SOB NOVA DIREÇÃO
Quando comecei a escrever este artigo,
imediatamente após o término da partida contra a Venezuela que marcou a quarta
vitória consecutiva da seleção brasileira sob o comando de Tite, pensei em
dar-lhe o título de “Da água para o vinho”, enfatizando a diferença marcante
entre o seu desempenho atual e aquele arremedo de futebol praticado pela equipe
de Dunga.
No entanto, resolvi por chamá-lo de “Sob
nova direção”, um pouco mais contido, por ser o indicador de que o torcedor
brasileiro está feliz e confiante com a mudança do comando técnico, da mesma
forma com a qual um cliente reage quando um restaurante que andava mal das
pernas – e dos sabores – muda de chef, de cardápio e de administração.
A mudança da água para o vinho,
diferentemente do milagre operado por Jesus Cristo nas bodas de Canaã, deverá
ser sentida gradativamente durante as Eliminatórias na qual ainda teremos pela
frente Argentina, Uruguai, Colômbia e outros menos qualificados.
Afinal, não basta mudar de água para
vinho, tem que ser vinho de qualidade!
Ganhar de Bolívia e Venezuela não tem o
sabor que o degustador aprecia. Mas ganhar jogando bem – muito bem contra a
Bolívia e mais ou menos bem contra a Venezuela – sempre ajuda na autoestima e
na soma dos pontos fundamentais para nos conduzir à Rússia em 2018.
O devastador toque de bola contra os
bolivianos não foi visto na partida contra a Venezuela, e não me parece que a
ausência de Neymar tenha algo a ver com isso. Os venezuelanos, com toda a sua
limitação, se defenderam melhor, cobriram os espaços com mais propriedade e
dificultaram as coisas para os brasileiros. A prova disso é que o primeiro gol
aconteceu logo no início, após uma pixotada grotesca do goleiro venezuelano
aproveitada com primor por Gabriel Jesus, e o segundo quase no fim, após um
chute improvável e muito feliz do atacante Willian.
É claro que deve ser ressaltado o fato
de que em tão pouco tempo, nas mãos de um técnico mais competente, o grupo de
jogadores – praticamente os mesmos que atuavam na seleção carrancuda de Dunga –
conseguir apresentar um futebol com a cara do Brasil que queremos ver.
O futebol da seleção nesta ainda curta
mas promissora era Tite vem mostrando uma variedade de detalhes com os quais já
nos havíamos desacostumado, como triangulações, deslocamentos, jogadores
procurando o vazio para receber a bola em melhores condições, lançamentos mais
precisos, volantes mais técnicos e uma defesa segura que sofreu apenas um gol
em quatro partidas, mesmo assim um gol contra do zagueiro Marquinhos. Foram
doze gols marcados em quatro apresentações, uma prova de que os jogadores voltaram
a acreditar no seu próprio potencial.
A agenda de procedimentos de Tite inclui
diálogo franco e honesto com os jogadores e com a imprensa, uma interlocução
não subserviente com a CBF, técnicas modernas de treinamento e um prudente
distanciamento de agentes e empresários.
O fato mais positivo da gestão Tite é
que ele conseguiu devolver a confiança ao jogador e ao torcedor, além de
mostrar para o mundo o futebol brasileiro que o mundo estava acostumado a ver
no século passado.
Chegar ao primeiro lugar nas
Eliminatórias da Copa depois de quatro jogos não era nenhuma obrigação, pois o
objetivo ainda é a classificação pura e simples para a Copa de 2018. Mas depois
de quatro jogos o Brasil chegou lá, e dá mostras que aquelas nuvens negras que
toldavam o nosso céu azul de anil foram embora junto com a antiga comissão
técnica de tão má lembrança.
O Brasil está disputando um futebol mais
leve, mais técnico e envolvente, sem deixar de lado os toques de efeito típicos
do futebolista nativo, e os jogadores se viram finalmente livres de
implicâncias e ressentimentos por parte da comissão técnica anterior e sabem que
a sua convocação e eventual escalação obedecerá apenas a critérios
exclusivamente técnicos, sem ranços nem rancor.
Todas as seleções ainda terão de cumprir
nove partidas pelo torneio que classificará diretamente os quatro primeiros
países classificados e oferecerá uma repescagem intercontinental para o quinto
colocado.
Os próximos adversários do Brasil serão
a Argentina, que passa por uma crise técnica, e o Peru, que tradicionalmente
não nos dá muito trabalho. Se continuar trabalhando com a mesma objetividade
das últimas quatro partidas o Brasil tem tudo para carimbar o passaporte para
Moscou nos oferecendo um vinho de ótima qualidade.
(Artigo publicado no caderno de Esportes do
jornal O Imparcial de 14/10/2016)