OS SAPATOS DO SENADOR
(PRIMEIRA PARTE)
A sorte
e o azar fazem parte da rotina do cotidiano, pensava Ancelmo (com cê, como gostava de deixar bem claro). Esta visão filosófica e fatalista
lhe servia de alento e de conforto para que ele pudesse suportar os constantes prós
e contras da vida.
“A vida é como a maré”, ele conjeturava, “assim, as coisas mudam ou acontecem independentemente da nossa vontade”.
Por causa disso, Ancelmo vivia de uma forma epicurista, para não dizer irresponsável. Conhecido na roda dos amigos como “Bacana”, ele se esforçava no desempenho do seu papel para fazer jus ao epíteto e não desapontar o eleitorado.
Tinha um emprego, sim, mas trabalhava apenas o suficiente para ter algum dinheiro que desse para o gasto e gastava sem se importar com a forma com que gastava nem de que maneira iria repor o numerário.
Ele era o tipo de pessoa que valorizava os fatos, mas não ligava para as consequências, ou seja, não tinha história de passado, dava grande importância ao presente e desprezava o futuro.
Não que Ancelmo fosse destituído de expectativas. Expectativas havia, e todas muito otimistas, mas nada que necessitasse de alguma atenção especial.
Para ele, as coisas se resolveriam ao seu modo, peça por peça se encaixando até formar um quadro favorável e positivo. Ancelmo acreditava que o resultado final da montagem dessas peças sempre lhe seria benéfico.
A sua gastança não era programada e incluía bebida, mulheres, noitadas, e amigos desprevenidos a quem vez por outra patrocinava algumas doses.
Ele também gostava de roupas da moda – embora não necessariamente de grife – e como regra existencial não fazia nenhuma reserva pecuniária porque considerava que, na ciranda da vida, tudo acaba dando certo por si.
Ancelmo tinha uma grande preocupação com a aparência, tanto por uma vaidade que vinha do berço, como também pela idade que já lhe proporcionava alguns retoques de branco na cabeleira preta e bem cuidada, fruto – diziam - da vida mais ou menos desregrada e nada esportiva que cultivava.
Caminhadas, só o estritamente necessário, e a maioria dos exercícios ficava por conta do balanço nas baladas.
Então, para dar alguma contribuição à saúde e para compensar o apelido, Bacana frequentava academia duas vezes por semana, onde “pegava leve”, sem exageros, só pra ficar em forma, manter a barriga enxuta e continuar parecendo alguns anos mais jovem. Esta talvez tenha sido a sua única atitude consistente e duradoura na vida até então.
Para fazer face às despesas, Bacana tinha um emprego de ajudante de tabelião num cartório da cidade, conseguido graças a um relacionamento antigo da família, que morava no distante interior gaúcho, a quase quinhentos quilômetros de Porto Alegre e a quase dois mil do Planalto Central, onde ele residia sozinho numa kitchenette.
Como o salário não era lá essas coisas, apesar dos bem vividos trinta e quatro anos, ele ainda dependia de alguma grana que a mãe, diligente e caridosa, lhe mandava todo mês, sem o aval e o conhecimento do pai, austero fazendeiro e pecuarista de amplos recursos que continuava apostando no futuro do filho, acreditando que ele estava se preparando adequadamente para ser alguém na vida.
De certo modo, Ancelmo também acreditava nisso, pois sonhava em ser algum dia um famoso modelo fotográfico e ter sua cara estampada em comerciais de revista ou – melhor ainda – ter o seu talento exibido em anúncios de televisão, embora certamente talvez não fosse isso que o seu pai esperava.
Apesar de seu comportamento não muito ortodoxo, Ancelmo era um homem de alma pura, e a sua fada madrinha tivera o cuidado em mantê-lo afastado de tentações maiores, como o jogo e as drogas – considerados os piores vilões – e de outras ilegalidades mais corriqueiras, livrando a sua cara até do prosaico vício do cigarro e daquela fezinha enganadora das loterias oficiais.
Então, pelo sim, pelo não, Ancelmo, o Bacana, era o que se podia chamar de “um bom garoto”.
Ele tinha carisma, era alto, simpático, considerado bonito e charmoso pelas mulheres e um sujeito “legal” pelos homens, e em virtude de frequentar os botecos da moda, andava sempre envolvido com alguma garota de boa família, embora em pouco tempo o destino geralmente se encarregasse de mandar cada qual para o seu lado.
“A vida é como a maré”, ele conjeturava, “assim, as coisas mudam ou acontecem independentemente da nossa vontade”.
Por causa disso, Ancelmo vivia de uma forma epicurista, para não dizer irresponsável. Conhecido na roda dos amigos como “Bacana”, ele se esforçava no desempenho do seu papel para fazer jus ao epíteto e não desapontar o eleitorado.
Tinha um emprego, sim, mas trabalhava apenas o suficiente para ter algum dinheiro que desse para o gasto e gastava sem se importar com a forma com que gastava nem de que maneira iria repor o numerário.
Ele era o tipo de pessoa que valorizava os fatos, mas não ligava para as consequências, ou seja, não tinha história de passado, dava grande importância ao presente e desprezava o futuro.
Não que Ancelmo fosse destituído de expectativas. Expectativas havia, e todas muito otimistas, mas nada que necessitasse de alguma atenção especial.
Para ele, as coisas se resolveriam ao seu modo, peça por peça se encaixando até formar um quadro favorável e positivo. Ancelmo acreditava que o resultado final da montagem dessas peças sempre lhe seria benéfico.
A sua gastança não era programada e incluía bebida, mulheres, noitadas, e amigos desprevenidos a quem vez por outra patrocinava algumas doses.
Ele também gostava de roupas da moda – embora não necessariamente de grife – e como regra existencial não fazia nenhuma reserva pecuniária porque considerava que, na ciranda da vida, tudo acaba dando certo por si.
Ancelmo tinha uma grande preocupação com a aparência, tanto por uma vaidade que vinha do berço, como também pela idade que já lhe proporcionava alguns retoques de branco na cabeleira preta e bem cuidada, fruto – diziam - da vida mais ou menos desregrada e nada esportiva que cultivava.
Caminhadas, só o estritamente necessário, e a maioria dos exercícios ficava por conta do balanço nas baladas.
Então, para dar alguma contribuição à saúde e para compensar o apelido, Bacana frequentava academia duas vezes por semana, onde “pegava leve”, sem exageros, só pra ficar em forma, manter a barriga enxuta e continuar parecendo alguns anos mais jovem. Esta talvez tenha sido a sua única atitude consistente e duradoura na vida até então.
Para fazer face às despesas, Bacana tinha um emprego de ajudante de tabelião num cartório da cidade, conseguido graças a um relacionamento antigo da família, que morava no distante interior gaúcho, a quase quinhentos quilômetros de Porto Alegre e a quase dois mil do Planalto Central, onde ele residia sozinho numa kitchenette.
Como o salário não era lá essas coisas, apesar dos bem vividos trinta e quatro anos, ele ainda dependia de alguma grana que a mãe, diligente e caridosa, lhe mandava todo mês, sem o aval e o conhecimento do pai, austero fazendeiro e pecuarista de amplos recursos que continuava apostando no futuro do filho, acreditando que ele estava se preparando adequadamente para ser alguém na vida.
De certo modo, Ancelmo também acreditava nisso, pois sonhava em ser algum dia um famoso modelo fotográfico e ter sua cara estampada em comerciais de revista ou – melhor ainda – ter o seu talento exibido em anúncios de televisão, embora certamente talvez não fosse isso que o seu pai esperava.
Apesar de seu comportamento não muito ortodoxo, Ancelmo era um homem de alma pura, e a sua fada madrinha tivera o cuidado em mantê-lo afastado de tentações maiores, como o jogo e as drogas – considerados os piores vilões – e de outras ilegalidades mais corriqueiras, livrando a sua cara até do prosaico vício do cigarro e daquela fezinha enganadora das loterias oficiais.
Então, pelo sim, pelo não, Ancelmo, o Bacana, era o que se podia chamar de “um bom garoto”.
Ele tinha carisma, era alto, simpático, considerado bonito e charmoso pelas mulheres e um sujeito “legal” pelos homens, e em virtude de frequentar os botecos da moda, andava sempre envolvido com alguma garota de boa família, embora em pouco tempo o destino geralmente se encarregasse de mandar cada qual para o seu lado.
(SEGUE)
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