sexta-feira, 18 de março de 2011

UM MILHÃO PARA BETHÂNIA



O Ministério da Cultura autorizou a cantora Maria Bethânia a captar R$1,3 milhão para um projeto que privilegia a postagem no seu blog (seu, dela) de 365 mini-vídeos de 1 minuto cada, um para cada dia do ano.
É como uma oração, como um mantra.
Você inicia o dia ouvindo uma reconfortante poesia ao módico preço de R$ 3.561 reais que você não paga, mas alguém paga.
O projeto se denomina “O Mundo Precisa de Poesia” e, ao contrário do que poderiam esperar os fãs apaixonados pela voz melodiosa da cantora, ela realmente não canta, apenas declama poemas.
Talvez o título mais adequado fosse “Bethânia Precisa de Dinheiro”.
Ao autorizar o refinado pedido, o MinC não fez nada de errado, apenas usou a forma da lei, pois existe o chamado “Mecanismo de Incentivo Fiscal”, criado em 1993, para estimular a iniciativa privada a investir em obras cinematográficas brasileiras por meio de renúncia fiscal.
O uso de vídeos em blogs e afins é apenas uma adaptação da palavra “cinematográfica”, portanto, a terminologia não vem ao caso, e o projeto tem a mesma validade de um longa-metragem ou de um ensaio produzido por um videomaker.
Há que se entender também que os empresários que decidiram investir no projeto não fizeram mais do que utilizar o que a lei faculta, e se decidiram jogar mais R$ 1 milhão no projeto de um único artista é porque admitem que terão uma contrapartida pela exposição diária a um sem número de visitantes que acessarão o blog. Assim, os empresários que apostam no sucesso do empreendimento também não fizeram nada de errado, pois consideram que terão um retorno garantido.
Só que existem artistas que acham que a Lei Rouanet foi feita especialmente para eles.
Em 2008, a empresa de Maria Bethânia pediu autorização para buscar R$ 1,8 milhão em patrocínio para bancar sua turnê com a cantora e dançarina cubana Omara Portuondo. O pedido foi negado, mas o ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, passou por cima da decisão e mandou aprovar.   
Projetos que chegaram à casa do milhão de reais também beneficiaram Ivete Sangalo, Carlinhos Brown e Claudia Leitte, o que poderia passar a impressão de que cultura musical baiana é a única que vale a pena no Brasil.
Não é o caso, pois existem outros projetos milionários tramitando, como Maria Rita (R$ 2,2 milhões para cinco shows com músicas de Elis), Marisa Monte (R$ 5 milhões para quatro shows) e Erasmo Carlos (R$ 1,2 milhão para um único show). Deu a louca no mundo!
Acrescente-se que ninguém está errado, pois todos são amparados pela lei.
Uma lei idiota que não estipula limites de captação e joga R$ milhões nas mãos de dois ou três afortunados, quando poderiam fracionar em porções menores para possibilitar que outros artistas também fossem contemplados.
É até um escárnio que um país como o Brasil, cuja carência de incentivos culturais bem intencionados inibe o surgimento de muitos valores por falta de investimento em shows, registros fonográficos e/ou audiovisuais e pequenas turnês, possua uma lei mal feita como essa.
Junto meu protesto ao roqueiro maldito Lobão, que apesar das alucinações parece ser um dos poucos artistas lúcidos a bradar contra esta bandalheira oficial.



2 comentários:

Joselito Alves Batista disse...

Caro Augusto.
Você está abarrotado de razão. Em um País, como você afirmou, carente de eventos culturais é primordial o prestígio aos que se iniciam para criar novas oportunidades de trabalho aos jovens. E também, para que os nossos netos vejam caras novas, pois eu e os meus filhos até hoje só estamos vendo as mesmas há 60 anos.

Doutro lado, qual a razão para o uso da explicação entre parênteses: "a postagem no seu blog (seu, dela)" e não o uso direto da forma "no blog dela", afinal o testo é original.
Joselito, 18/03/2011

Augusto Pellegrini disse...

Meu amigo
Achei realmente indecente este tipo de arranjo, pois a cantora/declamadora vai faturar livre de despesas 600 mil por ano (50 mil por mês), enquanto tanto jovem de talento fica mendigando por uma produção barata para mostrar o seu trabalho.
Quanto ao (seu, dela), foi apenas uma questão de estilo. Na verdade tentei ser engraçado, e percebo agora que não alcancei o meu intento