HARLEM
NEGROES
(Augusto Pellegrini)
A história do negro
nos Estados Unidos começou efetivamente em 1609 com a chegada dos primeiros
navios trazendo escravos, mas a sua participação na sociedade se deu apenas
duzentos anos depois. Esta intensificação aconteceu realmente a partir do final
do século XIX, mas veio de forma tão rápida e eficiente que em menos de trinta
anos fez florescer no país, de uma maneira inesperada e fascinante, uma forte
cultura afro-americana.
Este crescimento, principalmente aquele referente ao
período compreendido entre o início da década de 1920 até meados dos anos 1930 teve
como principal referência a região de Nova York, especificamente o bairro do
Harlem, e ficou conhecido como “New Black Movement” (“Novo Movimento Negro”) nome
dado em homenagem a uma antologia escrita por Alain Le Roy Locke, considerado o
Pai do “Harlem Renaissance” (“Renascimento do Harlem”), alusão feita em
comparação ao Renascimento europeu, que nos séculos XV e XVI elevou as artes –
como a pintura, a música e a literatura – a patamares antes nunca vistos.
Locke escreveu “The
pulse of the Negro world has begun to beat in Harlem” (“A pulsação do mundo
negro começou a bater no Harlem”), e a frase serviu de lema para o
movimento.
O bairro era chamado de “Negro Metropolis” – a Metrópole do Negro – pelos intelectuais e
noctívagos de todos os tipos que para lá convergiam, entre os quais artistas,
professores, pensadores, bêbados e boêmios de todos os padrões, todos
integrados a seu modo na causa negra.
Durante o período deste Renascimento afro, os negros
que habitavam o bairro do Harlem pareciam viver em um território totalmente à
parte, imunes aos diversos tipos de preconceito, apesar da política racista da
época que imperava em outros rincões dos Estados Unidos. Lá no Harlem o negro
se sentia seguro e praticamente inatingível, compartilhando com seus pares um
clima de igualdade e fraternidade.
O que ocorria, na verdade, era uma inversão de
valores.
No Harlem havia bares, cabarés e casas de diversão
onde somente os negros frequentavam, não porque fosse proibida a entrada de
brancos, mas porque os brancos simplesmente não se sentiam à vontade dentro de
um ambiente tão especialmente fabricado para os negros, que usavam um linguajar
característico e curtiam a sua música e as suas idiossincrasias.
O Harlem foi a casa de muitos negros importantes também
em nichos de arte que não tinham relação com o jazz ou com a música. Vale a
pena citar alguns desses intelectuais:
James Mercer Langston Hughes (poeta, dramaturgo,
roteirista e ativista político), foi um dos primeiros inovadores da então nova
forma literária chamada poesia-jazz. “The
calm, cold face of the river asked me for a kiss” (“A face fria e calma do rio me pediu um beijo”).
Zora Neale Hurston (novelista, contista, folclorista e
antropóloga), tem uma vasta obra que ainda faz muito sucesso entre os leitores,
em plena segunda década do século XXI. “Those that don’t got it, can’t show it. Those that got it, can’t hide
it” (“Aqueles que não tiveram não
podem mostrar. Aqueles que tiveram, não conseguem esconder”).
Jessie Redmon Fauset (editora, poeta, ensaísta,
romancista e educadora), costumava explorar nos seus livros o tema do negro na
classe média. “To be a colored man in America...
and enjoy it, you must be greatly daring, greatly stolid, greatly humorous and
greatly sensitive. And at all times a philosopher...” (“Para ser um negro na América... e gostar,
você deve ser muito ousado, completamente indiferente, muito bem-humorado e
bastante sensível. E permanentemente um filósofo”).
Gwendolyn Bennetta
Bennett (professora, poeta, jornalista e cronista cultural), além de dedicada à
educação era também uma talentosa escritora. “Silence
is a sounding thing to one who listens hungrily” (“O silêncio é uma coisa muito sonora para aquele que tem sede de ouvir”).
Marita Odette Bonner
(ensaísta, escritora e roteirista) foi sócia fundadora de uma irmandade de
mulheres negras. “She did not talk to people as if
they were strange hard shells she had to crack open to get inside. She talked
as if she were already in the shell. In their very shell” (“Ela não
conversava com as pessoas como se elas fossem duras e estranhas couraças que
ela teria que romper para conseguir entrar. Ela falava como se já estivesse
dentro da couraça. Bem dentro”).
James Weldon
Johnson (escritor, advogado, educador, compositor, diplomata e ativista dos direitos
civis) foi líder da Associação Nacional do Desenvolvimento dos Negros e cônsul
na Venezuela e Nicarágua durante o mandato do presidente Theodore Roosevelt. “Young man, young man, your arm’s too short
to box with God” (“Meu jovem, meu
jovem, seu braço é muito curto para tentar atingir Deus”).
Sterling Allen Brown (professor, folclorista, poeta e
crítico literário), pelo seu envolvimento com uma literatura negra bastante
voltada ao blues e ao jazz, é considerado parte do movimento Harlem Renaissance,
apesar de residir em outra cidade. “One
thing they cannot prohibit – the strong men comin’ on, the strong men gettin’
stronger… strong man… stronger…” (“A única coisa que eles não conseguem proibir
– os homens fortes chegando, os homens fortes se agrupando... homens fortes... mais
fortes”).
Wallace Thurman (poeta, ensaísta, jornalista e editor),
apesar de ter falecido muito jovem, com apenas 32 anos, contribuiu
decisivamente para a causa negra, principalmente por causa dos seus escritos
incisivos. “We are mere journeymen, planting seeds for someone else
to harvest” (“Nós somos simples
artifices plantando sementes para outros fazerem a colheita”).
Dorothy Irene Height (educadora e ativista de direitos
humanos) foi durante quarenta anos presidente do Conselho Nacional de Mulheres
Negras. “We’ve got to work to save our
children and do it with full respect for the fact that if we do not, no one else is going to do it ” (“Nós temos que trabalhar para proteger as nossas
crianças e fazê-lo muito bem feito porque se não o fizermos ninguém o fará por
nós”).
William Edward
Burghardt Du Bois (sociólogo, historiador, ativista, escritor e editor) foi o
primeiro afro-americano a obter doutorado nas Universidades de Berlim e Harvard
e foi um dos co-fundadores da Associação Nacional do Desenvolvimento dos Negros.
Burghardt Du Bois tem, assim como Sterling Brown, uma participação honorária no
Harlem Renaissance. “Now is the
acceptance time, not tomorrow, not
some more convenient season” (“A hora
da aceitação é agora, não amanhã nem em outro momento que seja conveniente”).
Estes eram o pensamento e a atitude da elite negra
Americana que ficava geograficamente e culturalmente muito acima dos seus
semelhantes que habitavam o sul e o centro-oeste do país no início do século
20.
Os que foram ungidos pelas bênçãos do Harlem brindaram
a humanidade com obras de alta intelectualidade e prepararam o caminho para que
outros negros viessem mais tarde a exercer funções de destaque na política, na
administração pública e na sociedade. Os que habitavam o mundo dos sonhos
embalados pela cultura do jazz e do blues contagiaram toda uma nação com a sua
arte musical, provocando um movimento que ajudou os Estados Unidos a
influenciar o mundo nos anos que se seguiram.