EXTRAVAGÂNCIAS DE VIAGENS
(excerto)
Cheguei.
A plataforma se estende por metros e metros,
e então finaliza em uma rampa que termina abruptamente num punhado de
pedregulhos cobertos por óleo e ungidos por ruídos. Chaves se movimentam,
preguiçosas. Há ainda algum vestígio de vapor embora os trens do Império tenham
sido trocados por locomotivas há um certo tempo.
O portão de ferro antes da rampa está
aberto com as pontas da grade para cima e todos passam silenciosos como nas
fronteiras, as crianças por baixo da catraca e as de colo por cima, os adultos
empurrando a portinhola com a barriga provocando aquele estalido que se parece
com o do portão do cemitério à noite quando se fecha. Ouve-se o mesmo guincho
estridente que se ouvia no século passado, os ratos se protegem das botinas e
os quadros de aviso sem leitores e sem avisos ficam só observando.
Assim também fazia o Fuehrer, tocava o
seu rebanho ao som de marchas e contramarchas, a mão estendida para ver se
chovia, até que choveram as bombas estreladas, e então mesmo aquela cruz
quebrada impressa sobre sangue perdeu a sua austeridade, mesmo os centuriões
perderam os seus escudos e as suas máscaras – as contra gases e as da
arrogância – e mesmo o som da marcha perdeu o seu repique.
Assim sempre foi e assim sempre será – a
ascensão e a queda dos terceiros reinos.
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Agora no hotel-pensão. Depois do banho
mal tomado vem a noite mal dormida que me faz virar e revirar na cama
desconfortável como um mártir na fogueira. Não sei se foi o sanduíche noturno, se
foram as doses mal digeridas ou se é o mal-acomodado do catre, mas a gente nem
dorme nem acorda, o corpo coça e a respiração sufoca. Bateu uma hora, uma e
meia, duas horas, duas e meia, onde estou? onde estou? onde estou?
O amanhecer é amargo, o corpo está doído
e suado, vem o café com leite no copo e o pão de ontem com manteiga e a gente
ouve gritos no corredor – “sete horas! sete horas!” – como se alguém estivesse
perguntando, como se alguém tivesse perguntado.
A poltrona de palhinha na recepção está
cheia de jornais amassados contando os falecimentos do dia e os nascimentos do
mês, as proposições do prefeito e as agressões na Câmara.
O hotel-pensão guarda um não sei o que
de orgulho, um não sei o que de empáfia, dizem que as cadeiras de palha ficaram
assim distantes desde que nela se sentou a bunda do imperador.
O velho telefone de gancho agora não passa
de um enfeite no recesso do corredor, e ao lado um rádio antigo com cara de
gente e de um quadro de chaves sem chaves completa a paisagem oitocentista que
combina perfeitamente com a cara do dono.
Lá fora, brilha o sol.
A praça me recebe com aplausos, mas os
bancos de madeira me recebem com reservas. O imperador me sorri do alto da sua
estátua, os engraxates me perseguem e os postes estão dormindo com seus olhos
apagados.
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Estação de águas, estação de trem,
estação de cargas, estação do ano, vou voltar para as minhas coisas antes que
eles me acusem de desdenhar da praça secular, de ameaçar a quietude do lugar, de
atentar contra o encanto do hotel-pensão ou de mijar na estátua do imperador.
O trem vai saindo.
Um último aceno ao imperador.