sábado, 2 de fevereiro de 2019






O ATOR

(Excerto)

Timóteo se transformou em diretor teatral porque nunca conseguiu ser ator nem teve a coragem de ser crítico. Por isso sempre tratou com desdém tanto os atores como os críticos, e somente conseguiu encarnar a nobre função de diretor – e apenas naquele teatro, vejam bem – por ser o genro do dono, outro estafermo que se dizia empresário teatral, mas não sabia distinguir entre teatro e circo mambembe.
Benito, o dono, se autoproclamava “empresário teatral Benito Rubaloca” – dizem que espanhol – e costumava divulgar as suas produções com toda força nas páginas de cultura dos diários e semanários locais.
Rubaloca sentia uma rútila alegria quando via o seu nome estampado nas páginas dos periódicos, e costumava dizer que seu sonho era ser eternizado no Diário de Notícias.
Na época que ora relato, ele anunciava com grande estardalhaço – “Produções Rubaloca apresenta O Defunto Virgem, um clássico da dramaturgia”, que era ambientado numa fazenda americana do fim do século 19 e exibido no Teatro Aliança, um prédio reformado que mantinha a aparência e a arquitetura do cinema que fora, sessenta anos atrás.
Como parte do elenco estava sua atriz predileta, Dorotéa Vaughan – nascida Maria dos Anjos Silva – que se considerava uma musa, embora no fundo não passasse de uma canastrona mal-acabada.
Bonita ela não era, embora tivesse um certo porte, pois sua altura tinha o tamanho exato do seu convencimento e, apesar da pouca idade, pois ainda não chegara à casa dos trinta, utilizava uma maquiagem exagerada que a tornava semelhante a uma boneca japonesa de porcelana.
Todos na companhia sabiam que certas coisas proibidas estavam acontecendo entre os dois, meio às escondidas e meio às escancaras, mas sabiamente de eximiam de qualquer comentário. Essas “coisas proibidas” – “impróprias”, talvez fosse o termo correto – justificavam a preferência do tolo Benito pela frívola prima-dona, que era sempre elencada como atriz principal da companhia, independentemente do gênero levado em cartaz.  
No palco, Dorotéa exagerava nos gestos e na impostação como se um texto de Molière tivesse sido escrito por Sófocles, emitindo agudos vocais tão estridentes e desagradáveis que sua voz soava como um sistema de som com microfonia, apesar de todas as nossas apresentações serem acústicas.
Não sei do timbre da sua voz no silêncio do particular, mas deveria ser do agrado do velho Rubaloca, que por ser um sátiro sem princípios não dava muita importância para princípios de fonoaudiologia, preferindo dar atenção a outros atributos mais palpáveis.
Na peça, Dorotéa desempenhava o papel da mulher de um fazendeiro, a quem trai com um vendedor de escovas do condado, num drama fetichista de difícil compreensão para o público, segundo teorizava o autor, um desconhecido à procura de uma plateia, chamado Eraldo Montalvão.
Felizmente meu papel nesta peça – eu representava Pavel, a voz da consciência do vendedor de escovas – se resumia a um monólogo de três minutos, que apesar de exigir um forte vigor histriônico, pelo menos me reservava ao direto de ser histriônico sozinho, sem a má companhia da Dorotéa Vaughan.
Minha entrada se dava no fim do primeiro ato, quase um entreato, e sua importância na trama era ligar o passado e o presente. Eu não era um personagem, mas um pensamento, quase um fantasma, que servia para lembrar aos circunstantes a filosófica existência das causas sobre os efeitos.
Minha atuação se fazia sem a liturgia do drama e sem a emoção dos grandes espetáculos.
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Timóteo saiu de circulação, e a última vez que foi visto vendia frutas na feira, também sem exibir o menor talento.
Rubaloca, o pivô da questão, levou três tiros da esposa quando ela descobriu a traição e teve enfim seu nome eternizado no Diário de Notícias como sempre fora o seu desejo, muito embora na página policial.
Quanto a mim, desde então sou um mais um personagem da vida real à procura de uma persona no palco, saudoso do camarim que guarda aquele silêncio que antecede o espetáculo e daquele calafrio que antecipa a entrada triunfante no palco.
E, na falta de um Tennessee Williams, sigo à espera de um Eraldo Montalvão para escrever as minhas falas.
    




terça-feira, 29 de janeiro de 2019






VAIDADE
(Augusto Pellegrini)

A fogueira da tua vaidade
Também queimou teus encantos
Desmascarou a verdade
E enganou muitos e tantos
 
A cegueira da tua vaidade
Causou em muita gente espanto
E ao mostrar tua intimidade
Transpareceu o desencanto

A claridade da chama
Te cegou completamente
E de uma maneira estranha
Revelou tua alma doente

Quando esta febre passar
E tu te olhares no espelho
Verás que ficaram marcas
Que mudaram por inteiro
Tua credibilidade
E o antigo porte altaneiro

Talvez nunca seja tarde
Para tentar um recomeço
Pois quando a chama não arde
É possível que o apreço
Volte e venha fazer parte
Do teu próximo endereço

Janeiro 2019

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019





SINOPSE DO PROGRAMA SEXTA JAZZ DE 16/06/2017
RÁDIO MIRANTE FM
São Luís-MA

ANTONIO ADOLFO - HYBRIDO   

Antonio Adolfo é o tipo de músico que está constantemente se reciclando e buscando novas alternativas musicais a cada trabalho apresentado. Desde a década de 1960, quando começou a se interessar pelo jazz e pala bossa nova, o pianista e compositor fez parte de montagens de teatro musical, frequentou a elite do histórico Beco das Garrafas, acompanhou cantores em shows e gravações e participou de festivais e trilhas sonoras de novelas antes de embarcar para os Estados Unidos e alargar os seus horizontes. Neste seu novo trabalho, Antonio Adolfo faz uma recoleção da obra do saxofonista Wayne Shorter, ex-Weather Report, que com seu espírito experimentalista permite ao pianista fazer arranjos híbridos numa mistura de jazz, afoxé e samba, na busca de uma mistura de culturas, estilos musicais e raças. O título do álbum, "Hybrido (uma mistura do inglês "hybrid" com o português "híbrido") - From Rio to Wayne Shorter", mostra como se processou toda esta viagem. 

Sexta Jazz, nesta sexta, oito da noite, produção e apresentação de Augusto Pellegrini
                                                                                                                                    







O ESTUDO COMO FORMA DE CRESCIMENTO

Este artigo foi escrito para os adolescentes que acham que as coisas caem do céu – e as nossas escolas estão repletas deles – e foi publicado num jornalzinho interno de uma escola de inglês. A finalidade foi despertar nos jovens leitores – embora provavelmente leitores apenas ocasionais – a extrema necessidade de se preparar para o futuro, porque muito em breve eles terão que enfrentar uma batalha entre os mais fortes. Sem a menor intenção de ter escrito outro abominável texto de autoajuda, tenho plena consciência de que este artigo é também dirigido aos adultos irresponsáveis que pensam em enriquecer apenas materialmente – certamente apostando em loterias – se esquecendo que sem um suporte cultural os novos ricos não passam de ricos idiotas. 

Certa vez, há muitos anos, mesmo sem jogar lá essas coisas eu resolvi fazer do xadrez o meu passatempo predileto.
Para tanto, combinei com um amigo para que praticássemos um pouco todo final de dia. Ele era o que se pode chamar de “um bom jogador”.
Então, diariamente, depois das cinco, as partidas se desenrolavam naturalmente e eu, é claro, perdia todas!
A coisa tomou tal dimensão e as derrotas se tornaram tão rotineiras e contundentes que eu decidi que era chegada a hora de mudar o rumo da minha história sobre o tabuleiro.  
Como Bóris – este era o seu nome – teve que viajar, tivemos uma pausa de quinze dias, tempo necessário para eu comprar dois ou três livros e começar a estudar, dedicando parte do meu tempo para as aberturas, parte para o desenvolvimento e parte para os finais de partida.
Aprendi muito com Ruy Lopez, Alekhine, Capablanca e outros mestres, até que chegou a hora de testar meu novo perfil contra o meu amigo.
Para minha surpresa – e a dele – comecei sistematicamente a ganhar as partidas, algumas até sem muita dificuldade. Após algumas derrotas, Bóris questionou o meu súbito crescimento xadrezista.  
Expliquei o que havia feito e também lhe mostrei os livros. Após as explicações de praxe, ele coçou a cabeça e declarou solenemente que iria também começar a estudar.
Este episódio, apesar de nada especial, me deixou duas lições.
Primeira, por mais que você acha que sabe, sempre existe espaço para saber um pouco mais, ou seja, somos todos ignorantes e as portas do conhecimento são inesgotáveis. “A única coisa que eu sei é que eu nada sei”, disse Aristóteles.
Segunda, quanto mais você aprimora o seu conhecimento, maiores são as possibilidades de você se tornar um vencedor. Isto acontece com o xadrez, isso acontece com qualquer matéria da vida, inclusive no que diz respeito ao aprendizado de uma língua estrangeira.  
Toda forma de estudo é primordialmente uma questão de vontade.
Diferentemente de outro tipo de estudo acadêmico – química, física, biologia – que requer muita leitura, experimentos, alguma memorização e uma boa dose de paciência, estudar idiomas é mais uma questão prazerosa de se manter ligado às coisas que nos cercam.  
Você aprende inglês diariamente assistindo TV, lendo cartazes, apreciando vitrines e fachadas comerciais, ouvindo música, navegando na internet ou tentando entender o manual de instruções daquele novo implemento eletrônico que você acabou de adquirir.
E tem mais: ao se integrar numa sala de aula você se socializa praticando o idioma com o professor e com os seus colegas, descobre curiosidades e particularidades de uma cultura diferente e se diverte ao descortinar coisas novas. Em outras palavras, você se diferencia do comum e se torna uma pessoa com o futuro mais resolvido, ao mesmo tempo se divertindo ao descortinar coisas novas Você realmente começa a fazer parte do mundo globalizado em que estamos vivendo e fica pronto para aceitar desafios aqui ou em qualquer parte do mundo.
O negócio é não se conformar com os nossos reveses só porque aquele outro alguém está tendo mais sucesso. Temos é que estudar, qualquer que seja a forma e o método, para garantir um lugar na sociedade competitiva em que vivemos.
Foi desta forma que eu equilibrei as forças com o meu amigo Bóris.