na Copa de 2006, o que não aconteceu por mero detalhe.
Além disso, Felipão convenceu o brasileiro Deco (e depois Pepe, em 2007) a se nacionalizarem portugueses, e jamais passou pela sua cabeça que qualquer um deles pudesse ser taxado de antipatriota ou inimigo do Brasil.
É portanto bastante estranho e lamentável que Felipão, com este passado recente,  faça a montagem dessa encenação teatral – talvez para fazer média com os patrões da CBF – denunciando Diego Costa por ter se nacionalizado espanhol e “virado as costas para o seu país”.
Felipão convocou Diego para a Copa das Confederações, mas não lhe deu a menor chance e deixou bem claro que o jogador estava fora dos seus futuros planos. Esta pretensa convocação para os amistosos contra Honduras e Chile foi apenas um factoide necessário para desestabilizar o atleta, exaltar a CBF e criar um clima antagônico contra a Espanha.
Não se sabe se a seleção brasileira consegue inocular nos seus treinadores o vírus da arrogância e da falta de respeito ou se eles são escolhidos para o cargo exatamente por possuírem este perfil.