O TAL DO FAIR PLAY
De repente, numa disputa
de bola, tanto faz se limpa ou faltosa, um jogador se estatela no gramado, e então
“tá lá um corpo estendido no chão!” – maneira como o locutor esportivo aposentado
Januário de Oliveira narrava a cena, apropriando-se da poesia de Aldir Blanc para
a melodia de João Bosco na música “De Frente Pro Crime”.
A coisa mais comum dentro
de uma partida de futebol é o choque entre atletas – os especialistas dizem que
“futebol é esporte de contato” – e às vezes um deles pode se dar mal na jogada,
apesar da juventude e do preparo físico.
Antigamente o torcedor
costumava dizer que “futebol é coisa de homem”, e realmente não faltavam entradas
violentas, com os machões se levantando rapidinho para prosseguirem na luta,
mesmo sangrando.
As arbitragens, no
entanto, passaram a ser mais rigorosas a fim de evitar que a violência gratuita
se disseminasse, embora ainda existam certos jogadores, especialmente os
chamados “volantes de contenção” que batem mais do lutador de UFC.
A regra do futebol determina
que o árbitro e os seus auxiliares decidam se houve jogada faltosa ou não, se a
falta foi intencional ou acidental, e todo o desdobramento consequente do lance
– prosseguimento da jogada, simples marcação de falta, marcação seguida por uma
advertência verbal ou a aplicação de um cartão, amarelo ou vermelho, qual seja
o caso.
Mas a regra não determina
que o adversário deva colocar a bola para fora para que o jogador fora de
combate seja atendido, ou seja, não existe qualquer obrigatoriedade legal para que
quem esteja de posse da bola não leve a vantagem de ter um oponente a menos em
campo e continue o lance para atingir o seu objetivo.
Os próprios jogadores
estabeleceram então um código de honra de matéria jurídico-desportiva
inexistente, ambígua e duvidosa, e o denominaram de “fair play”.
Entre outras coisas, “fair
play”, traduzido livremente para “jogo limpo”, determina que um jogador não
deveria levar vantagem ao ver um oponente sem condições de jogo, principalmente
se considerar que a lesão que deixou o adversário esparramado no campo pode ser
séria e requerer cuidados médicos urgentes.
Daí, via de regra, quem
levou vantagem na jogada coloca a bola para fora para que seja efetuado o
atendimento ao adversário.
Mas isso nem sempre
acontece, e então é um Deus-nos-acuda.
Os jogadores do time que
teve seu atleta lesionado partem enfurecidos para aquele que ousou manter a
bola em jogo quase chegando às vias de fato. Cabe ao árbitro colocar panos
quentes e tomar alguma decisão que acalme os litigantes, tudo em nome da ordem
e da lei por causa de uma lei que não existe.
Também não é “fair play” o
atacante estar em boas condições de finalizar para o gol adversário e se ver
forçado a colocar a bola para fora para que um jogador possa ser atendido no
meio do campo, vítima de uma pancada que ninguém viu, e ver o seu time
reiniciar a jogada a partir da defesa.
Para ter valor ético, o “fair
play” deveria ser uma via de mão dupla.
“Cavar faltas” procurando
ludibriar a arbitragem, atrasar a reposição da bola em jogo para ganhar tempo e
demorar em sair de campo após ser substituído também é um atentado ao “fair
play” que todos os jogadores praticam sem o menor constrangimento, devidamente
estimulados pelos técnicos e aplaudidos pelos seus torcedores.
Muitas vezes o jogador
fica caído solicitando cuidados médicos – geralmente se contorcendo no gramado
como se tivesse sido atropelado por um touro – apenas para ganhar tempo ou
forçar um cartão para o adversário com quem se chocou. E isto definitivamente
não é “fair play”.
Acontece que os jogadores
são malandros o suficiente para perceberem quando determinado choque realmente
causou uma lesão séria no companheiro de profissão. O árbitro também. E neste
caso, as jogadas são geralmente paralisadas sem qualquer problema, por amplo
acordo.
Mas os jogadores também
são malandros o suficiente para encenar faltas, contusões e todo o tipo de
teatro, e os árbitros costumam agir de acordo com a conveniência do momento.
E aí, por onde anda o
“fair play”?
A CBF
deveria baixar um procedimento normativo atribuindo à responsabilidade do
árbitro qualquer ação necessária à paralisação da partida quando ele – e mais ninguém
– considerasse a atitude necessária. Sem demérito da aplicação de cartão para o
jogador-ator quando fosse o caso.
(artigo
publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 30/10/2015)
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