sexta-feira, 7 de agosto de 2015







AS ÁGUAS DA GUANABARA 

Uma investigação conduzida pela agência de notícias Associated Press revelou que a Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos palcos paradisíacos que hospedarão alguns esportes aquáticos dos XXXI Jogos Olímpicos de 2016, possui um nível de contaminação 1.700.000 vezes acima do que seria considerado alarmante numa praia americana no sul da Califórnia.
Para que fique bem claro, vou repetir, desta vez citando o número por escrito: um milhão e setecentas mil vezes maior do que qualquer nível aceitável pelas leis americanas. Desconheço o que dizem as nossas leis ambientais.
John Griffith, um renomado biólogo marinho que trabalha em um instituto independente chamado Southern California Coastal Water Research Project (Projeto de Pesquisa da Água Costeira do Sul da Califórnia), examinou os protocolos, a metodologia e os resultados dos testes encomendados pela Associated Press e concluiu que boa parte da lagoa contém água de esgoto puro composta por detritos ejetados por banheiros e água servida, sem o menor sinal de tratamento. É um material de tal toxicidade que produz de tempos em tempos na lagoa uma enorme quantidade de peixes mortos que ficam boiando, em decomposição.
A contaminação da água pode ser vista em fotos aéreas que mostram uma larga mancha cinzenta cobrindo mais de 60% da sua superfície.   
Talvez as autoridades brasileiras deem os ombros para o problema e justifiquem que o brasileiro, habituado com as praias contaminadas das grandes cidades, tira de letra este índice de poluição.
A Associated Press não revelou se conduziu alguma medição na Baía de Guanabara, mas possivelmente o valor alarmante não seria muito diferente.
O que as autoridades brasileiras não levam em conta é que os nossos logradouros aquáticos não serão utilizados apenas pelo atleta brasileiro que possui esta eventual imunidade, mas pelos seus colegas estrangeiros e por milhares de turistas ávidos por curtirem as mais famosas praias do mundo durante o desenrolar dos Jogos.
A declaração das autoridades – leia-se os responsáveis pelo governo e pela prefeitura do Rio de Janeiro – propõe uma solução que seria hilariante se não fosse tão ridícula: a Lagoa Rodrigo de Freitas e a Baía de Guanabara estarão totalmente despoluídas em ... 2030!!!
Não podemos esquecer que o Brasil foi escolhido para sediar os Jogos em outubro de 2009, portanto teve seis anos para estudar, analisar e se adaptar ao caderno de encargos que, diferentemente da Fifa para a Copa do Mundo, exigiu apenas e tão somente o que era realmente necessário para a prática das atividades programadas.
Essas exigências diziam respeito a todos os esportes, e havia uma preocupação na época sobre as condições oferecidas para as competições aquáticas – natação, saltos ornamentais, polo aquático e nado sincronizado (feitos em piscina) e maratona aquática, iatismo, remo, vela e canoagem (feitas em espaço aberto – mar, lagoa ou rio), exatamente porque havia denuncias de que as condições de insalubridade das áreas abertas requeriam providências urgentes.
Passaram-se os anos, e tanto os governos estadual e municipal quanto o COB – Comitê Olímpico Brasileiro usaram e abusaram da retórica e se esqueceram de dar condições ao Parque Olímpico para receber mais de 200 delegações entre países e territórios.
As obras estão 80% concluídas no geral – com exceção do velódromo para as provas de ciclismo indoor, que alcança apenas 60% – mas obras deste tipo são fáceis de ser maquiadas, o que não acontece com um lugar contendo um exército de coliformes fecais, metais, hidrocarbonetos e compostos orgânicos insalubres que podem provocar nos atletas – e turistas – problemas como vômito, diarreia, hepatite e outras coisas que não podem ser maquiadas.
Falta exatamente um ano para a abertura dos Jogos, e o que preocupa na verdade é a despreocupação do governador, do prefeito, dos secretários da saúde e do senhor Nuzman, presidente do COB.
Afinal, é bom lembrar que Deus pode até ser brasileiro, mas parece que Ele anda meio afastado, pois estava de férias durante a Copa do Mundo e nada garante que esteja presente no litoral carioca durante as Olimpíadas, porque, convenhamos, até Ele tem que se proteger.  

 

 

(artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 07/08/2015)