YEAH,
THE BLUES!
(o
Brasil no circuito mundial dos festivais)
Parte
3 - Final
Foi nesse clima, em maio de 1990, que aconteceu o Segundo
Festival de Blues no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo (o Primeiro Festival havia
acontecido em Ribeirão Preto-SP, na Cava do Bosque, no ano anterior).
O festival teve a produção da LUKR Eventos, comandada por Roberto Cocenza. Também fazia parte da equipe meu amigo e parceiro Renato Winkler que insistiu para que eu fosse assistir ao festival em São Paulo e para tanto me enviou uma credencial de imprensa, dessas que a gente pendura no pescoço vinte e quatro horas por dia – “Pellegrini Augusto – Radio Mirante FM – São Luís-MA” – posto que eu era – e ainda sou – radialista especializado em jazz (e dizem que em blues, com o que não concordo).
O festival teve a produção da LUKR Eventos, comandada por Roberto Cocenza. Também fazia parte da equipe meu amigo e parceiro Renato Winkler que insistiu para que eu fosse assistir ao festival em São Paulo e para tanto me enviou uma credencial de imprensa, dessas que a gente pendura no pescoço vinte e quatro horas por dia – “Pellegrini Augusto – Radio Mirante FM – São Luís-MA” – posto que eu era – e ainda sou – radialista especializado em jazz (e dizem que em blues, com o que não concordo).
O festival transcorreu de uma forma empolgante e reuniu no mesmo espaço músicos
antológicos como Magic Slim, Bo Diddley, Buddy Guy, Junior Wells, Koko Taylor,
John Hammond, The Blues Machine, Big Daddy Kinsey & The Kinsey Report e os
blueseiros locais André Christóvam, Blues Etílicos e a Brasilian Blues All
Stars, composta por Ed Motta, Flavio Guimarães e Roberto Frejat.
A grande vantagem de possuir uma credencial é poder ser uma sombra presente nas entrelinhas do espetáculo, nos bastidores, nos camarins e no hotel onde a trupe se hospedava, local onde via de regra acontecia alguma jam session para confraternizar o blues, além da possibilidade de entrevistas nem sempre exclusivas, mas sempre muito especiais, e a descoberta maravilhosa de que por trás dos artistas consagrados se escondem seres humanos cheios de história para contar.
Boa parte das histórias acabaram se tornando descartáveis, e serviram apenas para ilustrar alguns dos meus programas radiofônicos, mas uma conversa, em especial, ficou registrada, posto que histórica.
Bo Diddley, nascido Ellas Otha Bates, tinha sessenta e dois anos na ocasião do festival, embora aparentasse mais.
Ao contrário da maioria dos artistas presentes, que esbanjavam vitalidade, Diddley mantinha uma atitude melancólica, cansada e pouco sorridente, embora aparentemente tudo corresse às mil maravilhas na turnê blueseira.
Bo Diddley era o “low profile” que não combinava com a vibração do evento.
Cantor, guitarrista e compositor (suas músicas eram assinadas como Ellas McDaniels), Bo Diddley com sua guitarra quadrada foi talvez a figura mais emblemática do festival. Ele se constitui num dos elos mais importantes de um tipo de música que uniu o blues ao rock and roll e influenciou, entre outros, os astros Buddy Holly, Jimi Hendrix, Eric Clapton e Elvis Presley, além de Beatles e Rolling Stones. O que não é pouco.
Foi exatamente a menção a Elvis Presley que esquentou o assunto e soltou a língua do velho bluesman.
Apesar de ser mundialmente reconhecido como um dos maiores artistas do blues e do rhythm & blues, Bo Diddley reclamava que a sua carreira poderia ter sido muito mais bem sucedida se alguns produtores de discos e de shows não tivessem interferido de forma tão negativa e decisiva no seu desenvolvimento.
Ele, Diddley, teria sido o pioneiro a mostrar nos palcos a famosa performance do “rebolado do rock and roll” que se imortalizou com Elvis “The Pelvis” e que os pudicos dos anos 1950 consideravam obscena e atentatória aos bons costumes (mas que os jovens rebeldes sem causa simplesmente adoravam).
“Possivelmente”, prosseguiu Diddley, “tenha sido um outro negro, Chuck Berry, quem realmente iniciou aquele tipo de dança lasciva, mas Berry podia ter tudo – ritmo, drive, empolgação – mas não conseguia passar para o público nem um pingo de malicia ou de sensualidade. Chuck era mais feio do que eu”. E riu, pela primeira vez durante a nossa conversa.
Na sua própria descrição, Bo Didley era negro, feio e não tinha a estatura necessária para estar dentro dos padrões de beleza universalmente aceitos. No entanto, a novidade deste tipo de dança na nova música era tão empolgante que os produtores de shows decidiram que o rebolado devia ser incrementado por algum outro cantor, desde que fosse branco, bonito, atlético e sensual.
Assim, nos meados dos anos 1950, Bo Diddley foi descartado e caiu no limbo do rock and roll, derivando seu talento para uma área com menor apelo mercantil, o blues.
Os produtores saíram então em campo à cata do homem com o biótipo ideal que tivesse o DNA para vender discos e aguçar o espírito da juventude, e descobriram um jovem cantor e guitarrista natural do Mississipi que estava fazendo um relativo sucesso no rádio e na televisão cantando uma espécie de ballad-country e de rock-blues.
Seu nome era Elvis Presley, ex-motorista de caminhão que estourou para o grande público com o blues “That’s All Right Mama” (Arthur Crudup) e “Blue Moon Of Kentucky” (originalmente uma valsa escrita em 1946 por Bill Monroe), músicas que receberam um tratamento diferente por parte do guitarrista Scotty Moore e do baixista acústico Bill Black, nascendo daí – junto com o trabalho de outros pioneiros – o estilo “rock-a-billy”, uma fusão da country music com o rhythm & blues.
O rebolado pra valer começou em 1957 com “Jailhouse Rock” e “King Creole” (ambas de Jerry Leiber e Mike Stoller), depois de uma série de baladas românticas, que no futuro iriam se constituir no ponto alto das suas interpretações – como “Love Me Tender” (George R.Poulton, W.W. Fosdick e Ken Darby), “Lovin’ You” (Jerry Leiber e Mike Stoller).
De acordo com Diddley, foi nestas circunstâncias que os produtores “roubaram” a sua ideia e que um eventual título, “The King of Rock‘n’Roll”, lhe teria sido usurpado.
O depoimento histórico foi encerrado abruptamente com a chegada de alguém da produção convocando Diddley para uma foto, a pedido de um repórter. Não tenho certeza, mas ficou a impressão de que sobrou no rosto do velho bluesman um certo ar de alívio quando ele se despediu de mim, o que provavelmente acontecia por quase quarenta anos sempre que seu coração se abria para algum desconhecido.
A grande vantagem de possuir uma credencial é poder ser uma sombra presente nas entrelinhas do espetáculo, nos bastidores, nos camarins e no hotel onde a trupe se hospedava, local onde via de regra acontecia alguma jam session para confraternizar o blues, além da possibilidade de entrevistas nem sempre exclusivas, mas sempre muito especiais, e a descoberta maravilhosa de que por trás dos artistas consagrados se escondem seres humanos cheios de história para contar.
Boa parte das histórias acabaram se tornando descartáveis, e serviram apenas para ilustrar alguns dos meus programas radiofônicos, mas uma conversa, em especial, ficou registrada, posto que histórica.
Bo Diddley, nascido Ellas Otha Bates, tinha sessenta e dois anos na ocasião do festival, embora aparentasse mais.
Ao contrário da maioria dos artistas presentes, que esbanjavam vitalidade, Diddley mantinha uma atitude melancólica, cansada e pouco sorridente, embora aparentemente tudo corresse às mil maravilhas na turnê blueseira.
Bo Diddley era o “low profile” que não combinava com a vibração do evento.
Cantor, guitarrista e compositor (suas músicas eram assinadas como Ellas McDaniels), Bo Diddley com sua guitarra quadrada foi talvez a figura mais emblemática do festival. Ele se constitui num dos elos mais importantes de um tipo de música que uniu o blues ao rock and roll e influenciou, entre outros, os astros Buddy Holly, Jimi Hendrix, Eric Clapton e Elvis Presley, além de Beatles e Rolling Stones. O que não é pouco.
Foi exatamente a menção a Elvis Presley que esquentou o assunto e soltou a língua do velho bluesman.
Apesar de ser mundialmente reconhecido como um dos maiores artistas do blues e do rhythm & blues, Bo Diddley reclamava que a sua carreira poderia ter sido muito mais bem sucedida se alguns produtores de discos e de shows não tivessem interferido de forma tão negativa e decisiva no seu desenvolvimento.
Ele, Diddley, teria sido o pioneiro a mostrar nos palcos a famosa performance do “rebolado do rock and roll” que se imortalizou com Elvis “The Pelvis” e que os pudicos dos anos 1950 consideravam obscena e atentatória aos bons costumes (mas que os jovens rebeldes sem causa simplesmente adoravam).
“Possivelmente”, prosseguiu Diddley, “tenha sido um outro negro, Chuck Berry, quem realmente iniciou aquele tipo de dança lasciva, mas Berry podia ter tudo – ritmo, drive, empolgação – mas não conseguia passar para o público nem um pingo de malicia ou de sensualidade. Chuck era mais feio do que eu”. E riu, pela primeira vez durante a nossa conversa.
Na sua própria descrição, Bo Didley era negro, feio e não tinha a estatura necessária para estar dentro dos padrões de beleza universalmente aceitos. No entanto, a novidade deste tipo de dança na nova música era tão empolgante que os produtores de shows decidiram que o rebolado devia ser incrementado por algum outro cantor, desde que fosse branco, bonito, atlético e sensual.
Assim, nos meados dos anos 1950, Bo Diddley foi descartado e caiu no limbo do rock and roll, derivando seu talento para uma área com menor apelo mercantil, o blues.
Os produtores saíram então em campo à cata do homem com o biótipo ideal que tivesse o DNA para vender discos e aguçar o espírito da juventude, e descobriram um jovem cantor e guitarrista natural do Mississipi que estava fazendo um relativo sucesso no rádio e na televisão cantando uma espécie de ballad-country e de rock-blues.
Seu nome era Elvis Presley, ex-motorista de caminhão que estourou para o grande público com o blues “That’s All Right Mama” (Arthur Crudup) e “Blue Moon Of Kentucky” (originalmente uma valsa escrita em 1946 por Bill Monroe), músicas que receberam um tratamento diferente por parte do guitarrista Scotty Moore e do baixista acústico Bill Black, nascendo daí – junto com o trabalho de outros pioneiros – o estilo “rock-a-billy”, uma fusão da country music com o rhythm & blues.
O rebolado pra valer começou em 1957 com “Jailhouse Rock” e “King Creole” (ambas de Jerry Leiber e Mike Stoller), depois de uma série de baladas românticas, que no futuro iriam se constituir no ponto alto das suas interpretações – como “Love Me Tender” (George R.Poulton, W.W. Fosdick e Ken Darby), “Lovin’ You” (Jerry Leiber e Mike Stoller).
De acordo com Diddley, foi nestas circunstâncias que os produtores “roubaram” a sua ideia e que um eventual título, “The King of Rock‘n’Roll”, lhe teria sido usurpado.
O depoimento histórico foi encerrado abruptamente com a chegada de alguém da produção convocando Diddley para uma foto, a pedido de um repórter. Não tenho certeza, mas ficou a impressão de que sobrou no rosto do velho bluesman um certo ar de alívio quando ele se despediu de mim, o que provavelmente acontecia por quase quarenta anos sempre que seu coração se abria para algum desconhecido.
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