sexta-feira, 6 de novembro de 2015


 
 
 
O BONDE DA STELLA 

Saiu nos jornais, na televisão, na internet e nas redes sociais, com estardalhaço: cinco jogadores do Flamengo foram pegos com a boca na garrafa e acabaram punidos com multa, afastamento e treinamento em separado porque parece que houve um grande desrespeito às cores do clube e à nação rubro-negra.
A primeira impressão que fica é que a diretoria não está particularmente revoltada por saber que seus jogadores também apreciam uma cerveja num dia de folga como todo legítimo habitante do Rio de Janeiro, mas porque os jogadores não se limitaram a beber – tiveram a infelicidade de registrar o fato.
Ocorre que o comando do clube está batendo cabeça, pois o time não vai lá muito bem das pernas e ninguém consegue explicar esta queda vertical de rendimento bem quando o torcedor começava a acreditar que um novo milagre pudesse ocorrer, como aquele de 2009, quando na reta final da disputa o time saiu de um décimo lugar para conquistar um título épico.
Daí, a repercussão do fato foi maior, e todas as frustrações pelo mau desempenho da equipe caíram como um raio na cabeça dos cinco pecadores.
Como neste mundo tudo é relativo, se fossem cinco jogadores do Corinthians, virtual campeão brasileiro com onze pontos na frente do longínquo segundo colocado, os paparazzi justificariam o fato como “um merecido lazer num dia de folga”.
Pior: ao denominarem a festa de “Bonde da Stella”, compararam os jogadores a marginais comuns, pois esta expressão é geralmente usada para rotular facções criminosas.
Alheia à execração dos jovens, a Ambev deve estar festejando a propaganda gratuita da sua cerveja premium, que com um pouco de imaginação dos homens de marketing poderá brevemente ser anunciada como “a cerveja dos atletas”.
É claro que um profissional, seja ele um jogador de bola, motorista de ônibus, cantor ou agente de seguros, deve zelar pela sua vida particular para que o físico e a mente possam garantir que o seu desempenho no trabalho não seja afetado por causas externas – entre elas os pequenos prazeres da vida.
Mas isto não deve gerar uma cartilha de comportamento nem um patrulhamento sistemático por parte do empregador.
Os jogadores acreditavam estar “pegando leve”, tanto que eles próprios publicaram fotos do grupo nas suas redes sociais, e não se percebe nada de realmente desabonador nas imagens postadas.
Mas é bom ir devagar com o andor, não porque o santo seja de barro, mas porque a carreira de um jogador é feita de barro e pode se desfazer a qualquer momento se não for bem conduzida.
Na verdade, duas ou três geladinhas num momento de folga é uma diversão que não faz mal a ninguém. Afinal, não é porque o seu time está na parte de baixo da tabela que as pequenas alegrias da vida não possam ser vividas. Um pouco de descontração pode até ajudar a melhorar o ambiente.
Assim, embora as más línguas tenham pintado o cenário como se fosse uma orgia desenfreada, tudo indica que os jogadores Pará, Alan Patrick, Éverton, Paulinho e Marcelo Cirino não foram punidos por causa da cerveja, mas porque o time vai mal. Na cabeça dos diretores, se eles estivessem rezando e tomando suco de frutas provavelmente o Flamengo se reencontraria com a boa fase e chegaria num passe de mágica ao desejado G4.
Ele podem até afirmar que os jogadores bebiam água da bica quando o time embalou com a chegada de Oswaldo de Oliveira, mas aí já é uma outra conversa.
Existe uma grande diferença entre a festa improvisada que jogou os cinco jogadores às feras e as presepadas etílicas de Adriano, o Imperador, e Ronaldinho, o Gaúcho, ambos – aliás – ex-jogadores do Flamengo.
O exagero com que está sendo tratado o caso nos faz supor que a diretoria do clube está aliviada por conseguir encontrar não apenas um, mas cinco bodes expiatórios para justificar ao torcedor que mostra sinais de impaciência pelo futebol ridículo que o Flamengo está mostrando em campo com uma sequência histórica de insucessos.     

 

(artigo publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 06/11/2015)

 

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