sábado, 21 de março de 2020




TEMPOS DIFÍCEIS
(Augusto Pellegrini)

Tempos difíceis vivemos
De confinamento e tédio
Mas nosso melhor remédio
É conformar com o que temos

Temos que ficar em casa
Como fosse numa cela
E assim se esvai vida bela
Pois quebraram nossa asa

Mudou tudo em nossa vida
A noite, a roda de amigos
Mesmo assim ainda consigo
Tê-la menos reprimida

Com a tecnologia
Eu vejo de tudo um pouco
Mas o que me deixa louco
É a mesmice do dia-a-dia

Deixei de cantar, é certo
Nas noites de vinho e jazz
Pois não posso por meus pés
Lá fora, no descoberto

Não posso pra rádio ir
Pra fazer o Sexta Jazz
A assim fico, num viés
Sem falar, sem produzir

O meu programa querido
Com quase quarenta anos
Com pesar e desengano
Passou a ser repetido

As minhas aulas de inglês
Entre outras empreitadas
Começam a ser adiadas
Quem sabe pro outro mês

A alternativa, então
Mesmo com vã contumácia
É caminhar até a farmácia
Para medir a pressão

Ou ir ao supermercado
Nas horas mais sossegadas
Ver prateleiras esgotadas
Do produto procurado

E pra aumentar a lambança
Dizem, se bem me lembro
Que antes de chegar setembro
Não haverá qualquer mudança

Já me sinto enferrujado
Com a falta de movimento
Ansiando pelo momento
De ser enfim libertado

Poder cantar como antes
Enturmar com quem se ama
Renascer com o programa
E levar a vida adiante

Março 2020










quinta-feira, 19 de março de 2020







SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 29/12/2017
RÁDIO UNIVERSIDADE FM - 106,9 Mhz
Dão Luís-MA

COLETÂNEA DE JAZZ
DIVERSOS INTÉRPRETES

A extensão da riqueza do jazz não tem limites. Desde que surgiu, a música de jazz passa por mutações constantes, recebendo influência de outras vertentes e de outras experiências, curvando-se à genialidade de intérpretes e compositores que impõem a sua criatividade de tal maneira que, a cada momento, pequenas inclusões harmônicas, rítmicas e melódicas vão se incorporando a este vasto universo, acrescentando novas formas e novos estilos. Do tradicional ao swing, do bebop ao pós-bop, do mainstream ao contemporâneo, o jazz vem se embelezando e se recriando a cada instante. O programa desta noite vai flutuar por diversas ondas, passando pela orquestra de Duke Ellington, pelos cantores Ella Fitzgerald, Frank Sinatra e Joe Williams, pelos instrumentistas Jimmy Smith, Andreas Vollenweider, Arturo Sandoval e Kenny G e pelo grupo Spyro Gyra.    
    
Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini
                                                                                                                                    





quarta-feira, 18 de março de 2020





A MÁSCARA   
(Excerto II)

Ganhei uma máscara de presente, feia como o diabo. Disse-me o amigo que me presenteou que ela me traria sorte.
Para agradar o presenteador, coloquei a dita cuja na parede da minha sala. A operação pendura-máscara tomou-me quase dez minutos entre o arrasta cadeiras, o trepa e destrepa, e o confere a posição, mas finalmente a cara foi gloriosamente afixada.
Após descer cuidadosamente da cadeira, para não arriscar um tombo e começar a descrer das propriedades benfazejas do singular objeto, andei de costas até a parede oposta para melhor observar o efeito do mais novo adorno da sala. Parei, boquiaberto ao perceber que a máscara me piscava com o buraco do olho esquerdo.   
“Que será isto?” – pensei. Talvez a cerveja misturada com aguardente de cereja esteja fazendo efeito, talvez o sobe-desce da cadeira me tenha deixado meio desorientado, talvez a iluminação insuficiente estivesse a me pregar peças, talvez seja uma ilusão de ótica causada pelos desenhos do vime trançado ou talvez – considerei com um ligeiro arrepio – este piscar seja um polido cumprimento, uma advertência ou um aviso.
Para quebrar o encanto decidi desligar a luz e fui para o quarto.
Tentei dormir, mas meu descanso não foi nada tranquilo, pois aquele piscar de olho não saía da minha cabeça. Ouvia ruídos estranhos – seria o gato afiando as unhas ou o rato vagabundo a lhe fazer desaforo? Seria a madeira estalando no verão intenso ou algum som da natureza produzido fora da casa?
Cansado pela emoção e pelos humores alcoólicos consegui enfim adormecer.  
Veio então o sonho vívido onde criaturas estranhas dançavam trajando vestes de palha colorida e portando máscaras. No meio delas, a “minha” máscara se destacava com o mesmo ar de deboche e gargalhava, fazendo com que a tonalidade cor de esmeralda se tornasse mais brilhante a cada grito.
A máscara sem corpo começou a se aproximar e já não parecia estar no sonho, mas ao lado da minha cama.
A gargalhada ficou mais forte, e seu som lembrava o cacarejar de um galo.
-0-0-0-
Acordei num sobressalto, ainda de madrugada, e de fato um galo cantava na vizinhança.
Revirei-me na cama durante longos minutos sem saber se tentava dormir de novo ou se atendia o desejo de voltar para a sala para ver como estavam as coisas com meu estranho hóspede.
Decidi por voltar para a sala, onde escancarei a janela gigante, daquelas de duas folhas. Olhei para a parede onde afixara a máscara, mas ela não estava mais lá! Ela agora estava na parede oposta, com a expressão preocupada de quem passara a noite inteira coletando más notícias.
Foi quando o telefone tocou.
Do outro lado da linha veio a informação pausada e em tom grave de que o amigo que me dera a carantonha de presente havia falecido na madrugada, vítima de um acidente de trânsito.