HOTEL BUENA VISTA
(Excerto II)
Chovia muito quando o táxi estacionou em
frente às escadas do Grande Hotel Buena Vista. A chuva começara logo após
Federico Pulga ter alcançado o posto de táxis do aeroporto, o que provocou sua
entrada intempestiva no primeiro carro amarelo que parou na sua frente.
O carro era grande e espaçoso, de modelo
muito antigo, daqueles que Federico só conhecia por fotografias de revistas
também antigas.
A chuva caia copiosamente, guarnecendo
as janelas embaçadas do veículo com uma grossa cortina líquida, o que
praticamente impediu que a paisagem e os arredores pudessem ser apreciados no
fim de tarde.
O porteiro desceu com um enorme
guarda-chuva para protegê-lo da cascata que caía sobre a sua cabeça e o
conduziu para o saguão.
Era um hotel imponente, remanescente da “belle
époque”, desde o balcão de registro até os elevadores muito antigos, ainda equipados
com a grade de correr.
Ele ficaria hospedado apenas por uma
noite, pois logo pela manhã tinha uma reunião com os editores do seu novo livro
e retornaria para casa em seguida.
Ele achou tudo muito curioso – os móveis
e a decoração tinham a marca do passado e mesmo a vestimenta dos empregados não
negava a vocação do hotel em retroceder no tempo.
Os corredores eram forrados com um espesso
carpete vermelho, as paredes revestidas com uma tapeçaria pesada e espelhos com
ornatos nas bordas.
O que ele achou bastante estranho, no
entanto foram os seus aposentos. Nada havia que refletisse a vida moderna – um aparelho
de televisão, um frigobar ou o sistema de ar condicionado. O frescor era
garantido por um ventilador de pé ou pela brisa que entrava pela janela.
Ao lado da cama dormia um telefone negro
e pesado com um disco prateado e números em negrito, um bloco de anotações e um
lápis.
O banheiro, cheirando a eucalipto, mantinha o ar de antiguidade, com banheira, aquecedor
a gás e as demais louças fazendo lembrar um filme de Chaplin.
Depois de um banho, desceu para jantar e
se deparou com o mesmo cenário. Muito luxo, baixela cristal, porcelana e prata
e um atendimento de primeira classe, digno dos príncipes, embora formal e
reservado em excesso.
Foi para o quarto cansado, tentou ler um
pouco mas logo adormeceu.
Pela manhã, não se atreveu a tomar o
desjejum. Acordara tarde e estava atrasado para a reunião. Banhou-se e se
arrumou às pressas, desceu no elevador ao lado de uma mulher que se vestia como
uma atriz dos anos vinte, pagou a conta e pediu um táxi.
Para sua surpresa, chovia novamente, a
cântaros – ele não se lembrava de ter ouvido a chuva quando estava no quarto –
e o porteiro o conduziu sob proteção para outro carro amarelo cujo motorista
tinha a mesma cara de o de ontem.
Deu o endereço e se recostou no banco,
cerrando os olhos enquanto o carro chacoalhava deslizando no piso irregular. Ao
chegar no endereço, acordou e se viu diante de um dia de sol esplendoroso, numa
avenida muito movimentada e moderna, tanto que até o próprio táxi já não lhe
pareceu tão antigo.
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Ao chegar na editora, foi recebido pelo
diretor e por um assessor que lhe deram as boas vindas.
- Pensei que você não viesse. Chegou
hoje cedo?
- Não, cheguei ontem, no fim da tarde, e
me hospedei num hotel.
- Podia ter telefonado que a gente poderia
jantar juntos.
- É que chovia muito e eu resolvi não incomodar.
- Chovia muito? Muito estranho. Aqui na
cidade não chove já faz seis meses! Em que hotel se hospedou?
- Fiquei hospedado no Grande Hotel Buena
Vista.
- Tem certeza que o nome é esse? Não
seria Hotel Boa Vista?
- Não, foi no Grande Hotel Buena Vista,
mesmo. Um com uma grande escadaria na frente.
- Eu perguntei porque o Grande Hotel
Buena Vista foi demolido em 1952 quando tiveram que construir o novo aeroporto!...
O diretor fez uma breve pausa.
- ... isto é, o hotel onde você ficou
não existe há mais de sessenta anos.
Federico abriu a boca, mas não vieram as
palavras. Sentiu um tremor no corpo e as mãos suadas. O diretor e o assessor o
fitavam, agora em silêncio, como um psiquiatra fita um paciente.
Talvez estivesse nascendo ali uma ideia
para um novo livro.