Crônica publicada no suplemento literário da Revista Poética Brasileira editada pelo jornalista, poeta, compositor e editor Mhario Lincoln e postada no site ACERVUM.COM.BR
HISTÓRIAS DE PLÁGIOS
Augusto Pellegrini
Corria o ano
de 1929. Era uma noite de fevereiro, e o compositor Noel Rosa estava muito
zangado no seu quarto, pois sua mãe havia escondido toda a sua roupa para
evitar que ele saísse para a boemia.
Para desabafar, o poeta compôs um samba, ao qual deu o título de “Com que roupa?” (“com que roupa que eu vou / pro samba que você me convidou?”), que viria a se transformar no maior sucesso daquele ano no Rio de Janeiro.
Dias depois, devidamente vestido, ele levou o samba para a apreciação do maestro Homero Dorneles, seu amigo.
Quando Noel começou a cantar – “Agora vou mudar minha conduta...” – o maestro, sentado ao piano, o interrompeu e falou:
“Noel, este samba não pode ser levado a público. Você acabou de compor o Hino Nacional!...”
De fato, a melodia e os acordes do samba eram exatamente aqueles que haviam sido feitos um século antes por Francisco Manuel da Silva.
Homero deu uma retocada na melodia e a música seguiu sua trajetória ilustre sem Noel correr o risco de ir parar nas masmorras de Getúlio Vargas.
Esta é uma das muitas histórias de plágio de música que se ouvem por aí.
Muitas vezes o plágio é inconsciente, pois o autor tem arquivado na sua memória alguma codificação musical que aflora à sua mente sem que ele se aperceba de que se trata de algo já existente. Ele pode até ter a impressão de que alguma coisa lhe soa familiar, mas tem a firme convicção de que se trata de uma criação sua. Deve ter acontecido com Noel.
Outras vezes o plágio é consciente.
Tom Jobim admite que os compassos iniciais do “Samba de Uma Nota só” (“Eis aqui este sambinha / feito de uma nota só / outras notas vão entrar / mas a base é uma só”) foram compostos tendo como base a introdução pouco conhecida de “Night and Day”, de Cole Porter (“Like the beat beat beat of the tom-tom / when the jungle shadows fall / like the tick tick tick of the stately clock / as it stands against the wall”).
Na verdade, Tom era um pesquisador musical, e buscava nas raízes da música, principalmente a brasileira, inspiração para seus temas ecológicos e campestres e nunca fugiu ao debate: ele afirmava que suas colocações incidentais não eram plágio, mas sim a prestação de uma homenagem.
Talvez seja esta a explicação pelo tema e para a divisão sincopada da música “Águas de Março” (“É pau, é pedra / é o fim do caminho / é um resto de toco / é um pouco sozinho”) que parece ter vindo de “Água do Céu”, (“ É chuva de Deus / é chuva abençoada / é água divina / é alma lavada”, de J.B. de Carvalho, gravada em 1956 pela cantora Leny Eversong), que por sua vez fora adaptada de um ponto de macumba de 1933 – “É pau, é pedra / é seixo miúdo / roda baiana / por cima de tudo”.
O plágio, consciente ou não, acaba sendo alvo de processos judiciais que não raro terminam com o perdão do compositor que se diz lesado mediante o pagamento de polpuda multa e fica tudo por isso mesmo.
Não foi apenas Jobim que passou por essa saia justa, embora nunca tenha sido processado. A história relata diversos casos de plágios (comprovados ou não) que acabaram gerando grandes pendengas jurídicas.
Um dos casos mais famosos envolve dois roqueiros do primeiro mundo. John Lennon teve que fazer um acordo extrajudicial com Chuck Berry (o teor do acordo permanece em segredo até hoje) por causa da melodia de “Come Together” (“Here come old flat top, he come / groovin’ up slowly / he got joo-joo eyeball / he one holly roller / he got hair down to his knee/ got to be a joker, he just do what he please”) muito semelhante à “You Can’t Catch Me”, de Berry (“I bought a brand-new air-mobile / it custom-made / ‘twas a Flight De Ville / with a pow’ful motor / and some hideaway wings / push it on the button and you can hear her sing”).
Outro ex-beatle, George Harrison, também se viu denunciado ao compor “My Sweet Lord” (“My sweet Lord / hm my Lord / my sweet Lord / hm my Lord / I really want to see you / really want to be with you / really want to see you Lord / but it takes so long, my Lord”) , lançada em 1970, acusado de ter plagiado a música “He’s So Fine” (“He’s so fine / wish he were mine / that handsome boy over there / the one with the wavy hair / I don’t know how I’m gonna do it / but I’m gonna make him mine / the envy of all the girls / it’s just a matter of time”), gravada em 1962 por uma grupo feminino chamado The Chiffons. Harrison jamais admitiu o plágio, mas mesmo assim teve que pagar ao autor de “He’s So Fine”, Ronald Mack, cerca de 400 mil euros de indenização para que o processo fosse arquivado.
O saxofonista Charlie Parker não tinha esses escrúpulos. Ele apanhava músicas consagradas do cancioneiro americano e as transformava fazendo releituras sofisticadas no estilo bebop, e assumia a paternidade simplesmente mudando o seu título. Mas fazia isto às claras, e nunca teve problemas com reclamantes na justiça.
Assim, “How High the Moon” (de Morgan Lewis) serviu como base para a sua “Ornithology”, “Indiana” (de James F.Hanley) inspirou “Donna Lee”, “Honeysuckle Rose “ (de Fats Domino) gerou “Scrapple from the Apple”, “Cherokee” (de Ray Noble) serviu de mote para “Ko-Ko” e “I Got Rhythm” (de George Gershwin) deu origem a “Confirmation”, entre outras.
O máximo da homenagem, porém, parece ter sido aquela prestada pelos americanos George Forrest e Robert Wright com a canção “Stranger in Paradise” composta em 1953 para o filme “Kismet” (“Take my hand / I’m a stranger in Paradise / all lost in a wonderland / a stranger in Paradise / if I stand starry-eyed / that’s a danger in Paradise / for mortals who stand beside an angel like you ”), cuja melodia retratando esta primeira parte foi inteiramente copiada das “Polovtsian Dances” (“Gliding Dance of the Maidens”), da ópera “Prince Igor” composta pelo russo Alexander Borodin.
Muitos músicos estão envolvidos neste imbróglio, porque Borodin morreu em 1887 deixando a música inacabada, cabendo a Nikolai Rimsky-Korsakov e a Alexander Glazunov a sua finalização em 1890.
Como se vê, plágio também é cultura.
Para desabafar, o poeta compôs um samba, ao qual deu o título de “Com que roupa?” (“com que roupa que eu vou / pro samba que você me convidou?”), que viria a se transformar no maior sucesso daquele ano no Rio de Janeiro.
Dias depois, devidamente vestido, ele levou o samba para a apreciação do maestro Homero Dorneles, seu amigo.
Quando Noel começou a cantar – “Agora vou mudar minha conduta...” – o maestro, sentado ao piano, o interrompeu e falou:
“Noel, este samba não pode ser levado a público. Você acabou de compor o Hino Nacional!...”
De fato, a melodia e os acordes do samba eram exatamente aqueles que haviam sido feitos um século antes por Francisco Manuel da Silva.
Homero deu uma retocada na melodia e a música seguiu sua trajetória ilustre sem Noel correr o risco de ir parar nas masmorras de Getúlio Vargas.
Esta é uma das muitas histórias de plágio de música que se ouvem por aí.
Muitas vezes o plágio é inconsciente, pois o autor tem arquivado na sua memória alguma codificação musical que aflora à sua mente sem que ele se aperceba de que se trata de algo já existente. Ele pode até ter a impressão de que alguma coisa lhe soa familiar, mas tem a firme convicção de que se trata de uma criação sua. Deve ter acontecido com Noel.
Outras vezes o plágio é consciente.
Tom Jobim admite que os compassos iniciais do “Samba de Uma Nota só” (“Eis aqui este sambinha / feito de uma nota só / outras notas vão entrar / mas a base é uma só”) foram compostos tendo como base a introdução pouco conhecida de “Night and Day”, de Cole Porter (“Like the beat beat beat of the tom-tom / when the jungle shadows fall / like the tick tick tick of the stately clock / as it stands against the wall”).
Na verdade, Tom era um pesquisador musical, e buscava nas raízes da música, principalmente a brasileira, inspiração para seus temas ecológicos e campestres e nunca fugiu ao debate: ele afirmava que suas colocações incidentais não eram plágio, mas sim a prestação de uma homenagem.
Talvez seja esta a explicação pelo tema e para a divisão sincopada da música “Águas de Março” (“É pau, é pedra / é o fim do caminho / é um resto de toco / é um pouco sozinho”) que parece ter vindo de “Água do Céu”, (“ É chuva de Deus / é chuva abençoada / é água divina / é alma lavada”, de J.B. de Carvalho, gravada em 1956 pela cantora Leny Eversong), que por sua vez fora adaptada de um ponto de macumba de 1933 – “É pau, é pedra / é seixo miúdo / roda baiana / por cima de tudo”.
O plágio, consciente ou não, acaba sendo alvo de processos judiciais que não raro terminam com o perdão do compositor que se diz lesado mediante o pagamento de polpuda multa e fica tudo por isso mesmo.
Não foi apenas Jobim que passou por essa saia justa, embora nunca tenha sido processado. A história relata diversos casos de plágios (comprovados ou não) que acabaram gerando grandes pendengas jurídicas.
Um dos casos mais famosos envolve dois roqueiros do primeiro mundo. John Lennon teve que fazer um acordo extrajudicial com Chuck Berry (o teor do acordo permanece em segredo até hoje) por causa da melodia de “Come Together” (“Here come old flat top, he come / groovin’ up slowly / he got joo-joo eyeball / he one holly roller / he got hair down to his knee/ got to be a joker, he just do what he please”) muito semelhante à “You Can’t Catch Me”, de Berry (“I bought a brand-new air-mobile / it custom-made / ‘twas a Flight De Ville / with a pow’ful motor / and some hideaway wings / push it on the button and you can hear her sing”).
Outro ex-beatle, George Harrison, também se viu denunciado ao compor “My Sweet Lord” (“My sweet Lord / hm my Lord / my sweet Lord / hm my Lord / I really want to see you / really want to be with you / really want to see you Lord / but it takes so long, my Lord”) , lançada em 1970, acusado de ter plagiado a música “He’s So Fine” (“He’s so fine / wish he were mine / that handsome boy over there / the one with the wavy hair / I don’t know how I’m gonna do it / but I’m gonna make him mine / the envy of all the girls / it’s just a matter of time”), gravada em 1962 por uma grupo feminino chamado The Chiffons. Harrison jamais admitiu o plágio, mas mesmo assim teve que pagar ao autor de “He’s So Fine”, Ronald Mack, cerca de 400 mil euros de indenização para que o processo fosse arquivado.
O saxofonista Charlie Parker não tinha esses escrúpulos. Ele apanhava músicas consagradas do cancioneiro americano e as transformava fazendo releituras sofisticadas no estilo bebop, e assumia a paternidade simplesmente mudando o seu título. Mas fazia isto às claras, e nunca teve problemas com reclamantes na justiça.
Assim, “How High the Moon” (de Morgan Lewis) serviu como base para a sua “Ornithology”, “Indiana” (de James F.Hanley) inspirou “Donna Lee”, “Honeysuckle Rose “ (de Fats Domino) gerou “Scrapple from the Apple”, “Cherokee” (de Ray Noble) serviu de mote para “Ko-Ko” e “I Got Rhythm” (de George Gershwin) deu origem a “Confirmation”, entre outras.
O máximo da homenagem, porém, parece ter sido aquela prestada pelos americanos George Forrest e Robert Wright com a canção “Stranger in Paradise” composta em 1953 para o filme “Kismet” (“Take my hand / I’m a stranger in Paradise / all lost in a wonderland / a stranger in Paradise / if I stand starry-eyed / that’s a danger in Paradise / for mortals who stand beside an angel like you ”), cuja melodia retratando esta primeira parte foi inteiramente copiada das “Polovtsian Dances” (“Gliding Dance of the Maidens”), da ópera “Prince Igor” composta pelo russo Alexander Borodin.
Muitos músicos estão envolvidos neste imbróglio, porque Borodin morreu em 1887 deixando a música inacabada, cabendo a Nikolai Rimsky-Korsakov e a Alexander Glazunov a sua finalização em 1890.
Como se vê, plágio também é cultura.
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