TEMPEROS À ITALIANA
(Segundo Excerto)
Na costumeira caminhada dominical em
direção ao restaurante, atravessei ruas e dobrei esquinas, o apetite crescendo
voraz e a boca salivando pelos pensamentos pecaminosos da gula.
A avenida central mantinha a antiga pose
de capital europeia com seus postes forjados em colunatas de ferro ornadas no
mais puro estilo parisiense, muito embora tivessem vindo de Londres como
atestam as plaquetas afixadas na sua base. A avenida também expunha fileiras de
jardineiras de concreto trabalhado de onde brotavam flores silvestres para dar
vida aos edifícios sóbrios que compunham a paisagem, além da banca de revistas
com seus escândalos expostos e o vendedor da loteria oferecendo a sorte grande
em forma de bilhetes.
Parei para conversar com o bilheteiro – “tive
um sonho estranho onde um gato pardo corria atrás de um padre de batina preta
que pedalava uma patinete”, ao que o bilheteiro, depois de analisar minhas
palavras como um psicanalista diante de um divã, respondeu sabiamente que “gato
que corre atrás de padre dá cachorro”.
Embora duvidasse da sua interpretação, lembrei-me
de uma frase alentadora que fazia parte do repertório do meu avô italiano – “jogar
é a única forma de ganhar no jogo”. Tendo por fundamento tal filosofia, adquiri
logo as vinte frações do cachorro.
Ipso facto, latu sensu, dobrei e embolsei
o amuleto da sorte pensando distraidamente em quantas toneladas de “tagliarini ala
puttanesca” seria possível deglutir – regado a um Lambrusco Rosso – caso fosse
premiado com tantos zeros à direita da unidade do Tesouro Nacional. Matematicamente
havia – dizem – a probabilidade de uma em cem mil, e esta perspectiva só fez
aumentar a minha fome.
Muito satisfeito pela aquisição desta
cornucópia lotérica que me propunha um futuro tão promissor, paro afinal diante
das portas envidraçadas com desenhos “art-nouveau” do Restaurante Carlino, meu
grande sonho de consumo, e entro majestosamente no aromático recinto, sob as
vênias dos garçons e do porteiro.
Já me sentindo um milionário, me
acomodei numa mesa central para que todos me vissem, analisei o cardápio com o
olhar clínico de um especialista sem me preocupar com a coluna dos preços e agi
como se o cachorro tivesse vingado.
Afinal, o pior que poderia me acontecer seria
aumentar o débito já bastante comprometido do meu cheque especial, cuja número
de conta era exatamente o número do cachorro salvador.
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