sábado, 15 de agosto de 2020

 



AS CORES DO SWING
           (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 7 - AS CORES DO SWING - Final


Buscando criar uma sonoridade diferente daquela que se ouvia na época, Glenn Miller inovou, colocando o clarinete como líder do naipe dos saxofones e fazendo-o tocar em uníssono com o sax-tenor, o que fez com que a orquestra adquirisse um som especial, suave e aveludado, principalmente nas músicas mais lentas. Diz a lenda que isto teria acontecido por acaso, quando o saxofonista líder machucou a boca durante um ensaio e os músicos tiveram que ser remanejados.

Quando a guerra recrudesceu, Miller trocou o paletó de gala pelo uniforme militar e se engajou nas forças armadas com a patente de capitão, formando a Glenn Miller Army Air Force Band, que durante dois anos fez mais de oitocentas apresentações para os soldados americanos na frente de batalha.

Nesses anos todos a sua popularidade ofuscou todos os outros bandleaders, inclusive Benny Goodman, lhe valendo um disco de ouro pela gravação de “Chattanooga Choo Choo” (Harry Warren e Mack Gordon) e, a exemplo de Harry James, a participação em alguns filmes de Hollywood, como “Orchestra Wives” e “Sun Valley Serenade”.

Em dezembro de 1944, o avião no qual Miller viajava de Londres para Paris desapareceu em pleno voo por sobre o Canal da Mancha, encerrando de maneira trágica a carreira de um músico que ajudou a construir uma parte importante da história da música norte-americana e que foi pranteado como herói.

No entanto, em que pesem as qualidades de Dorsey, Shaw, James, Miller e todas as outras bandas extraordinárias das décadas de 1930 e 1940, a orquestra de Benny Goodman é considerada pelos críticos especializados como a mais perfeita banda de swing, sendo a principal responsável pela forma com que o estilo se consolidou nos Estados Unidos e também no mundo. Pode-se afirmar que Benny Goodman conseguiu levar adiante a chama do swing durante mais de trinta anos, mesmo depois que outras orquestras desistiram e que outros estilos modernizaram e elitizaram o jazz, levando-o dos salões de danças para as salas de concerto.

Muitos críticos afirmam que a versatilidade de Goodman e a sua intimidade com o clarinete eram devidas à associação feita entre a música clássica e os pioneiros de Nova Orleans. Tocando uma música que continha um charme insuperável e uma alegria insuspeita, Goodman transformou o aspecto comercial das bandas de simplesmente dançantes para um jazz – por sinal, também dançante – de alta qualidade.

Benny Goodman começou a se apresentar em público em 1921, quando tinha onze anos, imitando o clarinetista Ted Lewis no Central Park Theater em Chicago, e a partir daí tocou numa banda de colégio chamada Austin High School Gang da qual faziam parte outros adolescentes que mais tarde se transformariam em excelentes músicos de jazz, como o trompetista Jimmy Mc Partland (eventual “substituto” de Bix Beiderbecke na opinião dos críticos), o saxofonista Bud Freeman e o trombonista Frank Teschemacher.

Depois, Goodman tocou com o próprio Bix e participou de gravações feitas pelas orquestras de Ben Pollack, Ted Lewis e Paul Whiteman, antes de decolar na sua carreira brilhante.

Benny Goodman resgatou a dignidade do clarinete quando o jazz já prescindia do instrumento – e isto também vale para Artie Shaw – deixando para trás na preferência do público jazzista muitos clarinetistas importantes, como Sidney Bechet, Johnny Dodds, Jimmy Noone, Buster Bailey, Barney Bigard e Jimmy Hamilton.

 

 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

 



AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 7 - AS CORES DO SWING
            (Continuação)

O universo do swing era amplo e generoso, e as bandas se multiplicavam fazendo um espetáculo de som, luzes e cores, além – é claro – de muita dança.

Da mesma forma que as orquestras mais qualificadas (de acordo com os críticos) lotavam os salões das grandes cidades, também aquelas tidas como “menores” conseguiam reunir um público expressivo nas suas apresentações, o que parecia demonstrar que o público apreciador do swing não estava só à procura de jazz, mas também de diversão.

As orquestras de maior apelo popular e de maior aceitação entre as gravadoras eram as de Tommy Dorsey, um trombonista que viera do jazz tradicional, onde dividira o palco com Louis Armstrong, Jack Teagarden, Mezz Mezzrow, Red Allen, Eddie Condon e outros; de Artie Shaw, um clarinetista sofisticado que não dispensava a presença das cordas em alguns arranjos de swing; de Harry James, um trompetista de sopro forte e aveludado que levou o swing para as telas de Hollywood; e a de Glenn Miller, um trombonista de orquestra que se transformou num excelente band leader e compositor, e encarnou o espírito americano na Segunda Guerra Mundial. No entanto, foi a orquestra de Benny Goodman – a melhor, na concepção da maioria dos críticos,  – que veio para consolidar de vez o swing dentro do jazz e se tornou a preferida do país durante as décadas de 1930 e 1940, até que o bebop chegasse como uma alternativa pós-guerra e modificasse o espírito do jazz, tornando-o intimista e intelectualizado.

Tommy Dorsey era conhecido como “o cavalheiro sentimental do swing” embora na verdade pouco tivesse de cavalheiro ou de sentimental. Tommy Dorsey era ranzinza, briguento e beberrão, e do seu mau gênio nem seu irmão mais velho, Jimmy Dorsey, se livrava.

Musicalmente, porém, ele arrasava. As tardes de domingo nunca foram as mesmas desde que Dorsey estreou no Paramount Theater, lotado de adolescentes que não podiam ver de perto as suas bandas preferidas, pois a maioria tocava à noite. A verdadeira loucura que tomava conta dos jovens novaiorquinos era uma prova eloquente do carisma e do “punch” da orquestra.

Tommy era um trombonista que tocava seu instrumento de uma maneira bem comportada e que também executava o trompete com qualidade. Entre 1928 e 1935 ele dividiu com o seu irmão Jimmy (saxofonista-alto) a Dorsey Brothers Orchestra, que fez uma série de gravações e apresentações até que as constantes brigas entre eles forçaram a separação e a divisão da orquestra em duas.

A orquestra de Tommy foi mais bem sucedida do que a de Jimmy, mas ambos seguiram suas carreiras individualmente sem maiores problemas (eles se juntariam de novo em 1953 e tocariam juntos até 1956, quando a parceria foi novamente desfeita, desta vez devido à morte de Tommy).

A música popular americana ganhou um precioso reforço quando Artie Shaw, fascinado pelo som de Nova Orleans, decidiu enfrentar o desafio de adaptar o estilo meio erudito do seu clarinete ao jazz.

Desde pequeno, Shaw ouvia com regularidade os compositores Stravinsky, Bártok, Ravel e Debussy, o que viria mais tarde influenciar decisivamente na concepção dos seus arranjos. Desde cedo, também, ele se confessava um grande admirador de Louis Armstrong. Quando jovem, Artie Shaw não perdia a oportunidade de ver Armstrong nas sessões vespertinas do Savoy Ballroom, em pleno bairro negro do Harlem.

Shaw era judeu, e os judeus não tinham tanta implicância com os negros, pois eles também sofriam a sua parcela com a discriminação por parte dos brancos católicos e protestantes. Ele frequentava os guetos negros com muita naturalidade, na medida em que os negros lhe transmitiam os fluidos positivos da sua música.

No início dos anos 1930, a orquestra de Artie Shaw era apenas uma orquestra coadjuvante no panorama musical da cidade, e não estava entre as mais famosas. Para se ter uma ideia, em 1934 ele tinha um contrato para fazer o fundo musical para as orquestras de ponta, colocando os seus músicos por detrás das cortinas do palco para tocar suas canções enquanto a atração do dia – Tommy Dorsey, Casa Loma ou Bob Crosby – se preparava para tocar.

Quando finalmente explodiu, em 1936, Artie Shaw surpreendeu o mundo das orquestras com a apresentação de músicas ao mesmo tempo fortes e melódicas.

Artie Shaw revolucionou o próprio swing, pois não se limitou a executá-lo da maneira convencional como todos o faziam. Ele trouxe para a orquestra alguns elementos caribenhos como o beguine, ritmo criado nas Ilhas Martinica e Guadalupe, e alcançou um enorme sucesso com a música “Begin The Beguine”, criação do compositor Cole Porter, composta quando Porter se encontrava em uma viagem de turismo na Indonésia e nas Ilhas Fiji em 1935.

Shaw também foi um dos primeiros bandleaders brancos a contratar uma cantora negra – nada menos do que Billie Holiday – para fazer parte efetiva das turnês da sua orquestra, o que lhe causou muitas dores de cabeça quando das suas apresentações em hotéis de luxo ou nos clubes da moda.

Outra orquestra que se transformou em uma coqueluche para o público foi a de Harry James.

James passou por diversas orquestras, entre as quais Ben Pollack e Benny Goodman, como leading trumpet, e o som inconfundível do seu instrumento era claramente reconhecido mesmo quando tocava ao lado dos músicos do seu naipe. Esta particularidade o animou a buscar seu caminho como líder de orquestra, montando seu próprio grupo em 1939.

A história daria razão à sua decisão. Afinal, além dele poucos músicos entre toda a miríade de trompetistas de jazz marcaram a sua presença com um som tão expressivo.

A orquestra de Harry James não se limitou aos salões ou às excursões, como praticamente o faziam as demais big bands. Ela enveredou pelos caminhos do cinema, participando de diversos filmes a partir de 1944 – “Carnegie Hall”, “Bathing Beauty”, “A Miracle Can Happen”, “Young Man With A Horn”, “The Big Beat” e “The Ladies Man” – que foram grandes sucessos de bilheteria e que ajudaram James a projetar seu nome em todo o mundo.

Harry James tocava um “swinging jazz” forte e empolgante, da mesma forma em que conseguia produzir canções e baladas de grande beleza, ocasião em que se assemelhava às antigas orquestras convencionais que ainda agradavam parte da massa popular.

Já a orquestra de Glenn Miller pode não ter sido a melhor banda de swing nos seus anos áureos, mas foi com certeza a que mais se identificou com o sentimento americano, pois além de fazer uma música alegre e de fácil compreensão, o que agradava indistintamente a todos os ouvidos, ela encarnou como ninguém o patriotismo de um país envolvido numa guerra em três continentes.

Glenn Miller era um trombonista de razoáveis recursos técnicos que em 1927 fazia parte da orquestra de Ben Pollack e na primeira metade dos anos 1930 se destacou como músico free-lancer e arranjador. Miller formou sua orquestra em 1938 e a partir daí colecionou sucessos, numa época em que o swing dominava o panorama musical dos Estados Unidos.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

 



SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 23/02/2018
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís-MA

THE NEW YORK-MONTREUX CONNECTION

The Newport Kool Jazz Festival é um dos mais consagrados festivais de jazz dos Estados Unidos, e a sua primeira edição se deu em 1954. A partir de 1972 ele sofreu uma alteração no seu formato e vem sendo apresentado em outras cidades, o que aconteceu em 1981 quando o palco foi Nova York. Já o Montreux Jazz Festival começou a ser apresentado em 1967 na cidadezinha ao lado do Lago de Genebra - Suíça - que lhe deu o nome, e é sinônimo de qualidade com referência em todo mundo. Este programa retrata algumas músicas que fizeram parte dos dois festivais, com a feliz combinação de três extraordinários saxofonistas - Paquito D'Rivera, Phil Woods e Arthur Blythe dividindo o palco em Nova York e os grupos do trombonista Slide Hampton e do pianista McCoy Tyner se apresentando em Montreux. No programa, as baladas "Lover Man", "You Leave Me Breathless" e "Lush Life" tocadas em "medley", a linha do bebop representada por "Ornithology" e "The Hot House" e a surpreendente "Rotunda", executada numa linha ultra-moderna para a época.  

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

                                                                                                                                    





AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 7 - AS CORES DO SWING
(Continuação)

É interessante lembrar a orquestra de Lucky Millinder, que não era músico nem sabia ler música, apenas trabalhava ocasionalmente como cantor. Mesmo assim, Millinder dirigiu a Mills Blue Rhythm Band durante toda a década de 1930. A orquestra foi batizada em 1931 por um dos seus criadores, Bingie Madison, em homenagem ao seu primeiro manager, Irving Mills (aquele mesmo que trabalhava com Duke Ellington). O estilo da orquestra era fundamentalmente dançante e chegou a receber o rótulo de black swing, embora paradoxalmente se assemelhasse mais com a música das orquestras brancas. A partir de 1940, já consolidada, adotou definitivamente o nome de Orquestra Lucky Millinder.
É claro que Jimmie Lunceford, conhecido como “o pai do downbeat”, também teve muita importância na consolidação do swing, quase do mesmo tamanho da importância de Fletcher Henderson, até porque ambos galgaram o mesmo sucesso durante os anos 1920. A música de Lunceford adquiriu um largo significado desde antes da Depressão até a sua morte, em 1947. Seus arranjos eram feitos pelo inspirado Sy Oliver e serviram de modelo para muitas orquestras que apareceriam depois, especialmente a de Billy May, que tocava literalmente o estilo “bounce” (saltitante) criado por Lunceford.
A orquestra de Lunceford não se tornou famosa apenas pela qualidade individual dos seus músicos, embora todos fossem excelentes, mas principalmente pelo resultado obtido pelo conjunto, pelo traje, pela aparência dos componentes e pela precisão teatral com que fazia as suas apresentações. Ela era chamada de “orquestra-show”, na qual os músicos executavam coreografias circenses, como atirar os instrumentos para o alto e mudar de posição durante a música, movimentando-se constantemente sobre o palco. Cantar, dançar e sapatear eram as outras atribuições dos músicos de Lunceford, de onde vem o termo “bounce” que define o seu estilo.
Entre todas as orquestras negras, no entanto, uma se sobressaía em especial, mostrando um estilo que não era definitivamente swing, apesar de ser também swing. Era uma música que traduzia ao mesmo tempo uma inventividade sinfônica, um ritmo forte, inovações constantes e principalmente um marcante sentimento de blues. Esta era a orquestra de Duke Ellington.
Ellington, que emocionava ouvintes e artistas, manteve no seu grupo alguns músicos que tocaram juntos por quase toda a vida – alguns por cerca de cinquenta anos – imprimindo um estilo inconfundível que variava da jungle beat à balada, do jazz sinfônico à música dançante e do mais puro blues às suítes temáticas, chegando a fazer no final da carreira experimentos sinfônicos com o free jazz.
Por outro lado, havia as orquestras “brancas”, que faziam um swing de aspecto um pouco mais comercial, talvez para que o estilo fosse melhor assimilado pelo público que não possuia uma referência jazzística. Algumas dessas orquestras, no entanto, conseguiram se superar, mostrando uma qualidade jazzística insuspeita.
Do início dos anos 1930 até a primeira metade dos anos 1940, faziam parte das paradas algumas das mais famosas bandas jamais formadas nos Estados Unidos – todas elas “brancas” – famosas de costa a costa e também no exterior, como as orquestras de Tommy Dorsey, Benny Goodman, Harry James, Artie Shaw e Glenn Miller.
Também fizeram parte do panorama musical algumas orquestras que produziam um swing animado, mas que não haviam conseguido se livrar totalmente do sotaque do dixieland ou do estilo chicago, entre as quais as bandas de Ben Pollack e de Bob Crosby (and His Bob Cats).
Bob Crosby foi um grande sucesso dos salões até o início dos anos 1940 e depois prosseguiu como astro de TV com o seu Bob Crosby Show na CBS e na NBC até o final dos anos 1950. Ben Pollack, que era cantor, imprimia um estilo vocal semelhante ao de Bing Crosby (irmão de Bob), e quando cantava conseguia disfarçar um pouco o aspecto tradicional da sua música.
Havia também Isham Jones, que era um bandleader austero e saxofonista seguro, e cuja música tinha uma alegria contagiante que contrastava com o seu temperamento e a sua personalidade. Jones fez muito sucesso em Nova York desde o início dos anos 1920 até 1936, quando abandonou a carreira por problemas de saúde e se aposentou numa pequena fazenda no Colorado. Woody Herman, que tocava clarinete e saxofone na orquestra de Jones, assumiu o comando dos músicos e deu ao grupo uma característica orquestral sólida e madura, com arranjos arrojados para a época.
Temos também a Orquestra Casa Loma, que decolou depois que Glen Gray assumiu os arranjos e criou uma identidade a partir de 1930. Ela tinha como marca registrada a elegância dos músicos, impecavelmente vestidos a rigor. O swing tocado pela orquestra possuía um “staccatto” criado pelo guitarrista e banjoísta Gene Gifford, que também era arranjador do grupo. Mas a insegurança de Gifford fez com que a orquestra perdesse a identidade e um pouco do balanço original.
Outra orquestra “branca” de respeito era a conduzida pelo saxofonista Charlie Barnet. Barnet trabalhava numa linha que buscava as nuances de Duke Ellington, e nunca procurou esconder que, de fato, devotava uma grande admiração pelo maestro. A música de Barnett continha traços dos arranjos, do ritmo e das alterações harmônicas típicas de Ellington.
Entre as orquestras que faziam grande sucesso em Nova York, havia uma que atendia pelo pomposo nome de Kay Kyser and His College of Musical Knowledge, e também duas bandas exclusivamente compostas por mulheres – um autêntico desafio ao machismo da época – que eram a International Sweethearts of Rhythm (uma orquestra comandada por uma cantora negra de nome Consuela Carter), e a Ina Ray Hutton and Her Melodears, conduzida pela louríssima Ina Ray, que cantava, dançava e sapateava.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020





ALEGRE DESPEDIDA 
1978
(Samba de Augusto Pellegrini e Luís Albuquerque)

Nem mesmo foi preciso que você falasse
Havia um pressentimento dentro de mim
Há muito, na expressão de sua face
Senti que o nosso amor ia chegando ao fim

Hoje, para encontrá-la eu quase não vim
Pois tinha tanto medo desse desenlace
Mas tudo terminou, e foi melhor assim
Também para você que terminasse
O nosso amor

Nosso amor não durou mais do que um dia
Uma flor que morreu quando desabrochou
Um perfume que ao surgir desvanecia
Morreu como um pôr-do-sol que perdeu a cor

Agora, pra terminar com a incerteza
Brindemos, nesta alegre despedida
A natureza é assim, escreve certo
Nas linhas tortuosas desta vida

domingo, 9 de agosto de 2020





AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 7 - AS CORES DO SWING
(Continuação)

O swing surgiu como não só como um avanço inevitável da música de orquestra, mas também como um instrumento de agregação. No entanto, devido a exigências de empresários e donos de casas noturnas, ele acabou tendo que se curvar às diferenças raciais existentes naquele tempo nos Estados Unidos. Quando os músicos se reuniam para formar as suas bandas, a discriminação racial muitas vezes obrigava negros e brancos a se juntarem em formações específicas.
Geograficamente, dentro da área destinada à diversão pública, a própria Nova York contribuía com esta divisão: os brancos ficavam num quadrilátero chamado Times Square, o local das casas de espetáculos como os teatros da Broadway e os restaurantes dançantes; os negros se situavam no Harlem, um bairro-gueto onde a música fluía de uma maneira descontraída, fazendo lembrar o clima de Nova Orleans.
Esta divisão acabou por determinar dois estilos distintos de swing, o “swing das orquestras brancas” e o “swing das orquestras negras”.
O swing das orquestras brancas era mais formal, tocado dentro de esquemas bem estudados e de um fraseado mais comportado. Aparentemente, os instrumentos faziam aquilo que deles se esperava, e o som forte, alegre e melódico tinha como maior finalidade fazer o público dançar.
Apesar das inúmeras casas de espetáculos espalhadas pelo Times Square e adjacências, o ponto alto das apresentações era o Roseland Ballroom, na Broadway, para onde se dirigiam os brancos da cidade e de outros lugares à cata de diversão e de boa música. Em alguns lugares, nem sempre os negros podiam entrar. O swing novaiorquino era um prolongamento jazzístico do que as grandes orquestras haviam feito dez anos antes em Chicago.
Já o swing das orquestras negras se concentrava no famoso Savoy Ballroom, o ponto alto da apresentação das orquestras no Harlem, e possuía uma linha de interpretação que abraçava o novo estilo orquestral, mas deixava espaço para que o sentimento do blues se manifestasse. Os mais abastados e mais influentes, frequentavam o Cotton Club, que era mais refinado. Ao contrário do Roseland, o Savoy e o Cotton Club permitiam a entrada de negros e brancos, e era comum serem vistos casais miscigenados deixando pra trás o tal do preconceito e dançando com todo fervor.
O swing do Harlem era mais inventivo, e os negros apreciavam dançar ao som das suas orquestras não apenas por se sentirem “em casa”, mas também porque percebiam nelas a inefável presença das origens.
As orquestras negras tiveram como precursores os maestros Fletcher Henderson e Jimmie Lunceford, na mesma época em que Paul Whiteman era consagrado o “Rei do Jazz” ser ter conseguido achar o caminho das pedras.
Por este motivo, Fletcher Henderson, o mais influente dos dois, marcava a sua presença não apenas com relação às orquestras compostas por músicos negros, mas também como arranjador dentro da grande parte das orquestras “brancas”. A sua orquestra foi a primeira banda de swing a fazer sucesso no Harlem. Por sua causa, o termo “Harlem Swing” passou a significar uma marca de qualidade.
Henderson ingressara no mundo da música quase que por acaso, pois sua intenção, ao se mudar para Nova York, era continuar os estudos de química e matemática iniciados no Atlanta University College. Como era, porém, um pianista razoável, ele começou a trabalhar com algumas empresas editoras de música primeiro como demonstrador e depois como diretor de gravação e pianista exclusivo, chegando a acompanhar algumas famosas cantoras de blues, como Bessie Smith, Ida Cox, Alberta Hunter e Ma Rainey, o que inevitavelmente acabou por lançá-lo em definitivo no mundo artístico.
Sua concepção de maestro era diferente, pois ele via a orquestra como uma empresa e a si próprio como um gerente, o que criou uma relação diferente entre ele e os seus músicos.
Com a chegada de Louis Armstrong em 1924 após deixar a banda de King Oliver, e com a posterior chegada do saxofonista Coleman Hawkins, do clarinetista Buster Bailey e do saxofonista-arranjador Don Redman, a orquestra de Fletcher Henderson evoluiu e pode ser chamada com segurança de “a primeira orquestra jazzística de swing”, embora o termo ainda não existisse no momento.
Diferentemente das orquestras de Paul Whiteman e Jean Goldkette, somente para citar duas das mais famosas, a música de Fletcher Henderson, nascido no sul (embora na Geórgia, não na Louisiana) representava o espírito do jazz que teve origem nos plantadores de algodão e continha na sua harmonia a marca indelével do blues.
Na esteira de Henderson apareceram a orquestra de Cab Calloway (um bandleader vindo do centro-oeste que cantava e contava piadas durante o show), a de Chick Webb (um baterista corcunda e anão que era considerado um tanto biruta pelos músicos em geral, mas era extremamente técnico) e a de Count Basie (pianista vindo de Kansas City trazendo com ele o estilo “swing-blues” que havia sido moldado pelo seu antecessor Benny Moten, e que no futuro seria rotulado como “kansas city).
Havia também a orquestra do pianista Earl Hines, antigo parceiro de Louis Armstrong, e a do saxofonista Benny Carter. Hines, um expoente do jazz originário da Pennsylvania, se rendera ao swing, adaptando o seu estilo francamente tradicional à novidade musical novaiorquina. Já Carter decidira se transformar em bandleader ao herdar a direção dos McKinney Cotton Pickers com a saída de Don Redman.
Além dessas orquestras, também se destacavam os grupos de Andy Kirk e Erskine Hawkins.
Andy Kirk, um saxofonista nascido em Denver-Colorado, aprendeu música sob a tutela de um tal Wilberforce Whiteman – ninguém menos do que o pai de Paul Whiteman. Kirk se mudou para Kansas City onde efetivamente trabalhou como bandleader, rivalizando com Benny Moten como a principal banda da cidade.
Erskine Hawkins era um trompetista que, devido ao seu sopro, ficou conhecido como “o anjo Gabriel do século vinte”. Ele também tocava bateria e trombone, e se tornou famoso não apenas como bandleader, mas também como um dos compositores da música “Tuxedo Junction”, que no início dos anos 1940 se constituiu num dos maiores sucessos da orquestra de Glenn Miller.