A MÁSCARA
(Excerto II)
Ganhei uma máscara de presente, feia
como o diabo. Disse-me o amigo que me presenteou que ela me traria sorte.
Para agradar o presenteador, coloquei a
dita cuja na parede da minha sala. A operação pendura-máscara tomou-me quase dez
minutos entre o arrasta cadeiras, o trepa e destrepa, e o confere a posição,
mas finalmente a cara foi gloriosamente afixada.
Após descer cuidadosamente da cadeira,
para não arriscar um tombo e começar a descrer das propriedades benfazejas do
singular objeto, andei de costas até a parede oposta para melhor observar o
efeito do mais novo adorno da sala. Parei, boquiaberto ao perceber que a
máscara me piscava com o buraco do olho esquerdo.
“Que será isto?” – pensei. Talvez a
cerveja misturada com aguardente de cereja esteja fazendo efeito, talvez o
sobe-desce da cadeira me tenha deixado meio desorientado, talvez a iluminação insuficiente
estivesse a me pregar peças, talvez seja uma ilusão de ótica causada pelos
desenhos do vime trançado ou talvez – considerei com um ligeiro arrepio – este
piscar seja um polido cumprimento, uma advertência ou um aviso.
Para quebrar o encanto decidi desligar a
luz e fui para o quarto.
Tentei dormir, mas meu descanso não foi
nada tranquilo, pois aquele piscar de olho não saía da minha cabeça. Ouvia ruídos
estranhos – seria o gato afiando as unhas ou o rato vagabundo a lhe fazer
desaforo? Seria a madeira estalando no verão intenso ou algum som da natureza
produzido fora da casa?
Cansado pela emoção e pelos humores
alcoólicos consegui enfim adormecer.
Veio então o sonho vívido onde criaturas
estranhas dançavam trajando vestes de palha colorida e portando máscaras. No
meio delas, a “minha” máscara se destacava com o mesmo ar de deboche e
gargalhava, fazendo com que a tonalidade cor de esmeralda se tornasse mais
brilhante a cada grito.
A máscara sem corpo começou a se
aproximar e já não parecia estar no sonho, mas ao lado da minha cama.
A gargalhada ficou mais forte, e seu som
lembrava o cacarejar de um galo.
-0-0-0-
Acordei num sobressalto, ainda de
madrugada, e de fato um galo cantava na vizinhança.
Revirei-me na cama durante longos
minutos sem saber se tentava dormir de novo ou se atendia o desejo de voltar
para a sala para ver como estavam as coisas com meu estranho hóspede.
Decidi por voltar para a sala, onde escancarei
a janela gigante, daquelas de duas folhas. Olhei para a parede onde afixara a
máscara, mas ela não estava mais lá! Ela agora estava na parede oposta, com a
expressão preocupada de quem passara a noite inteira coletando más notícias.
Foi quando o telefone tocou.
Do outro lado da linha veio a informação
pausada e em tom grave de que o amigo que me dera a carantonha de presente
havia falecido na madrugada, vítima de um acidente de trânsito.
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