sábado, 21 de novembro de 2015


 
 
 
 
MARCAS DO QUE SE FOI
 
Sempre que fazem alguma cobertura ou reportagem in loco, jornalistas e comentaristas esportivos não perdem a oportunidade de ressaltar a falta de manutenção a que foi relegada a maioria dos estádios construídos ou remodelados em função da Copa do Mundo.
É como se alguém comprasse móveis caríssimos e requintados para decorar a sua sala de estar e os deixasse expostos ao ar livre, sujeitos a sol, chuva e trovoadas. Abandonados sem qualquer cuidado, tanto móveis de fina estampa como estádios de concreto acabam tendo o mesmo destino. 
Todos lamentam o estado de abandono desses estádios. Aparentemente o eufemismo conhecido como “legado da Copa” terminou quando o repasse do dinheiro acabou.
Depois de pouco mais de um ano da realização da Copa do Mundo, a sociedade brasileira vê com muita decepção os restos da festa de gala que foi montada com os requintes de uma cidade cenográfica, isto é, bonita, mas frágil e irreal. É mais ou menos o que acontece também com outras atividades no país, proporcionando desde pequenos problemas caricatos até tragédias anunciadas como as que estamos vivendo, dada a direção na contramão de pilotos desastrados (alguns) ou mal-intencionados (infelizmente, muitos).
O que sobrou da Copa faz lembrar restos de carros alegóricos e adereços abandonados ao relento depois de terminado o carnaval.
Em nome da moralidade, espocam atualmente processos contra empreiteiras, que aliaram superfaturamento a obras de baixo custo, e contra aqueles que fizeram a distribuição do butim entre políticos, administradores públicos e dirigentes esportivos, o que prova que não se tratava apenas de suspeita ou mesmo de maledicência contra a Copa, como muitos afirmavam, mas da existência de uma rapinagem geral e irrestrita, como se supunha. Uma verdadeira farra com o dinheiro público, embora a CBF, os governantes e muitos interessados jurassem de pés juntos que não se tratava de dinheiro do contribuinte e que os clubes porventura beneficiados estavam apenas tendo um financiamento a ser reembolsado.
Os clubes que embarcaram nessa aventura estão encalacrados, pois com a atual situação da nossa economia eles terão dificuldades enormes para pagar a conta, a não ser que sejam beneficiados com alguma anistia, ou que passem o resto da existência refinanciado e reparcelando o valor da dívida. O Corinthians, por exemplo, tem um débito de 1,15 bilhão de reais que deverá ser pago ao BNDES em parcelas de 5 milhões de reais por mês, com o valor reajustado após 2016.
A vergonhosa participação da CBF no caso fica evidente com a prisão do seu presidente exatamente por atentar contra a lisura na realização do torneio por várias formas conhecidas – cumplicidade com alguns bandidos da Fifa e negociata com direitos de transmissão – e com certeza por muitas irregularidades que ainda virão a público.
A Copa 2014 foi capitaneada pelo agora ex-secretário geral da Fifa Jéròme Valcke, atualmente investigado por irregularidades e recebimento de propina referente à realização do torneio e há denuncias contra o atual presidente da CBF Marco Polo Del Nero pelo mesmo motivo.  
Alguns exemplos são tão marcantes que saltam aos olhos, como a construção da Arena Corinthians pela Construtora Odebrecht (a mais enrolada no Lava-Jato) erigida com as bênçãos do BNDES e com a participação dos governos federal, estadual e municipal, que avalizaram a loucura, além do Estádio Nacional de Brasília (o Mané Garrincha) que sofreu uma intervenção milionária para abrigar apenas sete jogos e depois se aposentar, e ainda do Maracanã, que era uma das marcas registradas do Rio de Janeiro, foi totalmente desfigurado, e perdeu o seu charme, sendo atualmente negligenciado até pelos grandes clubes cariocas por causa de uma administração equivocada por parte de terceiros.
Com exceção da Arena Corinthians, que ainda mantém a boa aparência, quer seja porque foi mais bem construída, quer seja porque receba uma manutenção mais consistente, o dinheiro gasto pela organização para obedecer ao “padrão Fifa” não encontra eco na qualidade da obra. 
O Novo Maracanã e o Mané Garrincha, apesar de mostrarem à primeira vista um aspecto razoável e sem grandes falhas, apresentam terríveis problemas de deterioração interna, com a alvenaria rachando, lajotas se soltando e vazamento de água em muitos pontos.
É o “padrão Fifa” em liquidação.
 
 
 (Artigo publicado no caderno SuperEsportes do jornal O Imparcial de 20/11/2015)