sábado, 17 de outubro de 2020

 


AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 16 - A PROIBIÇÃO

Quando em janeiro de 1920 o Congresso americano fez com que a Emenda 18 da Constituição do país começasse a ser aplicada, ele estava criando uma lei que contrariava uma outra lei, não escrita mas naturalmente obedecida pelos cidadãos americanos por uma questão de tradição e hábito: a “lei do copo”.

A nova lei simplesmente proibia a fabricação, o consumo e a posse de bebidas alcoólicas, e apesar de decidida em janeiro, foi oficialmente posta em prática apenas no dia 16 de julho, depois de acirradas discussões entre os congressistas que pregavam a austeridade, todos republicanos, e uma minoria democrata, que apelava para as liberdades individuais, tentando com isso demover o Congresso da aplicação prática da medida.

Beber fazia parte da cultura americana, como de resto faz parte da cultura de quase todo mundo, e a proibição apenas aguçou a vontade da população tomar umas e outras a mais, fazendo aumentar o número de beberrões. Assim como era impossível fazer o povo americano deixar de respirar, também era impossível fazer com que ele deixasse de beber, principalmente por meio de um decreto.

Além do mais, havia outra questão importante a ser levada em conta: as indústrias de bebidas, como qualquer corporação forte, empregava milhões de pessoas, e todos – fabricantes e empregados – viviam à custa do prazer que proporcionavam a outros milhões de consumidores.

O governo podia até abrir mão dos bilhões de dólares anuais que a comercialização de bebidas rendia ao tesouro nacional através do recolhimento de taxas e impostos, mas os hotéis, os restaurantes, os salões de dança, os armazéns, os botequins, as empresas transportadoras, os promotores de festas e os bebedores em geral ficaram muito contrariados com a ideia. Assim, no rastro deste flagrante prejuízo, havia um enorme número de pessoas descontentes e dispostas a descumprir a lei.

Qualquer que tenha sido a intenção dos legisladores, o resultado prático da proibição foi, na verdade, um enorme jogo de cena, onde os guardiões da lei faziam de conta que vigiavam o seu cumprimento, e a população, em meio a uma ou outra detenção, fingia que acreditava que a coisa fosse séria.

O preço que a nação pagou por esta demonstração de força foi o aparecimento de incontáveis bares clandestinos. Estima-se que apenas em Nova York tenham sido abertos cerca de cinquenta mil bares dos diversos tamanhos e qualificações, e alguns pesquisadores garantem que este número possa ter ultrapassado a casa dos cem mil.

Os novaiorquinos chamavam estes bares clandestinos pelo nome de “speakeasy”, que significa algo como “lugar onde se deve falar baixo” (e, é lógico, beber comportadamente, sem chamar a atenção).

Havia uma frase consagrada na cidade que ilustrava muito bem o deboche e o descrédito com que o povo via o cumprimento da Lei Seca: “Se você quiser se embriagar em Nova York, basta caminhar uns dez metros em qualquer direção”. A frase deixa mais que evidente a quantidade de “speakeasies que o bebedor tinha à sua escolha.

Os “speakeasies” traziam no seu cardápio todo tipo de bebida ilegal, regada por uma boa música que era tocada por pequenos grupos ou até grandes orquestras, dependendo do tamanho do local. Boa parte deles, porém, não oferecia apenas a bebida, mas incluía outros entretenimentos claramente ilícitos, como a prostituição, o jogo de azar e as drogas.

Esta ilicitude acabou sendo um dos motivos do crescimento anormal desses bares clandestinos e aguçou a vontade de se embriagar – se beber já era naturalmente gostoso, que dirá beber driblando uma proibição federal, em ambientes agradáveis, cercado por lindas garçonetes trajando saias diminutas e usando um sorriso de anúncio de dentifrício, com muito dixieland, chicago, charleston ou swing utilizado como música de fundo? E, supremo prazer, divertir-se sabendo estar cometendo um pecadilho contra a moral estabelecida!

Como tudo o que é proibido parece ser mais gostoso, a Prohibition veio adicionar este pequeno sabor ao charmoso uísque “on the rocks”, à borbulhante champanhe ou à popular caneca de cerveja gelada e cheia de espuma.

Muitos locais funcionavam abertamente sob a fachada de respeitáveis restaurantes e lanchonetes, fazendo de conta que serviam sucos e refrigerantes, porém misturando gim ou uísque na soda limonada ou na Coca-Cola. Outros, mais e mais abrangentes, faziam o seu negócio no subsolo, protegidos por um alçapão que era levantado sob o comando de um “abre-te Sésamo” em forma de senha, permitindo ao usuário descer para um porão mal ventilado e se embriagar à vontade sem ter que mascarar a sua bebida.

Havia estabelecimentos que não passavam de galpões disfarçados de depósitos, garages ou oficinas, para onde convergiam caixas de uísque de baixa qualidade e tonéis de cerveja caseira, tudo vendido a um alto preço que era pago sem discussão por uma burguesia desejosa apenas de muita diversão e esbórnia.

Por conta da diversão, a música e o jogo clandestino também faziam parte do cenário, e os proprietários ou gerentes eram comandados nas sombras por gângsters que davam proteção e garantia ao negócio e “trabalhavam” nos bastidores para que as autoridades fizessem ouvidos moucos e olhos de mercador, daí nascendo outro enorme jogo de faz-de-conta.

Afinal, era inacreditável que dentro dos bares subterrâneos as orquestras não poupassem o seu fôlego, tocando a todo vapor e fazendo a música estranhamente fluir das entranhas da terra sem que isso despertasse a atenção da lei...

A Lei Seca foi mantida por treze anos na esperança de que pudesse reduzir a criminalidade, o vício e a pobreza, e desta forma melhorar a qualidade de vida do povo americano. Só que durante a sua vigência, a lei provou ter sido um enorme equívoco, pois causou o mais retumbante fracasso. Nunca o povo bebeu tanto, e nunca as mortes causadas pelo alcoolismo alcançaram índices tão alarmantes. O cidadão americano, que possuía uma índole patriótica e tinha a vocação de ser um fiel cumpridor de leis, tornou-se desobediente e rebelde, ou seja, na prática, a proibição transformou homens honrados em reles criminosos perseguidos pela polícia.

O mercado negro de bebidas movimentava aqueles bilhões que o governo desprezara e o crime organizado prosperava nas mãos das “famílias” que aproveitavam aquele bom momento. As quadrilhas dos gângsters brigavam entre si pelos melhores pontos, ao mesmo tempo em que se uniam contra o inimigo comum – a Polícia Federal ou algum senador mais exacerbado.

Em 1908 havia sido criado o Bureau of Investigation, com a finalidade de investigar e punir as ações fora da lei, mas ele não tinha a cobertura de uma lei federal e se limitou a colaborar com algumas investigações de caráter especial. Isso durou até julho de 1932, quando a necessidade de se intensificar os rigores da lei fez com que o Bureau fosse promovido a uma entidade federal, mudando o nome para Federal Bureau of Investigation – FBI, mas isto veio a ocorrer apenas em 1935. Só que, quando veio a mudança, já fazia dois anos que a Lei Seca havia sido abolida.

O presidente Franklin Delano Roosevelt pressionou pessoalmente o Congresso americano e o Secretário da Justiça, Homer Cummings, para que fosse aumentada a área de atuação da Polícia Federal a fim de que ela tivesse mais poderes, pois a situação havia se tornado especialmente complicada depois da Grande Depressão de 1929, quando os tempos difíceis fizeram aumentar a criminalidade.

Dois acontecimentos vieram dar razão ao presidente e colocar a opinião pública, antes indecisa, a seu lado: o massacre de uma família de nativos da tribo Osage em Oklahoma por questões de terra e petróleo, e o rapto seguido de assassinato do bebê Charles A. Lindbergh Junior, filho de um herói americano – aquele mesmo do lindy hop (ver Capítulo 8) – fato que movimentou inclusive a imprensa internacional.

Nenhum destes crimes, porém, parecia ter qualquer relação com a proibição da bebida, e os parlamentares começaram a perceber que realmente existiam coisas mais importantes para que eles se preocupassem do que simplesmente fiscalizar bêbados.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

 


OLD INDIAN FELLOW

(Versão para o inglês do poema Velho Índio, de Salgado Maranhão, feita por Augusto Pellegrini)

They’ve aldeady taken
The blood and leather out of us
Our land and its holy name
Have already been raided from us
Leaving it close to the bones

They are voracious
And now they trade us for oxen
Out with the juice of agrobusiness!
Out with the agrodeath bad luck!
Out with the tablet without our village!

The flora groans and so does the fauna
And the mercury river
Flowers don’t sprout from the fire
Leave us with what still we have!
The indian clothing is the forest

15/outubro/2020

Obs.: Salgado Maranhão publicou o poema em português nas páginas do New York Times em 02/10/2020

VELHO ÍNDIO

Salgado Maranhão

 

Já nos tiraram o couro
e o sangue;
já nos rifaram a terra
e seus nomes santos
(deixando-na rente ao osso).
Insaciáveis, agora, trocam-nos
pelos bois.
Não à seiva do agrobusiness!
Não à sorte da agromorte!
Não ao tablet sem Taba!
Geme a flora,
geme a fauna,
geme o rio de mercúrio.
Do fogo não brotam flores.
Deixem o que ainda nos resta!
O que veste o índio é a floresta.

 

 

                                 A foto do fato: Hitler assume o poder na Alemanha, 1933

AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 15 - O EFEITO WALL STREET 
            Final

Com a recessão, a Broadway e o Harlem começaram a reduzir a quantidade e a luminosidade dos shows, e as orquestras que haviam se multiplicado nos anos que antecederam o swing sofreram modificações radicais. Os espetáculos ficaram mais pobres e com menos atrativos. O público, que lotava os night clubs na época das vacas gordas, diminuíra consideravelmente, pois faltavam dinheiro e ânimo. Com o tempo, o mercado da diversão começou a reagir, mas levaria alguns anos para que aquele clima alegre e descontraído voltasse a imperar.

Entre as diversas histórias envolvendo músicos de jazz e seus problemas, uma das mais emblemáticas é a que diz respeito ao saxofonista e clarinetista Sidney Bechet, um dos grandes nomes do início do século vinte e um dos primeiros jazzistas a divulgar a nova arte no Velho Continente.

Sidney Bechet havia vivido na Europa desde 1925, fazendo grande sucesso na Inglaterra, Alemanha, Rússia e França. Quando morava em Paris, Bechet teve um entrevero com um músico francês que acabou em uma troca de tiros. Como algumas pessoas ficaram feridas no incidente, Bechet foi inicialmente preso por quase um ano, e depois deportado, por ser estrangeiro.

Sem conseguir o desejado visto para entrar na Inglaterra, Bechet teve que se contentar em ir para a Alemanha, então chamada República de Weimar, o que lhe foi permitido sem maiores restrições. Bechet se fixou em Berlim à procura de trabalho e acabou se juntando à orquestra de bailes de um cantor americano chamado Noble Sissle.

Mas as coisas não estavam muito confortáveis na República de Weimar, naquela época. O alto preço pago pela derrota na guerra terminada em 1918 causara muitas baixas no país, e a situação havia piorado ainda mais com a recessão de Wall Street, pois o governo americano, que estava ajudando na reconstrução das cidades e na recuperação da economia germânica, também havia entrado em crise. A inflação alemã assumia números assustadores e o povo enfrentava o pior índice de desemprego de toda a sua história.

Por ter sido derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha tivera que arcar com um pesado ônus em termos de indenizações – coisa de alguns trilhões de dólares a serem pagos para a chamada Tríplice Entente, a união dos países vencedores formada pela Inglaterra, pela França e, na época do fim da guerra, pelo Império Russo – além de outras punições impostas pelo Tratado de Versalhes.

O povo alemão se sentia humilhado, principalmente pelos franceses, e o país perdera toda a soberania, tendo o seu Exército reduzido a um máximo de cem mil homens e a Marinha e Aeronáutica desarticuladas e proibidas de se organizar.

Nesse momento histórico apareceu em cena um certo líder político de nome Adolf Hitler. Carismático e manipulador de massas, Hitler assumiu de pronto uma posição nacionalista, propondo medidas saneadoras com base na valorização do cidadão germânico para salvar o país da derrocada total e devolver-lhe a dignidade. Para tanto, ele havia fundado o Partido Nacional Socialista, popularmente conhecido como Nazista, e conclamava a juventude à sua filiação para fazer da Alemanha novamente um país forte. O partido recebeu mais de seis milhões de votos nas eleições parlamentares, cerca de oitenta por cento do total, e passou a controlar o Reichstag, nome que se dá ao Parlamento Alemão.

A Alemanha fervia como uma panela de pressão e, apesar de saber que a situação dos músicos na América ainda era delicada, Sidney Bechet pressentiu que a coisa poderia se complicar em toda a Europa e, quando Sissle resolveu retornar para os Estados Unidos em 1931, ele não titubeou em voltar junto.

Após passar um pequeno período ainda trabalhando com Sissle, Bechet teve que deixar a música de lado por causa de problemas financeiros e de absoluta falta de melhores oportunidades. Ele ainda sonhava com a retomada do estilo chicago, mas a exemplo de Louis Armstrong, percebeu que os tempos eram outros. Afastou-se então dos palcos e, junto com o amigo e trompetista Tommy Ladnier, abriu uma alfaiataria e engraxataria em Nova York, a qual denominaram Southern Tailor Shop, em homenagem aos bons tempos da Louisiana. A aventura durou apenas dois anos – 1933 e 1934 – quando Bechet reencontrou o caminho da música. Ladnier desapareceu totalmente da cena artística, retornando somente em 1938, um ano antes de morrer, vítima de um fulminante ataque cardíaco.

Mas a música pouco a pouco voltava a ocupar o seu devido e merecido espaço, apesar do país estar ainda juntando os cacos. E o maior aliado dessa recuperação foi exatamente a determinação legal que havia sido criada para desaquecer os ânimos e acalmar o frenesi dos tempos dourados.

Este aliado foi a “Prohibition” – ou seja, a Lei Seca – que, em vigor desde 1920, estranhamente ajudou primeiro a impulsionar o swing e a carreira de muitos músicos, e depois a recolocar as coisas no lugar.

 

 

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

 


REFLEXOS DO PASSADO 

(Samba-canção de Augusto Pellegrini) 1979

 

Quanto tempo passou

E a lembrança

Ainda vive a meu lado

O desejo morreu

De vingar minha vã mocidade

Foi bem disfarçado o veneno

Que tive em meus lábios

Em forma de beijos

Tão falsos, tão frios

E calados

 

Quanto tempo passou

E a promessa ficou na saudade

A esperança morreu

Foi-se o sonho, e com sinceridade

Vou ficando mais velho, e de tanto

Que pintaram, meus cabelos brancos

Tomam conta de mim

E a saudade me faz ser feliz

 

Felicidade

Já começo a sentir que chegou

Um sentimento de alegria e de perdão

A vingança crescendo

Conduz à maldade

Eu fiz bem, na verdade

Em calar minha dor

 

Ah, quanto tempo passou, afinal

Quanta idade pra compreender

Que tristeza e saudade só sofre

Quem não sabe viver


Quanto tempo passou, afinal

Quanta idade pra compreender

Que tristeza e saudade só sofre

Quem não sabe viver

 

 

terça-feira, 13 de outubro de 2020

 


AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 15 - O EFEITO WALL STREET
(continuação)

             O mercado das gravadoras entrou em franco declínio, e a venda de discos caiu da casa dos cem milhões para apenas seis milhões de exemplares em questão de semanas. Astros e estrelas como o compositor, cantor e pianista Thomas “Fats” Waller e a divina Imperatriz do Blues, Bessie Smith, tiveram suas carreiras prejudicadas em pleno auge.

“Fats” Waller era um dos nomes que mantinham o alto índice de vendas da gravadora Victor, quer como artista solo quer como acompanhante de cantoras que iam desde a respeitável Alberta Hunter até outras de menor apelo, como Hazel Meyers, Sara Martin, Anna Jones e Caroline Johnson. Mesmo com este currículo, Waller teve seu contrato com a gravadora suspenso até 1934, e para ganhar algum dinheiro precisou voltar aos bares esfumaçados e dividir o espaço com outros pianistas que não tinham o mesmo talento.

Bessie Smith era uma recordista de venda de discos e já havia faturado cerca de seis milhões de unidades desde 1923. No entanto, para continuar se apresentando, teve que pedir ajuda para um poderoso gangster de Chicago chamado Richard Morgan, que lidava com o contrabando de bebidas. Só que Morgan garantia os seus shows, mas não havia nada que ele pudesse fazer com respeito à venda de discos. A gravadora Columbia, com a qual Bessie mantinha contrato, também entrara em colapso, e as músicas “Downhearted Blues” e “Gulf Coast Blues”, que haviam vendido durante um bom período uma média de cem mil cópias por semana, simplesmente saíram do catálogo.

“Fats” Waller e Bessie Smith são apenas dois entre centenas de músicos que foram obrigados a abandonar a divulgação fonográfica da sua arte e entrar num recesso profissional temporário por conta das dificuldades financeiras das gravadoras. Neste turbilhão, foram também envolvidos diretores, gerentes e funcionários das empresas de discos, disc-jóqueis que ficaram sem novidades para apresentar ao mercado, radialistas que ficaram sem emprego, editoras que tiveram que reduzir as suas publicações e donos de lojas que foram obrigados a fechar as portas ou mudar de ramo.

Por causa da Recessão, muitos músicos de jazz, principalmente aqueles que relutavam em modernizar as suas criações, foram relegados à mais completa solidão, e sucumbiram diante da falta de renovação e da ausência de público.

É o caso do trompetista King Oliver, figura lendária do jazz tradicional, e do pianista Jelly Roll Morton, o “inventor do jazz”, que se obrigaram a um périplo pelo interior afora buscando reencontrar a sua identidade, mas tiveram que se conformar, em poucos anos, com um fim de carreira precoce.

Oliver vagou pelo sul e ainda conseguiu realizar alguns trabalhos até 1931, quando se aposentou, mudando para a Georgia, onde trabalhou como porteiro e feirante. Morreu em 1938, pobre, doente, desdentado e praticamente anônimo.

Morton se deslocou para o norte e terminou melancolicamente tocando piano em barzinhos de baixa categoria em Washington D.C. Pouco a pouco, ele foi perdendo a saúde, o carro conversível, todo o dinheiro que havia guardado e até o famoso diamante que havia incrustado entre os dentes. Morreu em 1941, vendo o hot jazz em total declínio.

O clarinetista Leon Rapollo, ex-integrante da New Orleans Rhythm Kings também não vislumbrou a oportunidade de reerguer a sua carreira e se perdeu em meio ao cigarro e à bebida falsificada, encerrando seus dias à míngua num hospício, em 1943.

Nem todos os músicos, no entanto, naufragaram.

O pianista Count Basie, por exemplo, foi bafejado pela sorte apesar de ter ficado à pé no meio da estrada, em Oklahoma, quando a banda Blue Devils comandada por Walter Page encerrou repentinamente as suas atividades. Basie não se apavorou e teve a boa ideia de voltar para Kansas City, sua cidade natal, e de se juntar à orquestra de Bennie Moten, que dera um jeito de sobreviver à crise.

Um dos segredos de Moten era tocar em diversos lugarejos nos confins do Kansas, onde a lei federal tinha dificuldade em se fazer cumprir. Outro segredo foi a sua ligação com um tal Tom Pendergast, um gangster que controlava o jogo e a bebida nas casas noturnas do interior, e fazia valer a sua força junto aos prefeitos, juízes e xerifes da região.

Desta forma, Count Basie conseguiu passar ao largo da crise, e quando Bennie Moten morreu em 1935, vítima de uma prosaica operação de amídalas, o pior já havia passado. Aí Basie pode então constituir a sua própria orquestra de nove elementos, a Barons of Rhythm, chamando para compô-la o contrabaixista Walter Page, seu antigo empregador nos Blue Devils, o cantor Jimmy Rushing, amigo de todas as horas, e muitos remanescentes da orquestra de Moten, incluindo o saxofonista Lester Young e o baterista Jo Jones.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

 


AS CORES DO SWING
           (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 15 - O EFEITO SWALL STREET
           (continuação)

Por estranho que possa parecer, mesmo com um índice de desemprego e falências jamais experimentado, havia no ar alguma expectativa de que a situação econômica desfavorável não durasse muito tempo, e de que tudo não passava afinal de um mal estar passageiro.

Pelo menos era assim que entendiam alguns dos sábios do sistema econômico, que consideravam os problemas de Wall Street apenas uma crise um pouco mais aguda do que o normal. Na opinião destes financistas, o sistema se estabilizaria por si só, por meio dos intrincados mecanismos da oferta e da procura, e a volta à normalidade seria apenas uma questão de semanas.

Antes da derrocada, quando o milagre econômico já dava mostras de ser bom demais para ser verdade, o economista britânico John Maynard Keynes, um dos pais do capitalismo liberal, dava seu palpite a respeito do futuro dos Estados Unidos, com base no crescimento do volume de negócios nas Bolsas de Valores.

Numa palestra proferida na Universidade de Cambridge–Inglaterra em 1927 enquanto promovia a divulgação do seu livro Liberalism And Labour, Keynes garantia que “we will not have any more crashes in our time” (“nós não teremos mais nenhuma quebra de Bolsa nos nossos tempos”), se referindo ao Reino Unido em especial, mas tendo como base os alicerces de Wall Street.

No dia 12 de janeiro de 1929, o presidente da poderosa Pierce Arrows Motor Car Co., Myron E. Forbes, declarava de uma forma otimista numa reunião de acionistas que “there will be no interruption of our permanent prosperity” (“não haverá qualquer interrupção na manutenção do nosso lucro”), opinião que seria confirmada em setembro, portanto um mês antes da tragédia, pelo economista americano Irving Fisher, que tranquilizava o mercado e os acionistas, afirmando que “there may be a recession in Stock prices, but not anything in the nature of a crash” (“poderá haver alguma recessão nos valores da Bolsa, mas nada que possa significar uma quebra”).

No fatídico 24 de outubro, mesmo quando o pânico já havia se instalado e que os castelos de cartas começavam a ruir, o presidente do Conselho do Banco Continental Illinois de Chicago, Arthur Reynolds, ainda estava persuadido de que tudo não passava de uma instabilidade passageira. Ele declarou aos seus diretores, convocados para uma reunião de emergência – “This crash will not have effect on business” (“esta quebra não terá nenhum efeito nos negócios”), o que mostra uma certa ingenuidade e prova a confiança ilimitada que os capitalistas da época tinham no sistema.

Em muitas outras declarações, figurões como o economista Stuart Chase (que se notabilizou pela luta em defesa do consumidor e pelas críticas feitas à propaganda enganosa), o Secretário do Tesouro Andrew W. Mellon, o respeitado autor e analista financeiro Reed W.McNeel e o presidente da Equitable Trust Company, Arthur W.Loasby, se preocupavam em tranquilizar a população e mostravam claramente não acreditar que a situação fosse tão séria.

Eles não queriam admitir, mas na verdade o país experimentava a sua pior crise desde a Guerra Civil de 1861, que viria gerar mais de quinze milhões de desempregados. Em 1933 a taxa de desemprego atingiria à marca sufocante de 25%, correspondendo a um quarto de toda a força de trabalho americana. Poucos eram os americanos que tinham dinheiro para gastar, e a situação se agravava nas classes mais pobres e entre os negros.

Os problemas financeiros iam desde o fechamento de instituições financeiras até falências no comércio e na indústria, o que provocaria intensos problemas sociais, como a fome, as doenças e a insegurança, com grupos de pessoas saqueando pontos estratégicos onde gêneros alimentícios e medicamentos pudessem ser encontrados.

A crise de 1929 não se limitou aos Estados Unidos. Ela se espalhou pelo mundo e fez estragos em diversos países, especialmente na Alemanha, Austrália, Itália, França, Reino Unido e Canadá. O Brasil e o restante da América do Sul não foram tão fortemente afetados por não serem na época países industrializados, e a União Soviética, fechada à economia capitalista, não deu sinais de sentir o problema.

Na Alemanha, a recessão influenciou na história do país e do mundo, pois fez surgir o Partido Nacional Socialista, propiciando o nascimento político de Adolf Hitler.

Com toda esta convulsão atingindo Wall Street, o coração financeiro de Nova York, todas as atividades dos Estados Unidos sofreram um considerável abalo, e a música não seria uma exceção.

A maioria dos músicos profissionais procurou refúgio em casas clandestinas onde tocavam por uma ninharia numa situação de risco total, pois ninguém garantia que os contratos seriam cumpridos conforme combinado. Além do mais, a violência campeava na noite das grandes cidades, onde a Máfia controlava seus territórios na base da bala.

Louis Armstrong logo percebeu que “o mar não estava para peixes” e mudou a sua estratégia de conduta. Ao invés de procurar contratos de médio prazo com as melhores casas noturnas de metrópoles como Chicago ou Nova York, ele afivelou as malas e começou a fazer turnês curtas que iam até a Califórnia. Para assegurar que o público se faria presente, Armstrong modificou seu repertório, dando ênfase às músicas mais populares e menos jazzistas, como “My Sweet”, “Memories Of You”, “Just A Gigolo”, “Blue Again” e “Them There Eyes”, às quais adicionava o seu estilo brincalhão.

domingo, 11 de outubro de 2020

 


FIM DE CASO

(Augusto Pellegrini)

Se perguntares o que eu sinto, não minto
Dir-te-ei todos os meus doridos ais
Uma coisa, porém, eu advirto – não consinto
Que faças uso mau desses meus ais, jamais

Se perguntares do que eu gosto, não digo
Farei segredo deste meu particular
E uma outra coisa eu advirto – e insisto
Que meus direitos deves sempre respeitar

Se perguntares pra onde vou, não conto
Pois meu caminho só a mim cabe encontrar
E que uma coisa fique claro – e pronto!
Quem me seguir por certo irá se lamentar

Se perguntares sobre o meu passado
Eu fico surdo pra não responder
Pois gostaria de deixar de lado
Coisas que o tempo teima em reviver

Se perguntares o que eu penso do seu gesto
Eu vou dizer que pra mim tanto faz
Pois procedendo assim, com meu protesto
Eu finalmente sentirei a paz

Por fim, se perguntares por que me recuso
A entabular práticas de amor contigo
Eu só direi – cansei de ser intruso
Noites de amor não se faz com o inimigo

Novembro 2018