AS ÁGUAS DA GUANABARA
Uma investigação conduzida
pela agência de notícias Associated Press revelou que a Lagoa Rodrigo de
Freitas, um dos palcos paradisíacos que hospedarão alguns esportes aquáticos dos
XXXI Jogos Olímpicos de 2016, possui um nível de contaminação 1.700.000 vezes
acima do que seria considerado alarmante numa praia americana no sul da
Califórnia.
Para que fique bem claro,
vou repetir, desta vez citando o número por escrito: um milhão e setecentas mil
vezes maior do que qualquer nível aceitável pelas leis americanas. Desconheço o
que dizem as nossas leis ambientais.
John Griffith, um renomado
biólogo marinho que trabalha em um instituto independente chamado Southern
California Coastal Water Research Project (Projeto de Pesquisa da Água Costeira
do Sul da Califórnia), examinou os protocolos, a metodologia e os resultados
dos testes encomendados pela Associated Press e concluiu que boa parte da lagoa
contém água de esgoto puro composta por detritos ejetados por banheiros e água
servida, sem o menor sinal de tratamento. É um material de tal toxicidade que
produz de tempos em tempos na lagoa uma enorme quantidade de peixes mortos que
ficam boiando, em decomposição.
A contaminação da água
pode ser vista em fotos aéreas que mostram uma larga mancha cinzenta cobrindo mais
de 60% da sua superfície.
Talvez as autoridades
brasileiras deem os ombros para o problema e justifiquem que o brasileiro,
habituado com as praias contaminadas das grandes cidades, tira de letra este
índice de poluição.
A Associated Press não
revelou se conduziu alguma medição na Baía de Guanabara, mas possivelmente o
valor alarmante não seria muito diferente.
O que as autoridades
brasileiras não levam em conta é que os nossos logradouros aquáticos não serão
utilizados apenas pelo atleta brasileiro que possui esta eventual imunidade,
mas pelos seus colegas estrangeiros e por milhares de turistas ávidos por
curtirem as mais famosas praias do mundo durante o desenrolar dos Jogos.
A declaração das
autoridades – leia-se os responsáveis pelo governo e pela prefeitura do Rio de
Janeiro – propõe uma solução que seria hilariante se não fosse tão ridícula: a
Lagoa Rodrigo de Freitas e a Baía de Guanabara estarão totalmente despoluídas
em ... 2030!!!
Não podemos esquecer que o
Brasil foi escolhido para sediar os Jogos em outubro de 2009, portanto teve
seis anos para estudar, analisar e se adaptar ao caderno de encargos que,
diferentemente da Fifa para a Copa do Mundo, exigiu apenas e tão somente o que
era realmente necessário para a prática das atividades programadas.
Essas exigências diziam
respeito a todos os esportes, e havia uma preocupação na época sobre as
condições oferecidas para as competições aquáticas – natação, saltos
ornamentais, polo aquático e nado sincronizado (feitos em piscina) e maratona
aquática, iatismo, remo, vela e canoagem (feitas em espaço aberto – mar, lagoa
ou rio), exatamente porque havia denuncias de que as condições de insalubridade
das áreas abertas requeriam providências urgentes.
Passaram-se os anos, e
tanto os governos estadual e municipal quanto o COB – Comitê Olímpico
Brasileiro usaram e abusaram da retórica e se esqueceram de dar condições ao
Parque Olímpico para receber mais de 200 delegações entre países e territórios.
As obras estão 80%
concluídas no geral – com exceção do velódromo para as provas de ciclismo
indoor, que alcança apenas 60% – mas obras deste tipo são fáceis de ser
maquiadas, o que não acontece com um lugar contendo um exército de coliformes
fecais, metais, hidrocarbonetos e compostos orgânicos insalubres que podem
provocar nos atletas – e turistas – problemas como vômito, diarreia, hepatite e
outras coisas que não podem ser maquiadas.
Falta exatamente um ano
para a abertura dos Jogos, e o que preocupa na verdade é a despreocupação do
governador, do prefeito, dos secretários da saúde e do senhor Nuzman,
presidente do COB.
Afinal, é bom lembrar que
Deus pode até ser brasileiro, mas parece que Ele anda meio afastado, pois estava
de férias durante a Copa do Mundo e nada garante que esteja presente no litoral
carioca durante as Olimpíadas, porque, convenhamos, até Ele tem que se
proteger.
(artigo
publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 07/08/2015)
Nenhum comentário:
Postar um comentário