sexta-feira, 14 de abril de 2017




A GUERRA DA LIBERTADORES


O jogo Palmeiras x Peñarol disputado nesta quarta-feira em São Paulo veio reacender a velha chama da discórdia esportiva entre brasileiros e uruguaios, tema de colunas e comentários que se imortalizaram através dos anos pela pena de cronistas do quilate de Armando Nogueira, Nelson Rodrigues e do seu irmão Mário Filho, que deu seu nome ao Maracanã.
A fórmula da disputa é bastante conhecida, pois os uruguaios sempre se caracterizaram por muita catimba e por um futebol violento, e a partida se tornou explosiva por causa da mediação de um arremedo de árbitro que acabou sendo objeto de reclamações de ambos os lados.
A imprensa brasileira condenou o anti-jogo do Peñarol e a falta de pulso do árbitro equatoriano Roddy Zambrano Olmedo – guardem bem esse nome – em coibir essa prática e colocar ordem na casa. Em situações como a que vimos, a aplicação de um ou dois cartões amarelos teriam o condão de colocar as coisas no seu devido lugar.  
A imprensa uruguaia condenou o que eles chamam de “excesso de acréscimo ao tempo de jogo”, o que permitiu o gol da vitória brasileira aos 54 minutos do segundo tempo.
Não faltaram ofensas entre os jogadores, que variaram desde o popular xingamento antibrasileiro – desde o início do século passado nossos jogadores costumam ser chamados de “macaco” pelos “hermanos” sul-americanos – até a típica acusação brasileira de traição conjugal e o tradicional elogio feito às mães dos atletas uruguaios.
Não faltou também a pilha adicional colocada na partida antes mesmo de os times entrarem em campo, quando o polêmico Felipe Melo disse que já estava habituado a “dar tapa na cara de uruguaio”, referindo-se a uma briga no túnel do vestiário com o zagueiro uruguaio Diego López ao final de um jogo pelo campeonato italiano em 2009 – na época Melo jogava pela Fiorentina e López pelo Cagliari.
Depois deste 3x2, Palmeiras e Peñarol voltarão a se enfrentar em Montevidéu no próximo dia 26 e se os dirigentes não colocarem panos quentes em cima do clima de guerra podemos antever muita violência, ameaça da torcida e uma arbitragem caseira danosa aos brasileiros.
O momento atual do futebol uruguaio não é dos mais promissores, e o Peñarol não é nem sombra do que já foi no passado, mas tem o que se chama de “peso da camisa”.
O Club Atlético Peñarol é um clube com 125 anos de idade. Sua trajetória inclui 50 títulos nacionais, 5 títulos da Copa Libertadores, 3 títulos da Copa Intercontinental (Mundial de Clubes) e uma Recopa. Em 2009, a IFFHS (Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol) divulgou os resultados de um estudo controvertido que determinou os melhores clubes sul-americanos do século 20, e o Peñarol foi colocado em primeiro lugar, seguido pelo Independiente, da Argentina (os brasileiros se classificaram em 7º, 8º e 10º lugar, Cruzeiro, São Paulo e Palmeiras, pela ordem).
A imprensa uruguaia destaca as duas melhores formações do time uruguaio, a de 1966, que contava com os jogadores Mazurkiewicz, Pablo Forlán, Caetano, Pedro Rocha, Abbadie, Alberto Spencer e Joya, e a de 1981/1983, com Olivera, Morales, Bossio, Saralegui, Venancio Ramos, Rubem Paz e Fernando Morena. Em ambos os casos o esquadrão auri-negro foi campeão da Copa Libertadores e do Mundial Interclubes (em 1966 e em 1982), por coincidência dois períodos em que o futebol brasileiro não andava muito bem das pernas.
Apesar da leniência da Conmebol, tradicionalmente incompetente, e da verdadeira guerra promovida pela imprensa e pela torcida, os ânimos nas disputas pela Copa Libertadores estão atualmente mais calmos, muito provavelmente devido à exposição que as partidas têm através da televisão e dos modernos meios de monitoramento.
Mesmo assim, a caçada em campo é muito intensa e as simulações continuam constantes. Os árbitros são pressionados dentro e fora de campo e há rumores de que muitos sejam instruídos para fabricar resultados ou pelo menos serem coniventes com algumas irregularidades e implacáveis com outras, desde que atendam os interesses da confederação.
Voltando ao jogo de quarta, os uruguaios reclamam exatamente disso – o árbitro teria deixado a partida correr “até que o Palmeiras conseguisse assinalar o seu gol”, e os brasileiros comentam que sua senhoria teria permitido que os uruguaios batessem e paralisassem a partida demais.
O jogo de volta em Montevidéu terá características dramáticas. O Peñarol precisa vencer e vai ter que deixar de lado o lero-lero e partir para o ataque. O Palmeiras é mais técnico e se não entrar na catimba do adversário poderá sair do Estádio Centenário com uma vitória consagradora.




 (Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 14/04/2017)







DESVENTURAS DE UM FIM DE TARDE
(Segunda e ultima parte)

O zênite do dia havia ficado para trás já havia cinco horas e o sol estava finalizando o seu cruzeiro diário quando Parmênio e Zé Maria decidiram que já era hora de voltar para as suas casas, onde os esperava a peroração habitual.
Afinal, eles já haviam discutido tudo o que o conhecimento e a embriaguez lhes permitiram – fatos atuais sobre política e futebol, fatos de sempre sobre problemas familiares e fatos muito antigos e difusos, como conquistas amorosas nos áureos tempos em que a testosterona estava em alta – e haviam inclusive resolvido boa parte dos problemas do mundo.
O mar recomeçava a subir novamente em direção às pernas do bar, e o céu azul já adquirira uma cor de chumbo, exibindo lá no alto a mentirosa estrela D’Alva.
O garçom foi chamado para trazer a conta, e mais uma vez, da mesma forma como acontecera na semana passada no Bar do Agenor, a contagem das garrafas foi tumultuada, o que prenunciava uma nova mudança de local num futuro próximo.
“São vinte e três cervejas, duas porções de camarão e um queijo assado” – diz o garçom.
“Isto tá erraado!” – reclama Parmênio.
“Como pode, tudo isso, vinte e três cervejas, como pode?” – reforça Zé Maria, aparentemente um pouco mais sóbrio.
“Está errado, não” – replica o garçom. “É só contar: olhe aqui: cinco... dez... quinze... vinte, mais três, vinte e três”.
Parmênio contando, com alguma dificuldade: “Deixe ver... cinco, seis, sete... oito... oito... dez... sei lá... quinze!” – exclamou vitorioso como um aluno que passou na prova oral de matemática.
“Mais oito embaixo da mesa!” – retruca o garçom, apontando com o dedo.
“Será que a gente bebeu tudo isso?!” – questiona Zé Maria, entre o intrigado e o irritado.
“Bem, os senhores passaram quase o dia todo bebendo...” – justifica o garçom.
“Então traaz a penúltima, pra arredondar... hem... pra vinte e quatro, hehehe um bom número, hehehe!” – judicia Parmênio, orgulhoso por ainda ostentar o seu talento irônico e matemático.
“Vinte e quatro é um bom número só se for na sua terra, companheiro!” – contestou Zé Maria, dando três pancadinhas na mesa com o nó do dedo médio.
“E essa vem por conta da caasa!” – arremata o doutor Parmênio, ignorando a observação do amigo.
O garçom parte em busca da conta e da vigésima-quarta cerveja, fala alguma coisa em voz baixa com Ernesto, que está por trás do balcão. Ernesto assente com um gesto de cabeça, esperançoso que a dupla tome a última garrafa e vá embora sem provocar confusão, e lá segue a “penúltima” em direção à mesa, porque bêbado que se preza nunca toma a última – dá azar!
Terminada a operação penúltimo gole, a conta foi paga num ritual que demorou outros dez minutos – “deixa que hoje eu paago!” – “não, hoje é a minha vez!!” – “então eu boto cem reais!” – “não, cem é muito!!!” – “então deixa o camarão por minha conta!” – “não, é melhor rachar!” – e o garçom a tudo assistindo com uma expressão de Madona no rosto cansado.
Os dois amigos pagaram meio-a-meio, embolsaram o troco, também meio-a-meio e saíram trançando as pernas pela superfície irregular da areia em direção aos respectivos veículos.
Ao atingirem a avenida, Parmênio trombou de leve com um poste contendo uma placa de sinalização, que se interpunha imprudentemente no seu caminho.
“Que desgraaça é essa?” – berrou o médico.
A placa advertia os banhistas sobre o perigo da maré alta – pois quando ela começava a baixar podia carregar mar adentro algum aventureiro imprudente que estivesse naquela área, uma zona de convergência de correntes que abria uma espécie de vala sugadora por onde a água retornava com muita força para o centro do oceano.
Irritado com o trompaço no poste da placa, o médico aposentado passou a lhe dirigir impropérios e parece que ficou ainda mais irritado com a sua mudez, pra não dizer desfaçatez.
Zé Maria, em solidariedade ao companheiro, cismou que a placa estava no lugar errado, pois, raciocinava ele, ali não havia banhistas em perigo. A placa devia ter sido colocada na areia, não na calçada. Ato contínuo, deu um belo safanão com a mão na chapa de metal que, provavelmente indignada com a sua atitude, provocou-lhe um corte no dedo.
Parmênio e Zé Maria se zangaram ainda mais e começaram então a agredir o poste a pontapés como se estivessem enfrentando um adversário numa briga de rua.
A cada chute uma dor, e a cada dor a raiva aumentando.
À distância, o garçom do Ernesto e o próprio Ernesto a tudo assistiam impassíveis, e viram quando a viatura da polícia chegou e dois meganhas truculentos pegaram os dois amigos com a facilidade de quem carrega uma trouxa de roupa e os jogaram no banco de trás.
Sem mais delongas, o carro partiu em disparada, os pneus gemendo em uníssono com os gemidos dos dois senhores embriagados, que finalmente se deram conta da encrenca em que se haviam metido e começaram a sentir os hematomas e os cortes causados por tão rocambolesco episódio.
Doíam-lhes as mãos, os pés e a consciência. 



quarta-feira, 12 de abril de 2017




SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 10/04/2015
RADIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís-MA

A IMORTAL BILLIE HOLIDAY

O dia 7 de abril marcou a data do centésimo aniversário de nascimento da cantora Billie Holiday. Billie morreu muito cedo, aos 44 anos, mas pessoas como ela acabam virando imortais, como bem exemplifica o título do álbum que o Sexta Jazz apresenta nesta noite de sexta-feira: "A Imortal Billie Holiday". Billie conseguiu uma façanha que apenas uma privilegiada parcela de cantores consegue, a de ser amada quase como unanimidade, mesmo por aqueles que não cultivam o jazz e o blues como "música de cabeceira". Billie Holiday revolucionou o modo de cantar, compensando um pequeno volume de voz com muita técnica vocal, muita emoção e uma interpretação absolutamente autêntica. O programa mostrará uma coletânea de gravações da cantora abrangendo um período que vai de 1936, nos primeiros anos da sua carreira , até 1958, um ano antes de morrer. Billie canta acompanhada por músicos do mais fino quilate, como Teddy Wilson, Lester Young e "Hot Lips" Page entre outros.  

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini


terça-feira, 11 de abril de 2017







SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 09/09/2016
RADIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís-MA

TOOTS THIELEMANS - HARMONICA JAZZ

Há precisamente duas semanas o jazz perdia um dos seus maiores talentos, sem dúvida o seu maior talento em se tratando da execução da harmônica, mais conhecida no Brasil como gaita de boca. Seu nome: Toots Thielemans. Assim, com quinze dias de atraso, o Sexta Jazz presta uma homenagem a este extraordinário artista, apresentando aquele que é sem dúvida um dos seus melhores álbuns, denominado "Harmonica Jazz", lançado em vinil em 1954 com o nome de "Scotch on the Rocks". O disco combina baladas interpretadas com muito lirismo com um bebop buliçoso, acentuado pelo som inconfundível de Thielemans que toca harmônica e guitarra, secundado por um time escolhido sob medida, com destaque especial para o naipe de saxofones e clarinetas, pela  guitarra de Tony Mottola e pelo piano de Ray Bryant.  
  
Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini


segunda-feira, 10 de abril de 2017





DESVENTURAS DE UM FIM DE TARDE
(primeira parte do conto)


A maré baixa colocava o mar lá na lonjura, e uma imensa faixa de areia úmida separava a água esverdeada – que no momento se apresentava tranquila, parecendo uma imensa lagoa – dos bares rústicos de madeira construídos sobre a duna.
O céu totalmente azul dispensava qualquer nesga de nuvem, e o sol assoprava o seu bafo quente sobre a pictórica paisagem tropical.
Espalhados pela areia podiam ser vistos pequenos restos de coisas que o mar havia vomitado antes de começar o seu recuo, num fenômeno que se repetia a cada dia por incontáveis séculos.
A orla estava quase deserta – afinal era uma terça-feira, três horas da tarde – e poucos boas-vidas tinham tempo para se aventurar a uma caminhada na praia ou a um instante de lazer debaixo daquela quase brisa que soprava para reduzir o calor. Algumas crianças aproveitavam a calmaria da orla para brincar, acompanhadas por senhoras maduras com cara de avó. Um ou outro cachorro exercitava sua corrida pouco olímpica à cata de gravetos atirados pelos guris. Um velho senhor fazia meias flexões até onde sua coluna dorsal podia aguentar.
O bar da praia também estaria vazio, não fossem as presenças de um casal que trocava confidências numa mesa distante e de dois inseparáveis amigos, que tendo chegado àquele paraíso ainda pela manhã enfileiravam sobre e sob a mesa uma quantidade razoável de garrafas de cervejas.
Zé Maria era um bancário aposentado que há tempos convencera sua mulher que, por determinação médica, necessitava de caminhadas na praia pelo menos duas vezes por semana – e o fazia religiosamente todas as terças e quintas-feiras, sob a supervisão do próprio médico, chamado Parmênio, também aposentado.
Zé Maria também costumava fazer pelo menos uma caminhada diária até a padaria próxima da sua casa com a missão sagrada de abastecer a família com o pão de cada dia, e em lá estando aproveitava para abrir duas ou três latinhas do seu ouro líquido, o qual emborcava em menos de dez minutos. Ele considerava fundamental este aquecimento diário – embora gelado – para manter a forma.
Seu companheiro de mesa no bar da praia era exatamente o seu antigo clínico geral, que às vezes Zé Maria chamava enfaticamente de doutor Parmênio, em homenagem à sua vida hipocrática pregressa. Parmênio costumava dizer que a melhor cura para o estresse, esta inconveniência moderna que pouco a pouco vai minando a nossa capacidade vital, era espairecer e conversar com amigos, de preferência fora do ambiente doméstico, quebrando a tensão com uma cerveja gelada e deixando os problemas do lado de fora do bar.
A cumplicidade dos dois amigos era, portanto, filosófica e fortemente sedimentada em cevada e lúpulo, e uma amizade fermentada dessa forma só podia fortalecer.
Quanto à caminhada, o doutor fazia questão de acompanhar diligentemente o seu paciente, e ambos percorriam a pé cerca dos trezentos metros desde o local onde estacionavam os seus respectivos carros até o bar que normalmente lhes servia de santuário, pois não havia meio de entrar na praia conduzindo os veículos.
Eles costumavam fazer seu ponto de encontro na Barraca do Agenor, mas uma desavença ocorrida na última semana por causa da contagem das garrafas fez com que eles se mudassem para outro bar um pouco mais distante – o Cantinho do Ernesto – tendo que estacionar em outro lugar e caminhar talvez alguns cem metros a mais, “o que era bom para a saúde”, de acordo com o competente Parmênio.

(a segunda parte será publicada depois)




SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 09/10/2015
RADIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís-MA

PHAROAH SANDERS - WELCOME TO LOVE 

Saido dos grupos de John Coltrane nos meados dos anos 1960, Pharoah Sanders emergiu na cena jazzística como um instrumentista de múltiplas harmonizações, aliando um feeling impressionista a uma técnica soberba. Seu porte e sua facies interpretativa lhe valeram do músico Sun Ra o apelido de Pharoah - Faraó - e um elogio de Ornette Coleman, que o considerava "provavelmente o melhor sax-tenorista do mundo". Pharoah Sanders   possui um sopro ao mesmo tempo robusto e melodioso, passeando pelo hard-bop e pelo pós-bop com a mesma fluência com que ingressa na área do free-jazz, do world-fusion e do jazz de avant-garde. Nesta audição ele impõe um estilo lírico e romântico, fugindo um pouco das suas características de vanguarda, e tem a companhia do pianista William Henderson, do baixista Stafford James e do baterista Eccleston W.Wainwright .  

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini