quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

 


AMOR MANHà 

(Canção de Renato Winkler – Letra de Augusto Pellegrini)

 

Se a sombra agora mora em mim

O meu porquê há de virar canção

Estou triste, triste tanto

Só o sorriso bom de uma manhã

Fará nascer o meu sorriso sol

Estou triste, triste tanto

Só o renascer de todo amor

Que imenso foi vai me fazer feliz

Vem beijar meu desencanto

Volta, faz brilhar novamente a lua

Aquela mesma lua

Que iluminou nossa grande noite

Só o teu olhar traz o luar

Pra iluminar o meu anoitecer

Só teu olhar me faz amanhecer

Por que virar canção

Se é tão real?

Venha depressa

Disfarçar o mal

Motivação de minha vida e paz

Cante comigo o meu sorriso sol

E o amor manhã também renascerá

 


ABSTRATO

(Augusto Pellegrini)

Um arranjo de flores pousa sobre o toucador
Enquanto o quarto é mergulhado na penumbra
Provoca em meu olhar imagens mentirosas
E forma formas deformadas em seu derredor

Ora vejo um gato, silencioso, arguto e atento
Depois o gato aos poucos se transforma em gente
Pois basta o sopro suave de um leve vento
Para que a imagem se transforme de repente

Agora flana e dança como uma bandeira
Com cores desmaiadas de vermelho e branco
Diante do espelho espanta o meu espanto
Até que a imagem se transmude enfim inteira

O pleno dia surge, e então a claridade
Põe no meu caleidoscópio enfim o ponto final
O estranho devaneio se transforma em realidade
Tudo era fantasia, tal como flores de papel jornal

Janeiro 2020

 

  

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

 


    PÁGINAS ESCOLHIDAS

O FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)

A PREGUIÇA

A preguiça do Juvenal era proverbial.
Às vezes deixava de almoçar para não ter que ir até a cozinha preparar o prato, às vezes deixava de tomar banho para não despertar daquele gostoso torpor que a indolência lhe causava.

Tinha preguiça de amarrar os sapatos, e já tomara um tombo monumental ao enroscar os pés nos cordões, num dia de relativa pressa.

Já perdera uma namorada porque se negava a passear e preferia dormitar candidamente no seu colo com as mãos afagando suas loiras melenas, até que ela se enfadou com tanto enfado e foi procurar outro que pudesse agitar os seus dezesseis anos carentes.

A preguiça do Juvenal fizera com que ele deixasse de ir à casa lotérica do outro lado da rua pra levar um volante já preenchido – a fila longa não o encorajou ir ao encontro da sorte, e ele achou melhor ficar em casa dormitando sob o frescor do ventilador.

No domingo à noite na hora da zebrinha do Fantástico ele resolveu conferir o volante não jogado. Mesmo confundindo Bilbao com Guijón e CSA com CSE ele acertou a improvável vitória de uma Sanbenedettese contra o Milan e carimbou os treze pontos, como bem atestava o volante.

O volante que, por preguiça, ele não jogou.    

 

(Um breve estudo sobre o possíveis malefícios causados pela indolência)


 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

 


EU E A MÚSICA – EPISÓDIOS NOTURNOS

(Um bate-papo com o MPB3)

A morte do cantor Ruy Faria – o Ruy do MPB4 – em 11 de janeiro de 2018, me trouxe tristeza, nostalgia e algumas lembranças. Tristeza porque o desaparecimento de verdadeiros artistas deixa ainda mais incerto o panorama musical brasileiro deste início de século, que chega a ser preocupante. Nostalgia porque Ruy me lembra a melhor época da chamada MPB e uma das melhores da minha vida, e me fez concordar plenamente com um artigo do blogueiro Mauro Ferreira, onde ele diz ser Ruy a voz do MPB4 (e eu completo “da mesma forma como Severino Filho foi a voz de Os Cariocas”). Eu diria mais, ambos não foram só a voz, mas também a cara e a alma dos conjuntos vocais dos quais participavam. As lembranças ficam por conta de uma noite nos longínquos anos 1960, na qual Ruy participou da minha existência por algumas horas.
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No final dos anos 1960, a Vila Buarque concentrava boa parte do encanto da Paulicéia Desvairada, como bem definia a cidade de São Paulo o poeta Mario de Andrade quarenta anos antes.
Um quadrilátero limitado pela Praça da República por um lado e pela Avenida Angélica do outro, e pela Faculdade Mackenzie e a Rua da Palmeiras pelos lados adjacentes, possuía talvez a maior quantidade de noctívagos por metro quadrado da capital, agrupando desde jovens estudantes ou escriturários que saíam do serviço e lotavam os barzinhos na hora do “happy hour”, onde sempre existia alguém cantando e tocando violão – com direito a todo mundo cantar junto – até figuras engravatadas que procuravam “American bars” mais sofisticados, com um trio piano-contrabaixo rabecão e bateria, passando por quem procurava aventuras caras ou baratas, dependendo da boate e da companhia que iria se sentar ao seu lado, estes, cavalheiros mais velhos, de preferência casados apreciadores de uma fuga semanal acompanhada por um uísque duvidoso. Isto sem deixar de lado o chope boêmio do Bar e Restaurante Redondo, ao lado da Praça Roosevelt.
Meu habitat predileto era o bar “Sem Nome”, que realmente não tinha nome e era simplesmente uma garage com porta de correr onde o dono adaptou um balcão de mármore e instalou meia dúzia de mesas e cadeiras insuficientes para a quantidade de fregueses que sempre tinham alguma novidade como entretenimento e se apinhavam em pé ao lado do balcão tomando a especialidade da casa, que eram as batidas e caipirinhas.
Por lá eu tive a oportunidade de cantar junto com Chico Buarque (na época despontando com seu “Pedro Pedreiro”), Zé Keti (que atendia aos pedidos para cantar “Opinião”, um sucesso do momento no Teatro de Arena, lá na Rua Teodoro Baima, com a peça do mesmo nome ao lado de João do Vale e Nara Leão, depois Maria Bethânia) e o maranhense Chico Maranhão (que empolgava com o frevo “Gabriela” quem eu viria a reencontrar vinte e cinco anos depois em São Luís).
O hino oficial do Bar Sem Nome era a música de Ismael Silva “O que será de mim” (“Se eu precisar algum dia de ir pro batente não sei o que será / Pois vivo na malandragem, e vida melhor não há”) – os jovens paulistanos substituíam a palavra “malandragem”, muito carioca, por “boemia”, que tinha mais a cara deles.
(Aqui em São Luís, Chico Maranhão mencionou o episódio no palco do Teatro Alcione Nazaré – na época Teatro Praia Grande, do Centro de Criatividade Odylo Costa, Filho – quando fazia o show de lançamento do LP “Quando as palavras vêm”, produzido por mim no início dos anos 1990. Chico falou brevemente sobre nossos encontros em São Paulo e dedicou a mim a música título, que começa assim – “Encontrei por aqui um antigo amigo...”, autoexplicativa).
Certa noite, lá em São Paulo, eu descobri um outro lugar no pedaço, pertinho da Praça da República, no início da Rua Marquês de Itu. A casa tinha um longo corredor e abria uma grande clareira no fundo, com mesas colocadas debaixo de árvores. Logo ao chegar divisei um conhecido numa mesa com outras cinco pessoas e me juntei ao grupo.
Apresentações feitas, percebi estar ao lado de três dos MPB4 – Ruy, Miltinho e Magro – que num bate papo descontraído me colocaram por dentro de algumas coisas de bastidores.
Seguindo a mesma linha do Bar Sem Nome, alguém tocava violão e cantava numa mesa ao lado, e o violão circulava, passando de uma mesa para outra.
Cerveja rolando, o violão chega na nossa mesa e Ruy começa a cantar uma canção de Noel Rosa, com Miltinho acompanhando no pinho.
Foi quando dei uma sugestão destrambelhada, pedindo para os três cantarem algum dos sucessos do grupo, como “Lamento” (de Pixinguinha com letra de Vinicius), ou “Gabriela” (aquela do Chico Maranhão). Ruy então me explicou didaticamente que não era possível cantar porque não dava para repetir a harmonia do grupo faltando uma voz – Aquiles estava ausente.
Aprendi mais uma coisa na vida e me contentei em ouvir solos de “Com que roupa?” e “Feitiço da Vila”, dentro de uma afinação impar e acordes belíssimos de violão.
Naquele momento eu me abstive de cantar, e a própria audiência alvoroçada diminuiu o falatório ao perceber que estávamos diante de uma celebridade.     

 

 


SINOPSE DO PROGRANA SEXTA JAZZ DE 09/08/2019
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
São Luís - MA

DUTCH JAZZ MUSIC

Muito antes da existência da União Européia, a Europa já tinha um denominador comum que servia como linguagem única a centenas de pessoas - o jazz. Desde que chegou ao Velho Continente no início do século 20 o jazz não parou de se expandir, contando inclusive com a participação de diversos músicos americanos que lá desembarcaram. O jazz é sem dúvida hoje em dia mais cultivado na Europa em termos de interesse do público, locais de apresentação e festivais do que os próprios Estados Unidos, sua pátria de origem. Os ouvidos mais afinados conseguem também diferenciar os estilos e a forma de tocar entre os diferentes países, de modo que não é nenhum exagero classificar o jazz europeu de acordo com o país onde ele está sendo produzido. O programa desta sexta-feira vai mostrar como está atualmente o jazz tocado na Holanda, com nomes de destaque mesclando músicas de compositores americanos tradicionais (McCoy Tyner, Miles Davis, Sonny Rollins, Lee Konitz) com jazzistas dos Países Baixos (Tineke Postma, Rolf Delfos, Toon Roos, Harmen Fraanje). O resultado final você pode conferir nesta sexta-feira.          

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini