terça-feira, 6 de outubro de 2015





                                                            EU E A MÚSICA

TRÊS ATOS COM BILLY PAUL
(360º de Billy Paul)
Existem certas coincidências que acontecem na vida da gente que valem a pena ser lembradas, por insólitas que são.
A marchas e contramarchas da vida me levaram a conhecer o pacato e venerando cidadão Paul Williams, hoje com respeitáveis oitenta anos, na época em que ele era cenicamente conhecido como Billy Paul, um divertido e versátil cantor e um artista de grande talento, utilizando com maestria a sua voz e o seu corpo a serviço da black music, com muito soul, funk e swing.
Não fossem, porém, as ditas coincidências puramente circunstanciais, eu talvez nunca tivesse assistido a um show seu nem tivesse tido a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente.
O fato é que, sem nunca ter procurado pelo seu show e sem jamais ter gasto sequer um tostão com ingressos, acabei, ao longo de vinte anos, assistindo não a um, mas a três shows de Billy Paul. 
A primeira vez em que Billy Paul veio ao Brasil, no início dos anos 1970, eu ainda morava em São Paulo e tinha uma legião de amigos que eram, à sua moda, envolvidos com música – proprietários e atendentes de lojas de discos, divulgadores de gravadoras, cantores de boates e relações públicas de artistas.
Dercy Gonçalves, homônimo da comediante e às vezes tão engraçado quanto ela, era divulgador da gravadora Continental e estava preocupado com a entrevista coletiva que Billy Paul daria à tarde num hotel da cidade. Em virtude de eventos paralelos, o intérprete contratado pela gravadora e pela Rádio Bandeirantes, parceira no evento, não poderia estar presente, então Dercy lembrou-se de mim, um amigo que “arranhava” o inglês e que poderia ajudar na coletiva com as perguntas de praxe e a posterior tradução.
A irresponsabilidade é muitas vezes companheira da criatividade e do sucesso.
Para o bem geral de todos, a coletiva não apenas transcorreu de uma maneira melhor que o esperado como deixou os promotores muito satisfeitos. Billy Paul também se divertiu bastante com a entrevista improvisada, ou pelo menos assim me pareceu.
É bem verdade que ele estava praticamente iniciando a sua carreira internacional e que tudo lhe parecia novo e interessante, e que naqueles tempos românticos estes assuntos técnicos não eram tratados com o rigor de hoje em dia.
Ao término da entrevista, a produção do show agradeceu a minha participação e me deu, provavelmente à guisa de pagamento, ingressos para “o show de logo mais à noite”.
Assim eu, que até então nunca tinha sequer ouvido falar de Billy Paul, fui pela primeira vez a um espetáculo seu, realizado no Teatro Paramount, sendo apresentado aos seus sucessos “Me And Mrs. Jones” (Kenny Gamble e Leon Huff), “Your Song” (Elton John), e “It’s Too Late” (Carole King), com os quais fiquei imediatamente encantado.
O tempo correu e desembocou na década de 1980.
Certo dia estava eu fazendo nada no estúdio da Rádio Mirante-FM em São Luís-Maranhão,  quando o locutor César Roberto, que também provavelmente fazia nada, posto que o seu programa já havia terminado, perguntou se eu “aguentaria uma dose de música pop num show que aconteceria à noite” (era uma pequena provocação, ou então uma cândida tentativa de fazer piada, porque minha atividade na emissora era produzir e apresentar música de jazz).
Quando retruquei que “dependia do show”, ele foi mais explícito – tratava-se de soul music, com um dos grandes nomes internacionais do estilo, Billy Paul. César Roberto havia recebido alguns ingressos da produção do cantor para distribuir entre o pessoal da radio.
Deliciado com a coincidência, pois o show seria um revival daquela noitada alegre do Paramount, é claro que concordei, e à noite fomos nos acomodar nas cadeiras ordenadamente distribuídas na quadra de tênis descoberta do Hotel Quatro Rodas.
Era noite de lua cheia – ou plenilúnio, como diriam os parnasianos – e o céu dos trópicos cintilava de estrelas. A brisa suave que vinha do mar a poucos metros do local não conseguia refrescar o calor emanado pelo show, e o cheiro da maresia era atenuado pelo sabor da cerveja comprada dos estandes ao redor ao pista e pelo leve odor do perfume usado pelo público que estava mais chique do que o evento exigia.
Billy Paul, que naquela noite estava extraordinariamente animado, desceu do palco para cantar e dançar no meio da plateia, que naquela altura arrastou as cadeiras do lugar e transformou a quadra de tênis numa autêntica discoteca ao ar livre.
Aproveitei para conversar com Billy e comentar sobre o evento da Radio Bandeirantes em São Paulo, do que ele evidentemente não se lembrou, mas gentilmente fez de conta que havia me reconhecido.
Mais uma década se passou.
Eu estava novamente em São Paulo, desta vez cuidando da edição do meu livro “Jazz – Das Raízes Ao Pós Bop”, quando meu amigo Eduardo Sérgio Fracalanza convidou-me para jantar, após o que iríamos a um show de jazz na casa mais conceituada da cidade.
Depois de uma excelente anchova na manteiga com amêndoas, regada por uma cerveja geladíssima (e não por um bom vinho, como o maître queria), partimos para o Bourbon Street para afinal descobrir que naquela noite especial não teríamos o tradicional jazz do local, mas uma apresentação de... Billy Paul!
O repertório não havia mudado muito nos últimos vinte anos e não faltaram os seus velhos sucessos – afinal, era o que o público queria ouvir – e Billy continuava bastante jovial.
Com a nossa mesa relativamente longe do palco, poupei a ele a gentileza de mais uma vez “se lembrar” dos nossos encontros anteriores.  
Mas contei a Fracalanza a singularidade da minha relação com o pop-star.

 

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