CAMISA AMARELA
O
compositor e pianista Ary Barroso compôs o samba “Camisa Amarela” em 1939, um
ano depois de o Brasil chegar em terceiro lugar na Copa do Mundo da França.
Para
quem não lembra ou não conhece, a música começa com “encontrei o meu pedaço na
avenida de camisa amarela cantando a Florisbela, oi, a Florisbela...” e pode
ser ouvida no youtube nas vozes de Nara Leão, Gal Costa ou Aracy de Almeida.
Posso adiantar que vale a pena.
Naquele
tempo, as cores do escrete eram branco e azul, e o nosso compositor não fazia a
menor ideia de como tudo estaria mudado setenta e cinco anos depois e qual
seria a importância de uma camisa amarela no Brasil do futuro.
O
escrete adotaria a cor amarelo-canário na camisa quinze anos mais tarde e quatro
anos depois dessa adoção deixaria de ser um perdedor. A citada avenida também não
mais abrigaria o também decantado carnaval – então quase um bloco de sujos – que
seria transportado para um engalanado sambódromo, com direito a arquibancadas,
camarotes e cobertura da televisão (também naquela época apenas um sonho em
formatação).
Quando
morreu, em 1964, Ary já havia percebido o significado de uma camisa amarela, depois
de um bicampeonato tupiniquim, bem apropriado para ele que adorava futebol (era
também locutor esportivo e um flamenguista alucinado) e amava as coisas do
Brasil, que estampou nas suas músicas como poucos o fizeram.
A
camisa amarela virou vestimenta obrigatória do cidadão brasileiro de quatro em
quatro anos, crescendo de importância ao mesmo tempo em que o samba de Ary caía
no esquecimento e dava lugar a outras novidades.
Se
a camisa amarela já era uma febre quando a Copa do Mundo era disputada em longínquos
rincões, imaginem agora, que a febre vai se espalhar dentro do próprio Brasil e
unir os torcedores que roem as unhas durante os jogos da seleção, a despeito de
outros tantos que aproveitarão o espaço democrático para fazer manifestações,
reivindicatórias ou não.
O
clima de futebol está pouco a pouco aquecendo nestas semanas que antecedem o
pontapé inicial, e os grandes clubes brasileiros vão se engajando na proposta
de colaborar com o evento, cedendo de boa vontade – embora compulsoriamente –
seus centros de treinamento para abrigar as seleções estrangeiras, e adotando a
camisa amarela como uniforme oficial nos jogos do Campeonato Brasileiro,
deixando de lado as suas cores tradicionais.
É
claro que por trás desse patriotismo clubístico existe dinheiro – muito
dinheiro. Os homens do marketing estão aproveitando a deixa e explorando a tática
manjada de criar um novo modelo de camisa oficial – que eles chamam de uniforme
número três – para consumo dos colecionadores, dando a eles novas opções de
escolha dentro da lojinha dos clubes.
A
Nike, parceira da CBF, promoveu o lançamento simultâneo das camisas amarelas dos
clubes para os quais fornece o uniforme – Corinthians, Santos, Internacional,
Coritiba e Bahia – enfatizando a importância da sua valorização para que os
torcedores estabeleçam uma identificação entre os seus clubes e a seleção
canarinho.
O
Cruzeiro e o Palmeiras também embarcaram na onda, apesar de, respectivamente, terem
a Olympikus e a Adidas como patrocinadoras, mas tiveram que pedir o aval da
CBF. E a Penalty, em cima da hora, também lançou camisas amarelas para o São
Paulo, o Figueirense, o Vasco, o Santa Cruz e o Ceará, que talvez não cheguem a
envergá-las no campeonato, mas as colocarão à disposição dos torcedores
colecionadores.
Mas
existe um detalhe: tem muito torcedor que, mesmo torcendo pela camisa amarela
da seleção, não aprova a ideia de ver seu clube mudar de cores e está torcendo
o nariz com a descaracterização dos uniformes, por achá-la esdrúxula e
descabida.
Porque,
no futebol, a tradição ainda conta muito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário