sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017






A AUTOCRACIA DA FIFA


A Fifa tomou uma resolução monocrática e reescreve a história à sua moda ao considerar inválidos todos títulos dos campeões mundiais de clubes desde 1960 até 2004, validando apenas aqueles obtidos sob a sua chancela a partir de 2000 (na prática 2005).
Assim, os títulos conquistados por Milan, Real Madrid, Peñarol, Boca Juniors e Nacional outros vão para o arquivo do esquecimento, num verdadeiro desrespeito à biografia desses clubes.
A Fifa age como se ela tivesse inventado o futebol, e risca dos registros da entidade tudo aquilo que embora tenha acontecido e faça parte da história, é por ela considerado ficcional.
Foi por causa da sua absoluta ausência e do seu total desinteresse em regulamentar um torneio que representasse qual clube seria o “campeão do mundo” da temporada que a UEFA e a Conmebol começaram a realizar em 1960 uma competição que colocaria frente a frente os seus campeões continentais, considerando portanto apenas a Europa e a América do Sul.   
Na época não existia um futebol minimamente competitivo na Ásia, África, Oceania ou América do Norte/Central e nem fazia sentido técnica ou financeiramente um torneio com a presença desses times.
A Fifa nunca se interessou e sempre deu liberdade para a sua organização.
Por dezenove anos (entre 1960 e 1979) o torneio foi chamado Copa Intercontinental e era disputado em duas partidas, uma na casa de cada participante, cabendo uma terceira partida no local do jogo da volta caso fosse necessário um desempate. Em 1973 houve apenas uma partida, pois a Juventus de Turim, derrotada em casa pelo Independiente da Argentina se recusou a ir para Buenos Aires para o segundo jogo.
Essa logística, aliada a uma verdadeira guerra dos torcedores provocou a mudança no regulamento para que a partida fosse disputada em campo neutro num só jogo. Foi eleito o Japão como país anfitrião – primeiro Tóquio, depois Yokohama – e o nome foi alterado para Copa Toyota, patrocinador que bancava o evento. Sempre com as bênçãos e o desinteresse da Fifa.
De repente, porém, a Fifa farejou que o torneio por ela rejeitado era uma mina de ouro, o que a fez realizar em 2000 um torneio experimental no Brasil para tentar definir um novo formato, contando com campeões de outros continentes e um clube convidado do país anfitrião, tendo o Corinthians conquistado o título. No mesmo ano, a Copa Toyota era conquistada pelo Boca Juniors, o que gerou a excrescência de dois campeões mundiais de clubes no mesmo ano.
Em 2005, a Fifa proibiu a continuação da Copa Toyota e iniciou então o seu próprio torneio, que em treze edições continuou na prática sendo vencido por um representante europeu ou sul-americano (apenas em três ocasiões o vice-campeão veio de outro continente – dois africanos e um japonês).
Ai deixar de declarar campeões mundiais igualmente os dezenove campeões da Copa Intercontinental e os vinte e quatro da Copa Toyota, colocando-os no mesmo patamar dos treze vencedores da sua Copa do Mundo de Clubes, a Fifa perde uma ocasião histórica de corrigir a sua incompetência e de admitir falta de visão para realizar um torneio de tal envergadura naquela época – meados do século 20 – bastante complicada em termos de visibilidade e patrocínio, posto que delegou às Confederações da Europa e da América do Sul o direito de fazê-lo.
A atitude da Fifa merece alguns comentários.
Em 1960 o presidente era o inglês Stanley Rous, que mais interessado em costurar detalhes para a Copa de 1966 que seria realizada nas Ilha Britânicas, não chegou a discutir seriamente a proposta da UEFA para a realização do Intercontinental, mas colocou alguns vetos e disse considerar que a competição deveria ter um caráter de amistoso.
Seu sucessor, João Havelange preocupou-se em promover o futebol dos países do terceiro mundo, mas também deu início a uma era mercantilista que aos poucos foi fazendo com que a imagem da Fifa fosse contaminada, o que acabou sacramentado pelo seu sucessor Joseph Blatter, hoje expurgado no meio a muitas denúncias de corrupção e desvios.
Agora vem Gianni Infantino, o atual presidente, e mantém a arrogância dos seus antecessores ao não reconhecer a importância que a Copa Intercontinental e a Copa Toyota tiveram no desenvolvimento do futebol em termos de técnica e divulgação, relegando-as a simples jogos amistosos.  

    


(Artigo publicado no caderno de esportes do jornal O Imparcial de 03/02/2017)


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