sábado, 29 de agosto de 2020

 




AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 9 - A MARATONA
            (continuação)

Na tarde-noite da estréia lá estavam Phil e Susan, de mãos dadas como dois namorados, vestidos com a sua melhor roupa de domingo e ansiosos para o início da aventura, ele trazendo na face o sorriso apalermado dos apaixonados, ela com a expressão triunfante dos vencedores brilhando num rostinho bonito.

Eles receberam o número vinte e sete pintado num quadrado de pano que foi costurado às pressas nas suas costas, e juntos com os demais participantes foram colocados a par das instruções finais: todos os casais dançariam ininterruptamente até que sobrassem apenas cinco duplas, quando um júri composto por três pessoas – “especialistas”, segundo o orientador – iria determinar quais seriam os vencedores do primeiro ao quinto lugar. Os prêmios, que ainda não haviam sido estipulados, seriam pagos na noite desse mesmo dia, na presença do público.

Muitos produtores de shows estariam presentes – ele afirmou – portanto era possível que algum casal caísse nas graças de algum deles para estrelar, quem sabe, na Broadway, ou até mesmo – frisou ele, arregalando os olhos – em Hollywood!

Finalmente o Senhor Benson se retirou de cena, deixando um auxiliar encarregado de continuar com a peroração, alertando para detalhes específicos como alimentação, necessidades especiais de higiene e atendimento médico. Não estava descartada uma desclassificação antecipada, que poderia acontecer a critério exclusivo da organização, sem direito a qualquer tipo de reclamação.

Todos assentiram mudamente, como soldados que se preparam para iniciar uma batalha decisiva.

Soou então uma sirene estridente e irritante, marcando o início do concurso, ao som da orquestra de um tal Dale Johnson, que atacou um conhecido sucesso de Cab Calloway denominado “The Man From Harlem”.

Com mais de sessenta casais rodopiando no enorme tablado foi iniciada a maratona, cujo final era inteiramente imprevisível. Do lado de fora chapéus eram atirados para o alto, e gritos de “hurrah” podiam ser ouvidos mesmo por quem estivesse longe, como se o público estivesse num rodeio do meio-oeste.

O baile seguiu noite adentro, e quem se postasse a uma centena de metros de distância podia ver um enorme salão iluminado e sonoro, servido por janelões generosos que ventilava o ambiente e tornava a música quase etérea.

 

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No início, tudo parecia muito divertido.

Alguns casais – não era o caso de Susan e Phil – esbanjavam precocemente uma energia que iria fazer falta no futuro, sem atentar para a duração imprevista da maratona que ali se iniciava.

Passados oito dias, lá estavam Susan e Philip, completamente alheios ao mundo exterior, vagando como dois fantasmas, sem conseguir sentir as pernas, magros, macilentos, com a roupa suja e amarrotada, os sapatos rotos e os pés em pandarecos.

Lá fora o sol se punha, preguiçoso, marcando o final de mais um dia de provação.

Do centro do ringue se espalhava um odor acre e nauseabundo que pairava por todo o auditório, mesmo com a ventilação que provinha de um largo portão e dos janelões laterais estrategicamente abertos.

Dos sessenta casais que haviam iniciado a empreitada ainda restavam sete, Phil e Susan incluídos. Os pares haviam perdido a noção de espaço, e apesar da imensidão do tablado ainda de trombavam e se esbarravam, como que procurando um apoio inconsciente.

Os olhares sem brilho se cruzavam no vazio, sem se ver, como se todos fossem espectros.

De repente, Susan sentiu que o chão começou a se deslocar, como se tivesse apoiado sobre rodas. Olhou para o alto e viu as lâmpadas de iluminação a gás girando como se fossem levantar voo, completamente fora de foco para os seus olhos opacos.

Ela tentou resistir, mas a sensação era mais forte. Susan foi levada pelo turbilhão, se agarrou a Philip com todas as forças que lhe restavam e deixou cair seu corpo sobre o dele.

Ela se viu flutuando, e a dor que sentiu quando bateu a cabeça com força no tablado fê-la pensar que o céu tivesse desabado sobre eles.

Abriu novamente os olhos e viu Phil também caído, a boca aberta salivando e a face pálida e sem expressão, enquanto ouvia gritos e gargalhadas que pareciam vir de um túnel de vento.

A aventura chegara ao fim.

 

quinta-feira, 27 de agosto de 2020




AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 9 - A MARATONA

Susan encostou o rosto na barba picante e úmida de Philip Stainer, e sentiu um cheiro azedo que exalava da pele gordurosa de um rosto que havia dias não sabia o que era água e sabão.

Do seu próprio corpo esmaecido emanava um odor de suor de alguns dias, e sua face pálida também mostrava sinais de que carecia de higiene.

No entanto, eles ainda se abraçavam, embalados num movimento lânguido que tentava acompanhar o ritmo arrastado de “Once In A While”, interpretado de forma lamentável por uma orquestra sem inspiração, na qual um trombonista de poucos recursos tentava imitar Tommy Dorsey.

Ao seu lado, alguns casais tropeçavam no cansaço e perdiam o equilíbrio, esbarrando em Susan e Philip, fazendo com que eles despertassem momentaneamente do torpor no qual estavam mergulhados.

Para Susan cada esbarrão parecia o soar de um gongo ribombando na sua cabeça. A cada choque com outro casal, Philip parecia acordar e tentava se aprumar – afinal era ele quem deveria conduzir a dança, era ele o responsável por seguir em frente naquela louca situação de agonia.

Àquela altura, os pares se apoiando um no outro, eles já tinham perdido a noção do tempo, pois dias e noites haviam passado numa lenta sucessão, com a música se insinuando pelos ouvidos e pelo cérebro junto com os gritos de incentivo do público ou de advertência dos juízes, que não permitiam paradas mais longas do que cinco míseros segundos, mesmo que fosse para recuperar o fôlego.

Melhor assim, conseguiu raciocinar Philip, pois se parassem totalmente com certeza desabariam de sono e de fadiga no tablado de madeira que parecia um enorme ringue pugilístico.

Os olhos já não conseguiam focar as pessoas, e os objetos pareciam se aproximar e se afastar, num movimento desordenado ponteado por minúsculas luzes coloridas que piscavam intermitentemente.

 

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Quase duas semanas haviam passado desde que Susan fora bater à porta de Philip, um espigado rapagão de vinte e tantos anos que morava com a mãe numa casa localizada nos fundos de uma espécie de vila coletiva, para lhe propor a incrível aventura.

Susan Goldstein era uma jovem de classe média que também estava às voltas com a sobrevivência, depois que o armazém de secos e molhados do seu pai teve que fechar as portas pela falta de fregueses e pelo excesso de contas a pagar para os fornecedores.

Philip sempre tivera uma queda por ela, desde que há quatro anos ele se mudara para Nova York na companhia da mãe e de um irmão mais novo, vindos de Richmond, na Virgínia, à cata de uma profissão e de uma vida decente. Foi, portanto, com uma agradável surpresa que ele a recebeu para ouvir uma proposta que, de acordo com ela, seria irrecusável.

“Um tal Dill Benson, recém-chegado de Saint Louis” – dissera ela – “estava na cidade trazendo boas novas para aquecer a economia doméstica, afugentar a crise e, segundo dizia a propaganda, balançar as estruturas da cidade”.

Tratava-se de um concurso de dança, onde não seria necessário ao candidato possuir grandes habilidades, exigindo simplesmente muita obstinação e resistência.

Eles poderiam se inscrever, disse Susan, e concorrer a diversos prêmios cuja soma chegava a centenas de dólares – ela não tinha certeza do valor exato – além de provavelmente proporcionar algum emprego fixo para os finalistas.

Emprego fixo era a palavra-chave e a obsessão do momento, e como Philip Stainer também estava desempregado e devendo alguns meses de aluguel para o senhorio, a proposta de Susan parecia ter vindo a calhar. Se nada desse certo, pelo menos ele se aproximaria dela de uma forma definitiva.

No fundo, Philip, a quem ela chamava de Phil, um jovem tímido e recatado com cabelos cor de areia emoldurando um rosto triste, odiava a ideia de se expor em público, mas ficou fascinado com a proposta porque isto representava um passo adiante nas suas relações com Susan. Afinal, ficar abraçado com a garota dos seus sonhos e ainda por cima ganhar dinheiro e – quem sabe um emprego – parecia ser uma boa sugestão.

Tudo acertado, no dia seguinte Phil e Susan se dirigiram ao local que já estava sendo montado em um terreno baldio que ficava atrás dos galpões da estrada de ferro. Lá, diante de uma pequena casa de madeira que servia de escritório, perfilava uma considerável quantidade de casais.

Será um concurso e tanto, pensou Phil, enquanto segurava a sorridente Susan pela mão e acariciava três moedas de um dólar com a outra mão, taxa que cada par tinha que pagar à organização do concurso no ato da inscrição.

Depois de quase duas horas de espera eles foram finalmente atendidos pelo próprio Dill Benson, um sujeito encorpado de ombros largos e olhos astutos que portava uma larga bigodeira, trajando chapéu de copa larga e um terno de tecido grosso que era um despropósito para o calor que fazia em pleno verão novaiorquino.

Dill os cumprimentou e parabenizou pela decisão, e em seguida pediu os três dólares previstos para a inscrição, fornecendo a seguir uma ficha impressa em letras miúdas para ser devidamente preenchida.

Enquanto eles preenchiam a ficha, o senhor Benson argumentou que a premiação ainda estava sendo definida. Depois, perguntou se havia alguma coisa em especial que eles queriam saber – não havia – desejou boa sorte ao casal e pediu para que eles se apresentassem no mesmo local dali a três dias ao cair da noite – “lá pelas seis horas” – pois o concurso de dança seria iniciado às oito.

O senhor Benson os orientou para que assinassem no lugar devido e relessem a sua cópia do regulamento com cuidado a fim de evitar reclamações posteriores.

 


quarta-feira, 26 de agosto de 2020

 



SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 16/03/2018
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís-MA

JAZZ & BOSSA ACÚSTICO - MARCUS LUSSARAY & BRUNA LUSSARAY

Um dos guitarristas da cena maranhense que mais se envolveram com o jazz é Marcus Lussaray. Dono de uma pegada na linha dos melhores guitarristas do jazz internacional, Marcus passeia com estilo e facilidade pelo jazz mainstream e pelo jazz contemporâneo com acordes ricos e vibrantes e com uma grande segurança, fruto de anos de dedicação e prática. Bruna Lussaray, nascida no ambiente musical do pai, é pouco mais que uma adolescente, mas interpreta os clássicos do jazz e da MPB com a alma e a competência de quem sabe. Sua interpretação vocal é personalíssima e mostra nuances surpreendentes para, digamos, a sua pouca experiência. Nesta gravação a dupla mostra um trabalho que vai de Gershwin a Jobim, e de Arlen/Koehler a João Bosco/Capinan, e músicas como "East of the sun"  e "S Wonderful" para os iniciados, "Corcovado" e "O Barquinho" para os saudosistas e "Desenho de Giz" e  "Aliás" para os mais contemporâneos. Tudo com muita classe.  

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini

                                                                                                                                    

 

 

 


NOVOCABULÁRIO INGLÊS

(Copyright Grammarly)

 

(ver tradução após o texto) 

DIY

 

We call DIY an activity of decorating, building, and making repairs at home by oneself rather than employing a professional. It also means making your own objects instead of buying them from a store or an artisan. DIY is really about you seeking out the knowledge and developing the skills you need to do something that you would normally pay someone else to do for you. DIY stands for “Do It Yourself”.

 

 

            “My brother is a real DIY enthusiast”. 

            “I’m totally useless at DIY…”           

            “Your features in DIY upholstery told me all I need to know about renovating second-hand furniture”.

 

                                  

 

TRADUÇÃO

 

FAÇA VOCÊ MESMO

“DIY” (pronuncia “diaiuai”) é uma atividade de decoração, construção ou consertos feitos em casa por você mesmo em vez de chamar um profissional para fazer. Também significa você fabricar seus próprios objetos em vez de comprá-los numa loja ou de um artesão. “DIY” também significa desenvolver o talento e conhecimento que você precisa para fazer alguma coisa que você teria que pagar a alguém para fazer por você. “DIY” quer dizer literalmente “Faça Você Mesmo”.

“Meu irmão é apaixonado por DIY”.

“Eu sou uma nulidade em termos de DIY”.

“Seu trabalho em tapeçaria me mostrou tudo o que eu preciso saber para reformar móveis de segunda mão”.

 

 

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

 


AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

FINAL DO CAPÍTULO 8 - O LINDY HOP

Norma Miller tinha apenas quatorze anos quando foi descoberta por Herbert White. Como outras adolescentes, ela gostava de dançar, alegre e solta, na calçada em frente ao Alhambra Ballroom, e também como outras adolescentes ela tinha o sonho velado de algum dia poder dançar não na rua, mas dentro do teatro, para ser admirada e aplaudida pelo público.

Certa tarde Herbert White estava saindo do teatro, onde estivera assistindo os ensaios para o show da noite e parou para ver alguns jovens se divertindo ao som da orquestra que continuava tocando e que fluía através da porta entreaberta.

Rapazes e moças se dedicavam à dança com todo fervor, e uma garota alta e elegante executava os seus passos com tamanha desenvoltura que ele se fixou nela com determinação.

A garota era bonita, muito jovem, e possuía um brilho diferente que a destacava dos outros.

Apesar de quase menina, Norma já possuía um corpo e gestos “de mocinha”, apimentando a música com a dose exata de sensualidade, exalando inocência e ao mesmo tempo maturidade nos seus passos milimetricamente corretos.

White se aproximou da garota e puxou conversa, elogiando o seu desempenho artístico e procurando saber se Norma teria algum interesse em se exibir profissionalmente.

A princípio, ela se assustou. Aquele homem que se dizia chamar Mister White tinha o olhar penetrante e uma expressão estranha no rosto austero. Era um homem maduro e, fosse ou não verdade o que ele dizia, soava amedrontador. Aos poucos, porém, ela foi confiando na conversa dele e quando entendeu que ele era o responsável pela dança do teatro se sentiu aliviada e lisonjeada. Finalmente declarou que precisava perguntar para a avó, com quem morava, pois ainda não tinha atingido a maioridade.

Mesmo ficando ligeiramente desapontado com a pouca idade de Norma, White a convidou para ensaiar na semana seguinte do lado de dentro do salão – e convidou também alguns outros participantes do grupo que se esbaldavam na rua, para evitar comentários e mal-entendidos, apostando que dificilmente teria problemas com a lei, pois a fiscalização naquelas bandas era para lá de precária, e a garota parecia definitivamente mais velha do que deveria indicar o seu documento de identidade.

“Nada que a redação de um bom contrato não possa resolver”, pensou ele.

A avó de Norma, uma ex-escrava chamada Dorothy Turner não opôs nenhum obstáculo quanto às pretensões do empresário.

Em primeiro lugar, tratava-se de uma oferta de emprego, sonho de consumo de boa parte dos habitantes do lugar. Depois, ela já tinha ouvido falar de um tal “senhor Whitey” que gerenciava espetáculos de dança, e seu nome não sugeria nada de errado. O “senhor Whitey” parecia ser uma pessoa decente e honesta, ela ponderou – “um verdadeiro cavalheiro”.

Assim, com as bênçãos de Dorothy, Norma ingressou no show business.

Dorothy sempre houvera estimulado a neta a participar de concursos de dança, pois de vez em quando surgia de lá algum dinheiro para fazer frente às despesas da casa mal provida pelo tio Josh, que trabalhava como porteiro de um cabaré de segunda classe e costumava beber o salário junto com as funcionárias de baixa reputação.

Norma começou a se apresentar no grupo de White ao lado de um parceiro que Dorothy não aprovava muito, um tal de “Twistmouth” George, cuja fama de boêmio e de namorador extrapolava os quarteirões do bairro e colocava a segurança da mocinha em risco.

Mas “Twistmouth” George era um grande dançarino e também possuía um pequeno grupo de lindy hop, e não foi por outra razão que ele também chamou a atenção de White, que além de contratar um dançarino de qualidade também eliminaria parte da concorrência.

Além de um grande dançarino, George era também um grande fanfarrão. Ele se considerava o melhor do Harlem e costumava dizer que qualquer garota que porventura se apresentasse ao seu lado fatalmente faria sucesso na dança e que, no mínimo, se quedaria apaixonada pelo seu charme.

Norma Miller já conhecia George. Foi dançando com ele que ela se convencera ter de fato os atributos necessários para ser uma lindy hopper, tanto pelos elogios do próprio parceiro como pelos aplausos recebidos nos diversos concursos dominicais de dança disputados no Apollo Theater.

Quando o senhor White os convidou para fazer parte do seu seleto grupo, “Twistmouth” George exultou, pois achou que não apenas faria com Norma o par perfeito como finalmente conquistaria o seu coração.

No entanto, suas previsões não foram confirmadas. Ao invés dele, Herbert White decretou que Norma fizesse parceria com um sujeito magrinho e irrequieto que havia sido contratado seis semanas atrás, chamado Frankie Manning. Quanto à paixão, Norma – apesar da pouca idade – já sabia discernir entre um fogoso passatempo descartável e um futuro mais apropriado para as suas ambições.

A segunda grande e agradável surpresa de Norma aconteceu logo em 1934, quando Herbert White resolveu levar sua trupe – ela incluída – para uma turnê de algumas semanas pela Europa. O lindy hop ganhava status e iria mostrar a sua arte no Velho Continente, e a nova estrela se destacava, ganhava altura da noite para o dia e se transformava na primeira dama do corpo de baile.

Anos depois, ao escrever a sua autobiografia denominada “Swingin’ At The Savoy – A Memoir Of A Jazz Dancer”, Norma admitiu que, à parte o fascínio de se apresentar em outro continente, as noitadas de dança da turnê européia acabaram se transformando num autêntico desastre devido à baixa qualidade da música executada pelas orquestras europeias contratadas para abrilhantar o show. É claro que dançar no Savoy, no Cotton Club ou mesmo no Teatro Apollo tendo por background o som da orquestra de Fletcher Henderson ou de Chick Webb era completamente diferente de ser acompanhada por um combo inglês composto por quatro ou cinco elementos que possuíam um conceito limitado do verdadeiro swing.

Entre as curiosidades narradas no livro, existe um comentário bastante singular, raramente abordado pelos historiadores de jazz, e que aqui entra como um aposto na narrativa sobre a história do lindy hop: a briga de Chick Webb com Count Basie.

A confusão causou um grande mal-estar entre Herbert White e Chick Webb porque o maestro-baterista acusara todo o grupo de hoppers de estar tramando contra ele em favor de Count Basie. A desavença piorou quando Webb bateu boca publicamente com Basie e se recusou tocar se os dançarinos de White não esvaziassem o salão, o que quase causou uma comoção pública. Em breve, Webb e Basie selariam a paz através da intermediação de White e voltariam a se enfrentar – desta vez musicalmente – numa noite que faz parte da história do Savoy Ballroom, como se verá mais adiante.

O fato é que White era um comerciante nato e tratava o lindy hop como se trata uma mercadoria qualquer. Seu negócio não era gostar de swing, era fazer dinheiro com o swing e, por não ser músico nem ter afinidades empresariais com músicos, ele achava mais fácil gerenciar um grupo de dançarinos do que trabalhar com maestros e arranjadores.

Não foi difícil para ele, portanto, desculpar-se pelo ocorrido, demitir três ou quatro dançarinos possíveis responsáveis pelo boato, restabelecer a paz com Webb, manter uma política de boa vizinhança com Basie e fazer o show continuar.

 

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A parceria Norma Miller-Frankie Manning deu muito que falar, tanto no aspecto musical como no que diz respeito às suas relações pessoais, mas eles sempre juraram ter sido apenas e nada mais do que grandes amigos, e que jamais tiveram qualquer intimidade maior, a despeito dos inevitáveis comentários e mexericos típicos do meio artístico.

De acordo com Norma, eles jamais colocariam em risco uma sociedade tão perfeita em troca de momentos fugazes que o tempo se encarregaria de apagar. Afinal, eles não eram enamorados um pelo outro; os dois eram apaixonados pelo swing, em particular pela dança.

Nos anos 1940 Norma se desligou de White e montou seu próprio grupo de dança, o qual denominou Norma Miller’s Dance Company, mas continuou esporadicamente a se apresentar com Frankie Manning aqui e acolá, sempre que se apresentasse uma situação propícia.

A alegre adolescente das festas de calouros no Teatro Apollo se transformaria sessenta anos depois em uma professora com mestrado de dança popular nas Universidades de Stanford e do Havaí.

A Rainha do Swing, como Norma foi chamada, foi agraciada em 2003 com o prêmio National Endowment of the Arts pela sua importância na criação acrobática no lindy hop. Ela morreu em 2019 pouco antes de completar 100 anos, deixando sua marca na coreografia da dança dos shows musicais nos estúdios de Hollywood e nas emissoras de televisão americanas.

 

 

domingo, 23 de agosto de 2020

 

À PROCURA DO MEU EU

(Augusto Pellegrini)

Saí um dia à procura
Do meu eu mais que perfeito
E retornei contrafeito
Pois depois de tanta lida
Percebi que nesta vida
Não há meu eu que dê jeito

Saí um dia à procura
De um amor verdadeiro
E passei um ano inteiro
Batendo de porta em porta
Pra saber se alguém se importa
Com este meu eu romanceiro

Saí um dia à procura
De algo meu proibido
Como um vício desmedido
Que me levasse à loucura
E percebi que a procura
Tornou meu eu desvalido

Saí um dia à procura
De um tesouro à deriva
Pra tornar mais atrativa
Esta vida de problemas
E vi meu eu num dilema
Entre o fato e a expectativa

Saí um dia à procura
De um destino, embora incerto
Fui em frente, peito aberto
Não passei do desejado
Recuei, amedrontado
Sem ter salvação por perto

Saí um dia à procura
Do meu mundo verdadeiro
E era você, por inteiro
O meu eu que eu procurava
No fim, não passou de um sonho
A imagem que se formava

Saí um dia à procura
Daquela paz almejada
Notei que no fim da estrada
Tinha alguém à minha espera
Entre a surpresa e a quimera
Era o meu eu que lá estava

 

Outubro 2018



AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 8 - O LINDY HOP
            (continuação)

Frankie Manning era um adolescente pobre que morava perto do Rio Hudson, numa casa de cômodos que a pequena família dividia com outros inquilinos.

Sua mãe, Judith, não tinha uma profissão definida – ora lavava a roupa de alguns vizinhos mais bem aquinhoados, ora varria a calçada da Rua 125, procurando disfarçar a poeira acumulada que vinha do leito carroçável de terra batida. Durante a estação chuvosa, tentava devolver para o meio-fio precário a lama acumulada em frente às portas, e com isso tudo ganhava alguns trocados dos donos dos estabelecimentos comerciais.

Frankie até gostaria de ajudar, mas o trabalho era pesado demais para o seu corpo franzino. O máximo que ele conseguia fazer era limpar e engraxar as botas e os sapatos enlameados dos comerciantes do bairro. Seu físico raquítico sugeria aos vizinhos desconfiados uma tuberculose embutida, embora os olhos vivos e brilhantes denunciassem muita esperteza e uma intensa alegria de viver. Sua vida não era diferente da vida de milhares de jovens sem muita perspectiva que habitavam os cortiços do Harlem, cercados de dívidas e de problemas, mas também de sonhos e de ilusões.

Era o final dos anos 1920, e Frankie estudava na escola da igreja da comunidade, a Metropolitan Baptist Church. No caminho para a escola, ele passava em frente ao Alhambra Ballroom, um dos famosos salões de música e dança do Harlem, de onde às vezes podia ouvir o som incipiente do swing e ver alguns negros ensaiando passos de dança.

Animado com o que via e ouvia, ele logo estava fazendo o mesmo ao lado dos amigos da vizinhança.

Aos quinze anos, Frankie começou a frequentar festas e bailes nos salões da redondeza, onde costumava exibir seus passos de dança, e era considerado por alguns amigos como arrojado e moderno, e por outros como ridículo e desajeitado.

O swing havia se instalado de vez em Nova York e muita gente ia aos dance-clubs para dançar ao som de pequenas orquestras, dando início a uma febre fantástica que logo chamaria a atenção de alguns empresários e donos dos salões mais conceituados.

Frankie ainda não tinha dezoito anos quando começou a frequentar o Savoy, pagando o ingresso com dinheiro conseguido com o suor da sua própria dança, em exibições de rua ou em outros salões menos concorridos.

No Savoy, o público afluía em grande quantidade para dançar e ouvir as grandes orquestras do momento. Frankie se deslocava para lá para praticar o seu balé particular cheio de piruetas, voltas e contravoltas trajando roupas confortáveis e cheias de estilo que eram costuradas por Judith, e calçando mocassins baratos que deslizavam sem derrapar.

Ele havia participado de um concurso de dança no Lafayette Theater acompanhado dos amigos Frieda Washington, Billy Ricker e Willla Mae (que naquele tempo, solteira, ainda não tinha o sobrenome Ricker). Todos haviam começado a dançar digamos, profissionalmente, na Rua 126, bem perto da Igreja Batista, exatamente no Alhambra Ballroom, onde tocava a orquestra de Vernon Andrade. Depois, estenderam os seus passos para o Renaissance Balroom, na Rua 138, ao som de Claude Hopkins, uma orquestra mais conceituada que ajudou o grupo a refinar os seus passos.

Nenhum dos dois salões, no entanto, se comparava ao Savoy. O Savoy era a verdadeira escola de que eles precisavam para se graduar no “métier”. Era no Savoy que se apresentavam os verdadeiros astros do swing, como Fletcher Henderson, Jimmie Lunceford, Chick Webb e outras orquestras do mesmo calibre.

Nesta época, o lindy hop já se difundira razoavelmente pelo Harlem, e alguns grupos de dançarinos estavam se formando, como os de “Shorty” Snowden e de “Twistmouth” George, mas o grupo criado por Herbert White era o mais profissional e o preferido do público.

Assim, foi uma grande e alegre surpresa para Frankie Manning e seus amigos quando Herbert White “em pessoa” os convidou para ingressar no Whitey’s Lindy Hoppers.  White ficara empolgado com a dança moderna e cheia de estilo que eles haviam apresentado, principalmente no que dizia respeito a Frankie e Frieda – em especial um passo acrobático que mais tarde seria denominado “aerial step” (passo aéreo), tal o seu grau de dificuldade e arrojo.

Frankie não sabia, naquela noite iluminada, que ele estava iniciando uma carreira que faria dele futuramente o embaixador da dança do swing, com milhares de apresentações nos salões e palcos americanos, e de centenas de excursões feitas durante mais de sessenta anos por todo o mundo, acumulando as funções de dançarino e coreógrafo, participando de filmes, programas de televisão e workshops de dança.

Manning morreu de pneumonia em abril de 2009 aos 94 anos, e a data do seu aniversário – 26 de maio – se transformou no “Dia da Celebração do Lindy Hop” e costuma reunir dançarinos e instrutores de todo o mundo em Nova York.

O lindy hop continuaria com certeza a ser uma atração das noites americanas e teria atravessado décadas com ou sem a presença de Frankie Manning. No entanto, é forçoso dizer que a difusão do swing como espetáculo cênico deve muito a ele.