MARCAS DO QUE SE FOI
Sempre
que fazem alguma cobertura ou reportagem in
loco, jornalistas e comentaristas esportivos não perdem a oportunidade de
ressaltar a falta de manutenção a que foi relegada a maioria dos estádios
construídos ou remodelados em função da Copa do Mundo.
É
como se alguém comprasse móveis caríssimos e requintados para decorar a sua
sala de estar e os deixasse expostos ao ar livre, sujeitos a sol, chuva e
trovoadas. Abandonados sem qualquer cuidado, tanto móveis de fina estampa como
estádios de concreto acabam tendo o mesmo destino.
Todos
lamentam o estado de abandono desses estádios. Aparentemente o eufemismo conhecido
como “legado da Copa” terminou quando o repasse do dinheiro acabou.
Depois
de pouco mais de um ano da realização da Copa do Mundo, a sociedade brasileira
vê com muita decepção os restos da festa de gala que foi montada com os
requintes de uma cidade cenográfica, isto é, bonita, mas frágil e irreal. É mais
ou menos o que acontece também com outras atividades no país, proporcionando
desde pequenos problemas caricatos até tragédias anunciadas como as que estamos
vivendo, dada a direção na contramão de pilotos desastrados (alguns) ou
mal-intencionados (infelizmente, muitos).
O
que sobrou da Copa faz lembrar restos de carros alegóricos e adereços
abandonados ao relento depois de terminado o carnaval.
Em
nome da moralidade, espocam atualmente processos contra empreiteiras, que
aliaram superfaturamento a obras de baixo custo, e contra aqueles que fizeram a
distribuição do butim entre políticos, administradores públicos e dirigentes
esportivos, o que prova que não se tratava apenas de suspeita ou mesmo de
maledicência contra a Copa, como muitos afirmavam, mas da existência de uma rapinagem
geral e irrestrita, como se supunha. Uma verdadeira farra com o dinheiro
público, embora a CBF, os governantes e muitos interessados jurassem de pés
juntos que não se tratava de dinheiro do contribuinte e que os clubes
porventura beneficiados estavam apenas tendo um financiamento a ser reembolsado.
Os
clubes que embarcaram nessa aventura estão encalacrados, pois com a atual
situação da nossa economia eles terão dificuldades enormes para pagar a conta,
a não ser que sejam beneficiados com alguma anistia, ou que passem o resto da
existência refinanciado e reparcelando o valor da dívida. O
Corinthians, por exemplo, tem um débito de 1,15 bilhão de reais que deverá ser pago
ao BNDES em parcelas de 5 milhões de reais por mês, com o valor reajustado após
2016.
A
vergonhosa participação da CBF no caso fica evidente com a prisão do seu
presidente exatamente por atentar contra a lisura na realização do torneio por
várias formas conhecidas – cumplicidade com alguns bandidos da Fifa e negociata
com direitos de transmissão – e com certeza por muitas irregularidades que
ainda virão a público.
A
Copa 2014 foi capitaneada pelo agora ex-secretário geral da Fifa Jéròme Valcke,
atualmente investigado por irregularidades e recebimento de propina referente à
realização do torneio e há denuncias contra o atual presidente da CBF Marco
Polo Del Nero pelo mesmo motivo.
Alguns
exemplos são tão marcantes que saltam aos olhos, como a construção da Arena
Corinthians pela Construtora Odebrecht (a mais enrolada no Lava-Jato) erigida com
as bênçãos do BNDES e com a participação dos governos federal, estadual e
municipal, que avalizaram a loucura, além do Estádio Nacional de Brasília (o
Mané Garrincha) que sofreu uma intervenção milionária para abrigar apenas sete
jogos e depois se aposentar, e ainda do Maracanã, que era uma das marcas
registradas do Rio de Janeiro, foi totalmente desfigurado, e perdeu o seu
charme, sendo atualmente negligenciado até pelos grandes clubes cariocas por
causa de uma administração equivocada por parte de terceiros.
Com
exceção da Arena Corinthians, que ainda mantém a boa aparência, quer seja porque
foi mais bem construída, quer seja porque receba uma manutenção mais
consistente, o dinheiro gasto pela organização para obedecer ao “padrão Fifa”
não encontra eco na qualidade da obra.
O
Novo Maracanã e o Mané Garrincha, apesar de mostrarem à primeira vista um aspecto razoável
e sem grandes falhas, apresentam terríveis problemas de deterioração interna,
com a alvenaria rachando, lajotas se soltando e vazamento de água em muitos
pontos.
É
o “padrão Fifa” em liquidação.
(Artigo publicado no caderno SuperEsportes do
jornal O Imparcial de 20/11/2015)
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