É TEMPO DE MUDANÇA
Por uma questão de
fechamento da matéria, estou escrevendo meu artigo antes do jogo em que o
Brasil enfrentou a Venezuela em Fortaleza, de modo que as impressões marcadas
na minha mente e retina ainda são as da malfadada partida do último dia 8, contra
o Chile, em Santiago.
O leitor deve lembrar
muito bem que perdermos por 2x0, mas que o placar poderia ter sido muito mais
elástico se os chilenos, nossos antigos fregueses, não tivessem desperdiçado
tantas chances de gol.
No entanto, é de se
esperar que o Brasil mesmo jogando mal mais uma vez tenha passado pelos
venezuelanos. É de se esperar também que a comissão técnica continue justificando
que não existe adversário fácil, que a Venezuela jogou com dez jogadores atrás
da linha da bola, que faltou espaço e que com a volta de Neymar as coisas vão
voltar à normalidade.
Voltar à normalidade?
Parece que já estamos
vivendo uma infeliz normalidade que só foi interrompida com a enganosa
conquista da Copa das Confederações de 2013. De resto, a seleção brasileira vem
capengando há mais de dez anos e parece que não há interesse algum da CBF em analisar
com seriedade as razões desta mediocridade que de repente assola o futebol pentacampeão
do mundo.
É bem verdade que com o
ex-presidente na cadeia e o atual presidente impedido de sair do país, a alta
cúpula da CBF tenha lá outras preocupações, mas enquanto dura esta estagnação, o
mundo continua girando, os fatos continuam se sucedendo e as outras seleções,
nossos potenciais adversários, vão se fortalecendo.
Não foi à toa que o
futebol da Espanha, sempre amorfo, cresceu e colocou o país no patamar dos
favoritos das competições internacionais, mesmo com uma miríade de jogadores
estrangeiros atuando pelos seus clubes. Não é à toa também que a Alemanha
reencontrou em 2014 o futebol que já lhe havia dado três títulos mundiais no
século passado. O segredo disso pode ser resumido em duas palavras: planejamento
e trabalho.
O mesmo planejamento e
trabalho que estão sendo desenvolvidos agora pela Holanda, cujos resultados vão
frutificar possivelmente na Copa de 2022.
Estes países estão mudando
a filosofia de trabalho nas categorias de base, buscando conjugar jogadores
talentosos e polivalentes com disciplina tática, rapidez e um sistema de jogo que
privilegie tanto as características específicas de cada jogador como o desenho
tático projetado pelo treinador.
Os jogadores vão sendo peneirados
através dos campeonatos das suas categorias, coordenados por equipes técnicas
que adotam o mesmo estilo de jogo e agem de maneira uniforme, até chegar o
momento em que a seleção pode contar com trinta ou quarenta jogadores
preparados e aptos para entrar em campo e fazer o que a Alemanha fez em 2014.
Mas a produção não para: a
cada ano novos jogadores vão sendo testados, treinados e moldados às exigências
do futebol do seu país, de modo a perpetuar a qualidade do seu jogo.
Evidentemente o talento individual,
a capacidade de improvisar, o arrojo e a malandragem não devem ser deixados de
lado, mas há que se considerar que apenas estas qualidades, sem uma disciplina
tática e a batuta de um maestro poderão fazer efeito em algumas ocasiões, mas
não sempre.
Outro aspecto que deve ser
mantido é a continuidade de um trabalho.
Querem um exemplo
devastador?
A nossa seleção quase olímpica
tem se apresentado relativamente bem e está num processo de ajuste com o
técnico Rogério Micale. Os jogadores estão formando conjunto e assimilando as
suas funções enquanto realizam treinamentos e amistosos tendo em vista a
conquista da primeira medalha de ouro do futebol.
Mas dois meses antes dos
Jogos, Micale será substituído por Dunga, que fará a sua convocação baseada na sua
escolha pessoal, incluindo três jogadores mais velhos totalmente alheios à esta
fase de preparação, escalará o time de acordo com a sua preferência e
determinará o posicionamento e o estilo de jogo que melhor lhe aprouver, pondo
por terra todo o trabalho de preparação desenvolvido até agora.
O relacionamento da atual
comissão técnica com os jogadores será drasticamente alterado, a confiança conquistada
ao longo do tempo será interrompida, e assim todo o trabalho de Rogério Micale poderá
ser jogado na lata do lixo.
(artigo
publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 16/10/2015)